quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Godzilla: o imortal



O Cinema já produziu inúmeros ícones que estão incorporados ao imaginário coletivo e integram o patrimônio cultural de diversos países. Quando se fala de Japão, por exemplo, um ícone cinematográfico se impõe por sua tremenda popularidade que ultrapassa as fronteiras do país. Estamos falando do gigantesco e temível Godzilla. Sua origem (na ficção) é pré-histórica. Mas, no mundo “real” dos filmes, ele está barbarizando Tóquio e Nova Iorque, seus alvos preferenciais, há apenas 60 anos.

Godzilla surgiu no cinema em 1954, numa produção da Toho Film. Aliás, esta estreia ocorreu apenas no Japão. A verdadeira face (e nome) do monstro só ganhou repercussão mundial a partir da versão norte-americana, lançada dois anos após (1956), com o título de Godzilla, O Rei dos Monstros (também conhecido como Godzilla, O Monstro do Mar). Tratava-se de uma americanização do filme japonês original, com a montagem modificada e alterações de roteiro, que introduziram na trama um personagem americano, interpretado pelo ator Raymond Burr, fazendo o papel de um repórter.


O Godzilla, que na versão original japonesa se chamava “Gojira”, uma mistura de Gorila com Kujira (“baleia”, em japonês), foi criado pelo produtor Tomoyuki Tanaka; o especialista em efeitos especiais Eiji Tsuburaya; os roteiristas Takeo Murata e Shigeru Koyama e o diretor Ishiro Honda, que se notabilizou pela direção de vários títulos da série. A ideia dos produtores da Toho Film era desenvolver seu próprio “filme de monstro gigante”, gênero conhecido no Japão como “Kaiju Eiga” (Kaiju Movies).

Reconhecidamente a inspiração maior para a criação do monstro foi o temor das consequências da radiação nuclear após o uso das armas atômicas. O lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, certamente faz parte do contexto da criação de Godzilla. Mas não foi a única fonte de inspiração. No próprio ano de 1954 (menos de uma década após o fim da Segunda Guerra Mundial) outro episódio terrível das consequências da radiação chamou atenção da equipe de criação da Toho. No início daquele ano um navio pesqueiro japonês se aproximou inadvertidamente do Atol de Bikini, onde os EUA realizavam testes com bombas nucleares. De repente, um clarão surgiu no horizonte e, logo após, uma chuva de cinzas começou a cair sobre o barco. Sem saberem de nada, os pescadores foram expostos a altas taxas de radiação. Logo começaram a surgir os primeiros sintomas: enjoos, queimaduras e sangramentos. Ao retornar para o Japão, a tripulação do navio ficou confinada em quarentena. Porém, o peixe capturado pelos pescadores foi comercializado normalmente, o que ocasionou a morte de algumas pessoas, além de vários pescadores. Em lembrança a esta tragédia, a cena de abertura do primeiro filme de Godzilla mostra um barco sendo destruído pelo monstro. Uma metáfora poderosa para os perigos do uso das armas nucleares e suas consequências.


Uma curiosidade da saga de Godzilla no cinema é o fato de que o monstro surgiu nos filmes como um vilão da humanidade, sempre disposto a arrasar com as metrópoles. No entanto, com o passar do tempo, e suas várias reencarnações, o personagem (sim, ele era o verdadeiro protagonista das histórias) foi demonstrando um poder cada vez maior de seduzir as plateias, especialmente os jovens e crianças, chegando ao ponto de ser apresentado em alguns filmes como o verdadeiro herói da história. Ainda que este herói tenha a aparência horripilante de um dinossauro mutante, com corpo de um Tiranossauro, os braços de um Iguanodonte e barbatanas dorsais de um Estegossauro. Com algumas variáveis aqui, outras ali, esse é o visual clássico do Godzilla ao longo dos seus 60 anos de vida.


Olhando com os olhos de hoje, não podemos deixar de constatar a precariedade dos efeitos especiais dos primeiros filmes da saga. No entanto, é justamente aí que reside grande parte do charme destes filmes que fizeram a alegria das matinés de muita gente. Antes da chegada dos efeitos de computação gráfica (CGI), utilizados em larga escala após a segunda metade dos anos 90, todos os filmes de Godzilla utilizaram a velha técnica de "suitmation", que consiste em colocar um ator dentro de uma fantasia articulada feita de látex. Para completar a magia do cinema, e dar a verdadeira dimensão do monstro, bastava colocar no set de filmagem pequenas maquetes reproduzindo os prédios, as pontes e os monumentos da realidade.


Entre produções memoráveis, e outras tantas esquecíveis, já foram produzidos cerca de 30 filmes do Godzilla. Suas reencarnações são regulares, seja no cinema japonês, seja no norte-americano. A novíssima versão, com os requintes da tecnologia digital 3D, está chegando às telas com uma missão: apresentar às novas gerações, que dominam as salas de cinema, um senhor monstro que apavora as plateias há 60 anos. Que a honra de uma tradição seja mantida.

(Texto originalmente publicado no portal "Facool" em maio de 2014)

Jorge Ghiorzi

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