quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

“Birdman”: voo por uma mente atormentada


Histórias sobre redenções pessoais são sempre catalisadoras da atenção do público. Representam ideais de superação e são invariavelmente inspiradoras. Na literatura e no cinema encontramos muitas histórias assim. É por este caminho que vai Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância, dirigido por Alejandro González Iñarritu, recentemente premiado com o Oscar nas categorias de Fotografia, Roteiro, Diretor e Filme.

Porém, em Birdman a redenção não é exatamente um ponto consensual, pois a subjetividade da narrativa não nos permite afirmar objetivamente se foi ou não bem sucedida. Mas, no fundo, não é o ponto final que importa, mas sim a jornada de (auto) descoberta do protagonista.


O ator Riggan Thomson (Michael Keaton) foi um astro no passado, quando interpretou com grande sucesso o personagem Birdman numa franquia de sucesso no cinema. Mas, ao recusar o retorno ao personagem pela quarta vez, sua carreira entrou em declínio. Para recuperar a fama perdida, e provar que é um ator de respeito, ele decide produzir, dirigir e estrelar uma adaptação teatral na Broadway de uma obra de Raymond Carver. Durante o processo de montagem, ensaios e pré-estreia o ator vive momentos de intensa pressão ao mesmo tempo em que reavalia suas relações com a ex-esposa, a filha, o empresário, os demais atores da peça, a crítica e a mídia em geral.

O tema do artista em decadência, tentando se reestabelecer na profissão, sem atentar para o fato de que seu tempo é passado, já foi tratado no clássico Crepúsculo dos Deuses (1950), que narra o ocaso da grande estrela Norma Desmond (Gloria Swanson). O mesmo confronto entre o universo interior e exterior da protagonista do filme de Billy Wilder também está presente na mente do protagonista de Birdman. Se o mundo de ficção onde Norma Desmond vive é apenas sugerido por seus atos e ações, no caso de Birdman a irrealidade ocupa a quase totalidade da narrativa de Alejandro Iñarritu. E o espectador mergulha junto no universo atormentado do ator à beira de um colapso.


Nestes tempos em que vivemos, a performance e os resultados são a mola propulsora da sociedade, especialmente na América, onde a competitividade acirrada inevitavelmente aparta e distancia vencedores de perdedores. Atingir o sucesso profissional é uma meta. A permanência no topo, no entanto, é uma missão de vida. Caso contrário, o perdedor é carta fora do baralho. O excessivo culto às celebridades é parte deste processo. Este é o drama existencial que assombra o personagem central de Birdman. Sua nova empreitada, a peça que tenta desesperadamente produzir e protagonizar, representa sua derradeira tentativa para se manter relevante e significativo no mundo artístico. E não será fácil, sabemos todos nós. A fuga da realidade, o delírio e a negação dos fatos parecem mais confortáveis para este duro enfrentamento da vida real.


A opção de Iñarritu em filmar a totalidade do longa com uma série de planos sequência foi uma opção narrativa muito interessante, na medida em que é uma eficiente representação estética do fluxo de consciência vivido por Riggan Thomson, em constante conflito com seus demônios interiores. As leis da física e da gravidade são quebradas para acompanhar os delírios de um ator em busca de seu papel redentor. Após duas horas de projeção, Birdman nos entrega um final marcadamente ambíguo que parece fazer pleno sentido para as incertezas do protagonista.

(Texto originalmente publicado no portal “Movi+) em março de 2015)


Jorge Ghiorzi

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