terça-feira, 25 de abril de 2017

Alan Smithee: o cineasta das mil faces


Ele dirigiu mais de 31 longas-metragens de ficção para cinema e outros 34 para a televisão, sempre transitando por diversos gêneros cinematográficos. Dirigiu também documentários, curtas e vídeos. Atuou como roteirista, produziu e assinou várias funções técnicas com editor, diretor de fotografia, compositor e diretor de arte. A versatilidade é sua marca registrada. Seu nome é Alan Smithee, mas .... sempre tem um mas. Este cineasta completo nunca concedeu entrevistas, foge de qualquer exposição midiática e não se conhece sequer sua fisionomia. Alan Smithee poderia ser considerado uma espécie "prima donna" inatingível, à la Terrence Malick, não fosse por um detalhe muito peculiar: esta pessoa não existe. É um fantasma.


Vamos aos fatos.

"Nascido" em 1968, já no ano seguinte o precoce e prolífico cineasta assinava sua primeira direção para o cinema, o western Só Matando (Death of a Gunfighter). Na verdade a direção foi de Don Siegel, mas o crédito ficou com Alan Smithee. Explica-se: Alan Smithee é apenas um pseudônimo criado pela DGA (associação dos diretores norte-americanos) para assinar a direção (e outras funções) de filmes renegados por seus verdadeiros realizadores, pelas mais diversas razões: falta de controle criativo, montagens não autorizadas, vergonha ou constrangimento pelo produto final. O nome "Alan Smithee" é um anagrama para a expressão "the alias men", algo como "o homem apelido".


Na medida em que Smithee assina apenas projetos renunciados, pode-se imaginar a quantidade de "abacaxis" que fazem parte de sua filmografia. Com uma relação interminável de tranqueiras associadas ao seu nome pode-se considerar Alan Smithhe um realizador que se habilita a roubar de Ed Wood o título de "pior cineasta de todos os tempos".

Ao se ver obrigada a adotar a solução de um "realizador virtual", Hollywood acabou, por tabela, criando a figura de um diretor ideal, submisso, controlado, que não contesta, acata as regras da indústria e se submete aos desmandos dos chefões dos estúdios. É o cinema industrial em sua essência mais cruel.


Muitos diretores conhecidos já recorreram aos "serviços" de Alan Smithee, entre eles Dennis Hopper, Richard C. Sarafian, Arthur Hiller, Rick Rosenthal, Sam Raimi e David Lynch. Como destaques (se é que podemos falar assim) da filmografia de Smithee pode-se citar a continuação Os Pássaros II (1994 - TV); Atraída Pelo Perigo (1990), com Jodie Foster no elenco, e Duna (versão alternativa lançada em 2006).



Essa história tão curiosa de Hollywood poderia muito bem dar um filme. E deu mesmo. Em 1997 foi lançada a sátira Hollywood Muito Além das Câmeras, (An Alan Smithee Film: Burn, Hollywood, Burn) que conta a história de um diretor de cinema chamado Alan Smithee (interpretado por Eric Idle, do Monty Python) que não pode renegar seu filme justamente porque possui o mesmo nome do diretor "coringa" do pseudônimo criado pela DGA. Então, ele decide roubar os negativos do próprio filme para destruí-los. Mas, olha só que ironia, Hollywood Muito Além das Câmeras é tão, mas tão ruim, que o próprio diretor Arthur Hiller decidiu utilizar o pseudônimo de Smithee para assinar o desastre. E como desgraça pouca é bobagem, para desespero de todos os envolvidos o filme acabou ganhando cinco Framboesas de Ouro naquele ano. A partir deste caso, a própria DGA passou a adotar outros pseudônimos para assinar filmes fracassados. Mas o mito Alan Smithee segue assombrando os cineastas que pisam na bola.

(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em agosto de 2016)

Jorge Ghiorzi

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