domingo, 9 de abril de 2017

O filme proibido de Jerry Lewis


No filme Crimes e Pecados, de Woody Allen, em dado momento o personagem de Alan Alda responde a uma questão crucial: "o que é comédia?" Segundo sua explicação, "comédia é tragédia somada ao tempo". Ou seja, decorrido algum tempo, qualquer tragédia pode ser transformada em comédia. Exemplo prosaico e elementar: o cidadão escorrega numa casca de banana, cai e quebra a perna. Fazer piada e rir disto no ato é constrangedor e inadequado. Mas, dê tempo ao tempo, e chegará o momento em que até a vítima será capaz de rir de si próprio. Essa é a magia. É necessário se distanciar da dor para rir.

A regra parece simples na teoria. Mas na realidade, quanto tempo é necessário para rirmos de uma tragédia? É difícil saber. Que o diga o comediante Jerry Lewis que experimentou fazer comédia com um tema difícil, como o extermínio de judeus nos campos de concentração na Segunda Guerra Mundial. As torturas da Inquisição na Idade Média já foram motivo de gags pelo grupo Monty Python, a Guerra da Coréia já foi esculachada por Robert Altman em Mash e a própria Segunda Guerra já foi inspiração para uma comédia semelhante como A Vida é Bela de Roberto Benigni. Mas, parece que Jerry Lewis foi um pouco além em seu filme proibido: as vítimas do extermínio eram crianças!


The Day the Clown Cried (O Dia em que o Palhaço Chorou), de 1972, é o filme maldito de Jerry Lewis, jamais lançado. Na verdade o filme nunca foi devidamente finalizado pelo diretor, o próprio Lewis. A morbidez do tema foi demais em sua época (e talvez ainda seja), e o filme tornou-se um daqueles mistérios a que poucos tiveram acesso ao material. O realizador retirou as filmagens de circulação, proibiu seu acesso e decidiu mante-la longe dos olhos do público. Apenas a sinopse já dá ideia das razões da proibição: um palhaço diverte crianças judias em seu caminho para as câmaras de gás nos campos de concentração nazista na Segunda Guerra Mundial.


A abordagem totalmente inesperada para um comediante popular como Jerry Lewis, cuja filmografia jamais faria supor algo sequer parecido, surpreendeu meio mundo. Parecia totalmente inapropriado um filme com esta temática se considerarmos que o artista sempre foi reconhecido como um artista voltado para ações humanitárias em benefício das crianças, particularmente por seu famoso programa anual de TV "Jerry Lewis Telethon", que objetiva arrecadar recursos para crianças com distrofia muscular.


Recentemente foi divulgado que a Biblioteca do Congresso norte-americano recebeu o espólio do filme para seus arquivos, doados pelo próprio Jerry Lewis, que autorizou a liberação para o público somente em 2024

Algumas cenas de bastidores das filmagens de The Day the Clown Cried estão disponíveis no YouTube: goo.gl/aqqjkG

(Texto originalmente publicado no portal “Movi+” em julho de 2016)

Jorge Ghiorzi

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