quarta-feira, 26 de julho de 2017

“Dunkirk”: derrota vitoriosa


Inspirado em um dos episódios mais dramáticos, e pouco lembrados, da 2ª Guerra Mundial, o monumental Dunkirk (Dunkirk, 2017), dirigido por Christopher Nolan, traz para as telas um momento trágico da história que reúne uma extraordinária gama de atos de superação, heroísmo e honra protagonizados por soldados, oficiais e população civil. Desenvolvido a partir de um fiapo de enredo, o épico de Nolan se detém em pequenos núcleos narrativos de micro histórias individuais, alternados em tempos e espaços distintos, que nos jogam com vigor diretamente no campo de batalha.

O grande painel narrativo de Dunkirk relata basicamente o resgate de cerca de 400 mil soldados ingleses, franceses e belgas que ficaram cercados e isolados pelas tropas alemãs na cidade litorânea de Dunquerque, no litoral norte da França. Abandonados, encurralados, expostos ao inimigo na praia, sem chance imediata de fuga, a única esperança era o resgate pela frota da Marinha inglesa.


A história se desenvolve em terra, no mar e no ar por cerca de 10 dias entre os meses de maio e junho de 1940. Alguns poucos aviões de combate da RAF - Força Aérea Real Britânica - assumem o combate ao inimigo no céu sobre o Canal da Mancha e o Estreito de Dover, na tentativa de proteger os soldados indefesos na praia. Enquanto isso, centenas de pequenos barcos conduzidos por militares e civis ingleses preparam uma ação desesperada de resgate, arriscando suas vidas numa corrida contra o tempo para salvar o maior número possível de soldados compatriotas.

A impactante sequência de abertura nos apresenta um dos protagonistas da história, um jovem soldado inglês (Fionn Whitehead) que escapa de ser abatido pelo fogo alemão e chega à praia para juntar-se aos milhares soldados que aguardam o momento de embarque. Para aumentar as chances de escapar com vida daquele pesadelo, estrategicamente ele se une a outros dois companheiros de farda (Aneurin Barnard e Harry Styles, integrante do grupo pop “One Direction” em seu primeiro papel no cinema). As operações de embarque estão sob o comando do almirante da Marinha interpretado por Kenneth Branagh. Outro núcleo narrativo está nos céus, onde um piloto de caça aéreo (Tom Hardy) tenta heroica e solitariamente dar conta de combater os aviões alemães que bombardeiam as tropas na praia e nos navios de resgate. Por fim, há um terceiro centro de interesse em alto-mar onde uma pequena embarcação civil é conduzida por um voluntarioso pai de família (Mark Rylance) decidido a arriscar a vida para salvar por conta própria o maior número possível de soldados. A bordo está um oficial em surto (Cillian Murphy) sobrevivente solitário de um naufrágio, recolhido no caminho.


Manipulando com maestria todos os elementos técnicos, logísticos e humanos envolvidos na recriação do momento histórico que ambicionou resgatar, Christopher Nolan conduz Dunkirk sob uma tensão constante. Para isto valeu-se de um roteiro fragmentado que, ao embaralhar a cronologia dos fatos, provoca no espectador uma sensação de desorientação sensorial, que pretende reproduzir (em termos) a sensação experimentada pelos soldados em meio ao fogo cruzado do campo de batalha.

Contribui também decisivamente para esta sensação a utilização da técnica de quebra do eixo gravitacional que Nolan lança mão em algumas sequências de alto impacto emocional como o naufrágio dos navios e os rasantes dos aviões caça. Recurso este que ele já havia empregado em filmes como A Origem (lembra da luta no corredor do hotel?) e Interestelar.


O uso moderado de efeitos especiais, particularmente da computação gráfica, aproxima Dunkirk de outros grandes épicos do cinema, como Lawrence da Arábia, produção da velha escola, realizada sob as mais adversas condições em pleno deserto. Em certa medida, os desafios e o pesadelo logístico de David Lean nas areias foram reproduzidos por Nolan em alto-mar. O que não deixa de ser uma ousadia em tempos onde as facilidades dos recursos digitais tem acomodado a criatividade de muitos cineastas.

Desde já Dunkirk se insere na lista dos melhores épicos de guerra da história do cinema. Primoroso no que se refere aos aspectos meramente técnicos (montagem, trilha sonora, som), a produção se destaca também pela sensibilidade no trato dos pequenos dramas pessoais em contraste com as grandes causas coletivas. Ainda que Nolan não seja exatamente um cineasta que se deixe levar facilmente pelo sentimentalismo, contrariando a perspectiva racional do seu olhar como realizador que conhecemos, o fato objetivo é que o poder avassalador das imagens de Dunkirk demonstra que nem o próprio diretor resistiu à magnitude dos fatos ocorridos há quase 80 anos.

Assista o trailer: Dunkirk

Jorge Ghiorzi

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