quarta-feira, 11 de outubro de 2017

“A Morte Te Dá Parabéns”: eterno recomeço


O artifício do pesadelo, amplamente utilizado nas histórias de terror, seja na literatura, seja no cinema, é extremamente eficiente por seu efeito perturbador nos personagens – e no público também. Efeito este que é potencializado quando o pesadelo é recorrente, enredando os protagonistas numa teia de acontecimentos que parece não ter fim, apenas um eterno recomeço. Este é o truque utilizado no thriller de terror A Morte Te Dá Parabéns (Happy Death Day), uma produção com a grife da Blumhouse Productions, que há uma década atua no gênero, responsável por títulos de sucesso como Atividade Paranormal, A Entidade, Corra! e Fragmentado.

O alarme de um celular soa com uma musiquinha lembrando que é aniversário de Tree Gelbman (Jessica Rothe, uma revelação). Ela desperta num susto. No primeiro momento não entende o que se passa. Logo percebe que está no quarto de um rapaz, num dormitório universitário. Se dá conta que a noitada anterior foi forte. Arruma-se rapidamente e sai do quarto. Mais tarde, naquele dia, é surpreendida com uma festa surpresa de aniversário, organizada por colegas do campus. Inesperadamente é atacada por um estranho e morre assassinada. Corta. Na sequência, o alarme de um celular soa com uma musiquinha lembrando que é aniversário de Tree Gelbman. Ela desperta num susto. E um novo ciclo dos mesmos acontecimentos se sucede. E de novo. E de novo. Sempre com algumas alterações e acréscimos de informações, mas o mesmo desfecho já conhecido.


Os mais atentos podem lembrar de outros filmes onde os personagens ficam presos numa situação que se repete indefinidamente até sua resolução libertadora. Recentemente este recurso narrativo foi utilizado na ficção científica No Limite do Amanhã, com Tom Cruise, e também na comédia de 1993 Feitiço do Tempo, estrelada por Bill Murray, que é assumidamente a maior referência de A Morte Te Dá Parabéns, incluindo até uma citação explícita no final.

Outra inspiração do thriller são os filmes da série Pânico, com suas brincadeiras de autoconsciência de filme de terror e a presença de um icônico assassino mascarado. E claro, sem esquecer ainda da extensa tradição dos filmes slasher com os quais se alinha (com pouco sangue, é verdade), com direito inclusive à clássica figura da final girl. Dessa salada toda resulta um filme acima de tudo divertido que brinca o tempo todo com as expectativas dos clichês, confirmando alguns, ao mesmo tempo em que busca soluções criativas para outras tantas armadilhas que as regras do gênero impõem.


A repetição interminável de fatos/situações já conhecidos, sempre incômoda e angustiante num primeiro momento, costuma, ao longo das experiências revividas, provocar um efeito colateral benéfico: o aprendizado. Uma lição repetida para um mau aluno que precisa superar-se. Este é o dilema que aprisiona a personagem Tree, que a cada novo ciclo encara a situação recorrente com um novo espírito. Inicia com aflição e incredulidade, passa pela aceitação, a diversão e o tédio, até assumir de vez entendimento pleno do que ocorre e o que deve ser feito para escapar daquela situação.

Assim como a imensa maioria dos filmes de terror adolescente, não busque obsessivamente por explicações coerentes, razões consistentes e justificativas plausíveis para fatos e ações dos personagens. Nem fique catando furos no roteiro. Eles estão todos lá. Não perca tempo com isto. Assuma o pesadelo da protagonista, compartilhe sua tragédia pessoal, mas não deixe de se divertir, confortavelmente seguro na poltrona do cinema. Afinal, somos todos voyeur, e um déjà vu de vez em quando não faz mal a ninguém.

Assista o trailer: A Morte Te Dá Parabéns

Jorge Ghiorzi

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