quarta-feira, 29 de novembro de 2017

“Assassinato no Expresso do Oriente”: suspeitos a bordo


“Quem matou?”. A pergunta clássica da literatura policial está de volta aos cinemas com a refilmagem de uma das mais conhecidas histórias de crime e mistério de Agatha Christie. O livro “Assassinato no Expresso do Oriente” ganhou uma primeira versão cinematográfica em 1974, com direção de Sidney Lumet (Um Dia de Cão). Quarenta e três anos depois a história volta às telas com uma nova adaptação, desta vez sob o comando de Kenneth Branagh, que também atua interpretando o investigador belga (não francês!) Hercule Poirot, a mais célebre criação da escritora de livros policiais mais lida em todo o mundo.

Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on the Orient Express) se passa nos anos 30, época de ouro do famoso serviço de trem de longa distância que ligava Istambul à Paris, unindo o Oriente ao Ocidente com viagens cheias de glamour e luxo. Numa destas viagens, que reunia passageiros da elite e da aristocracia auropeia, ocorre um assassinato na cabine de um dos vagões. Entre os passageiros está o famoso detetive Hercule Poirot que precisa utilizar todas suas habilidades dedutivas para desvendar o crime antes que o trem chegue a seu destino. Um elenco de estrelas de primeira grandeza está entre os suspeitos: Penélope Cruz, Willem Dafoe, Judi Dench, Daisy Ridley e Michelle Pfeiffer.


A antiga versão da história, aquela de Sidney Lumet, era um produto típico de seu tempo, que revisto hoje mostra que não resistiu bem ao teste do tempo. Recheada de grandes estrelas e por demais acadêmica, a produção é uma peça de museu da velha Hollywood, aposentada nos anos 70. Portanto, a nova versão chega com o compromisso de atualizar a abordagem e renovar o interesse na obra da “rainha do crime”. Um dos pontos críticos, fundamental para o êxito da empreitada, é a figura do investigador Hercule Poirot, encarnado com equilíbrio, charme e elegância pelo próprio Branagh que compõe uma interpretação bastante peculiar, completamente distinta do Poirot cômico e afetado de Albert Finney (em 1974), e também do Poirot bufão histriônico de Peter Ustinov, outro notório intérprete do investigador.

O enredo de Assassinato no Expresso do Oriente é um dos mais clássicos exemplos subgênero do “locked room”, que narram mistérios do “quarto fechado”, quando o crime ocorre em um espaço isolado e a suspeita da autoria recai sobre todos os presentes no local. O diretor Kenneth Branagh explora com habilidade a geometria espacial do trem, alternando a sensação de confinamento dos exíguos espaços e compartimentos dos vagões de passageiros com algumas poucas cenas externas na paisagem gelada da montanha coberta de neve. Neste aspecto duas sequências de destacam. A primeira delas é o longo travelling que acompanha toda a extensão do trem num belo e elegante plano-sequência que apresenta várias das personagens, perfeitamente integradas à ação narrativa que se desenrola no primeiro plano. Outro exercício de estilo de Branagh é a sequência de apresentação do cenário do crime, quando a câmera se posiciona no alto, acima do teto da cabine da vítima, exibindo a ação como se estivéssemos testemunhando a movimentação de ratinhos de laboratório percorrendo os meandros do espaço. Cineastas como Martin Scorsese (Taxi Driver), Steven Spielberg (Minority Report) e Brian De Palma (Olhos de Serpente) também já utilizaram este enquadramento de grande efeito cênico.


Egresso do meio teatral, o background artístico de Kenneth Branagh se mostra presente na sua direção de atores e na mise-en-scène de Assassinato no Expresso do Oriente, particularmente na sequência final, quando a autoria do assassinato é revelada. Montada como uma pequena peça teatral, a sequência é caracterizada pela rigidez das marcações – típicas dos palcos – onde se sobressai a essência da interpretação dos atores/atrizes, cada um deles com seu momento de brilhatura pessoal, com destaque absoluto para Michelle Pfeiffer, cada vez melhor na retomada da sua carreira cinematográfica. Na sequência somos inclusive brindados como uma representação simbólica da célebre imagem da Santa Ceia, quando todos ficam sentados à mesa, atentos às sábias palavras de Poirot que traz a verdade à luz.

Sabemos todos dos riscos envolvidos nos remakes. As comparações com as produções originais são inevitáveis, e de modo geral o histórico tem provado que os insucessos são maiores que os êxitos. Mas, aqui não é o caso. A nova versão de Assassinato no Expresso do Oriente faz frente e eventualmente se mostra até superior do que a original de 1974. Uma prova de que a produção deu certo é a dica que é dada num pequeno diálogo no final do filme, quando a presença de Hercule Poirot, “o melhor investigador do mundo”, é solicitada para solucionar um novo caso, desta vez no Egito. Seria uma sugestão que poderemos ter em breve uma nova versão para Morte Sobre o Nilo, produção dirigida por John Guillermin (King Kong) em 1978? As pistas foram dadas e não é preciso ser nenhum gênio investigativo para deduzir que Kenneth Branagh está construindo uma franquia para si próprio.


Jorge Ghiorzi

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