sábado, 6 de fevereiro de 2021

Marlee Matlin: superando desafios


Uma das imagens mais impactantes da história do Oscar aconteceu em 1987 quando a vencedora de Melhor Atriz, Marlee Matlin, recebeu a estatueta por seu desempenho em Filhos do Silêncio e fez seu agradecimento sem proferir nenhuma palavra, utilizando apenas a língua americana de sinais.

Marlee Matlin perdeu a audição aos 18 meses de vida e o desenvolvimento da fala ficou prejudicado. Ela só voltou a se expressar oralmente após longo tratamento e treinamento com especialistas.

Esta condição, no entanto, não impediu que fizesse carreira como atriz, que começou aos sete anos quando interpretou a Dorothy numa versão teatral da peça “O Maravilhoso Mágico de Oz”.

O primeiro filme, aos 21 anos, foi justamente aquele que lhe rendeu, além do Oscar, o Globo de Ouro de melhor atriz dramática. Em Os Filhos do Silêncio ela interpreta uma ex-aluna da escola para surdos onde trabalha um professor de linguagem de sinais, interpretado por William Hurt, que à época era seu marido na vida real.

Os Filhos do Silêncio


A vitória de Marlee na maior premiação do cinema mundial é extraordinária. Ela foi a primeira e até hoje única atriz a vencer o Oscar por uma atuação apenas com a língua de sinais. Após seu feito apenas outras duas atrizes concorreram ao prêmio também atuando com a língua de sinais: a japonesa Rinko Kikuchi, por Babel em 2007, e Sally Hawkins, por A Forma da Água em 2018.

Em 1988 Marlee Matlin retornou ao palco do Oscar para anunciar os indicados de Melhor Ator. Daquela vez falou com sua própria voz e revelou o nome do vencedor do ano: Michael Douglas por Wall Street.

Na sequência a atriz participou de alguns filmes importantes, como o drama histórico Walker (1987), com Ed Harris e direção de Alex Cox; a produção francesa L’homme au masque d’or (1991) de Éric Duret; a comédia Romance por Interesse (1991) de Richard Shepard, e o drama de suspense O Jogador (1992) integrando o elenco cheio de estrelas do filme de Robert Altman.

Em meados da década de 90 Marlee Matlin passou a construir uma vasta e consistente carreira na televisão protagonizando ou participando de filmes e séries como Seinfeld; The Outher Limits; Picket Fences; Spin City; Plantão Médico; O Desafio; The Division; Desperate Housewives; Lei & Ordem; West Wing; CSI: Nova Iorque; The L World; Glee e Quantico, entre outras.

CODA


Em 2020 a atriz voltou em grande estilo ao cinema participando do prestigiado longa-metragem CODA, de Sian Heder, recentemente premiado no Festival Sundance de Cinema como Melhor Filme, Melhor Direção, Júri Popular e Melhor Elenco. CODA (sigla para “Child of Deaf Adults”, ou Criança de Adultos Surdos) conta o drama de uma jovem surda que fica dividida entre seguir sua paixão pela música e seu medo de abandonar os pais.

Além da coincidência na semelhança dos títulos dos dois filmes que utilizam (no original) os termos “children e “child”, o tema da surdez em CODA também faz uma conexão direta com Os Filhos do Silêncio, a estreia da atriz. Será este um sinal do “comeback” definitivo de Marlee Matlin para o cinema? 


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Festival Sundance de Cinema: premiados em 2021

 


A pacata Park City, com quase 100 mil habitantes, conhecida como a maior cidade-resort do estado de Utah (EUA), tem se acostumado a virar metrópole do cinema todo início de ano. O motivo da agitação é o prestigiado Festival Sundance de Cinema, maior evento do cinema independente dos Estados Unidos. Tudo começou em 1978 com um certame competitivo chamado “Utah / U. S. Film Festival”, de pouco expressão nos primeiros tempos.


A pequena Park City começou a mudar sua condição em 1981 quando Robert Redford fundou o Instituto Sundance, nome inspirado no personagem que interpretou em Butch Cassidy (1969), que se chamava Sundance Kid, primeiro grande sucesso da sua carreira. O Instituto surgiu com o propósito promover o crescimento de jovens e promissores artistas independentes, Seus programas de capacitação descobrem e apoiam novos talentos criativos no cinema, no teatro e na música vindos de todo mundo.


Em 1985 o Instituto incorpora o festival já existente na cidade e o transforma no que hoje conhecemos como Festival Sundance de Cinema, a principal janela de promoção e exposição de filmes autorais de realizadores independentes norte-americanos e internacionais. O trabalho do Instituto (que está completando 40 anos) e do Festival refletem muito dos princípios liberais do mentor Robert Redford, um cidadão sempre atento à política e ao meio ambiente, sua segunda paixão, após o cinema.

Muitos realizadores iniciantes ganharam visibilidade a partir do Festival Sundance de Cinema, garantindo a oportunidade de ouro de terem seus primeiros trabalhos distribuídos pelas grandes companhias. Steven Soderbergh, com Sexo, Mentiras e Videotape, e Quentin Tarantino, com Cães de Aluguel, são dois exemplos da projeção que o evento pode proporcionar.


A exemplo de todos os grandes festivais de cinema, Sundance não fugiu à regra e este ano realizou sua edição totalmente online, como os tempos atuais exigem. Este ano o evento, que ocorreu de 28 de janeiro a 3 de fevereiro, contou com mais de 15 mil filmes inscritos, incluindo 118 longas-metragens selecionados de 27 países diferentes. O Brasil esteve presente com a coprodução do documentário Once Upon a Time in Venezuela dirigido pela venezuelana Anabel Rodriguez Rios.

 

Premiados da edição 2021 do Festival Sundance de Cinema:


COMPETIÇÃO AMERICANA


“CODA” de Sian Heder

Filme - Drama

“CODA” de Sian Heder

 

Prêmio do Público - Drama
CODA” de Sian Heder

 

Direção - Drama
SiAn Heder por “CODA”

 

Prêmio Waldo Salt / Roteiro - Drama
Ari Katcher e Ryan Welch por “On the Count of Three”

 

Prêmio Especial do Júri / Ator - Drama
Clifton Collins Jr. por “Jockey”

 

Prêmio Especial do Júri / Elenco - Drama
CODA” - Emilia Jones, Eugenio Derbez, Troy Kotsur, Ferdia Walsh-Peelo, Daniel Durant e Marlee Matlin

 


“SUMMER OF SOUL (… OR, WHEN THE REVOLUTION COULD NOT BE TELEVISED)” de Ahmir Khalib Thompson

Filme - Documentário

“Summer Of Soul (… Or, When the Revolution Could Not Be Televised)” de Ahmir Khalib Thompson (conhecido profissionalmente como Questlove)

 

Prêmio do Público - Documentário
“Summer Of Soul (… Or, When the Revolution Could Not Be Televised)”

 

Direção - Documentário
Natalia Almada por “Users”

 

Prêmio Jonathan Oppenheim / Edição - Documentário
Kristina Motwani e Rebecca Adorno por “Homeroom”

 

Prêmio Especial do Júri – Cineasta emergente - Documentário
Parker Hill e Isabel Bethencourt por “Cusp”

 

Prêmio Especial do Júri – Não-ficção / Experimental

Theo Anthony por “All Light Everywhere”

 

 

 

COMPETIÇÃO INTERNACIONAL



“HIVE” (Kosovo) de Blerta Basholli

Filme - Drama

“Hive” (Kosovo) de Blerta Basholli

 

Prêmio do Público - Drama
“Hive” (Kosovo) de Blerta Basholli

 

Direção - Drama
Blerta Basholli por “Hive”

 

Prêmio Especial do Júri / Atuação - Drama
Jesmark Scicluna por “Luzzu” (Malta)

 

Prêmio Especial do Júri / Visão criativa - Drama
Baz Poonpiriya por “One for the Road” (China, Hong Kong e Tailândia)


 


“FLEE” (EUA, Reino Unido, França, Suécia, Noruega e Dinamarca) de Jonas Poher Rasmussen

 

Filme - Documentário
“Flee” (EUA, Reino Unido, França, Suécia, Noruega e Dinamarca) de Jonas Poher Rasmussen

 

Prêmio do Público - Documentário
“Writing With Fire” (Índia) de Sushmit Ghosh e Rintu Thomas

 

Direção - Documentário
Hogir Hirori por “Sabaya” (Suécia)

 

Prêmio Especial do Júri / Cineasta Vérité - Documentário
Camilla Nielsson por “President” (Dinamarca, EUA e Noruega)

 

Prêmio Especial do Júri – Impacto para mudanças - Documentário

Rintu Thomas e Sushmit Ghosh por “Writing With Fire”

 

 


ESPECIAIS


 

Prêmio do Público - NEXT
Marion Hill por “My Belle, My Beauty” (EUA e França)

 

Prêmio Inovação - NEXT
Dash Shaw (diretor/escritor) e Jane Samborski (diretor de animação) por “Cryptozoo” (EUA)

 

Prêmio Alfred P. Sloan – Filme
Alexis Gambis por “Son of Monarchs” (EUA e México)

 

Prêmio Instituto Sundance / Amazon Studios / Filme - Ficção
Natalie Qasabian por “Run” (EUA)

 

Prêmio Instituto Sundance / Amazon Studios / Filme - Documentário
Nicole Salazar por “Philly D.A.” (EUA)

 

Prêmio Instituto Sundance / NHK
Meryam Joobeur por “Motherhood” ( Tunísia, Canadá, França e Catar)

 

Prêmio Instituto Sundance / Mentoria Adobe / Melhor Edição - Não-ficção
Juli Vizza

 

Prêmio Instituto Sundance / Mentoria Adobe / Edição - Ficção
Terilyn Shropshire

 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

George A. Romero: pai dos zumbis

 


O que começou originalmente como uma comédia de terror acabou por se tornar um dos maiores clássicos do cinema independente, criador do subgênero dos filmes de zumbis. Assim surgiu A Noite dos Mortos Vivos (1968) obra máxima da filmografia de GEORGE A. ROMERO.

Após levantar a soma de pouco mais de 100 mil dólares, Romero, aos 28 anos, escreveu, produziu e dirigiu seu primeiro longa-metragem. O filme surgiu em uma época muito propícia para a abordagem de uma temática mais pesada. Era final dos anos 60, a Guerra do Vietnã jogava a violência diariamente nas telas das TVs. O mal-estar, os medos e as angústias da sociedade estavam vindo à tona. No mesmo período, paralelamente à produção de Romero, o europeu Roman Polanski estava na América rodando o clássico do gênero horror O Bebê de Rosemary, que seria lançado no mesmo ano.

A Noite dos Mortos Vivos estabeleceu novo padrão para os filmes de baixo orçamento, revelando nuances de comentários sociais incomuns para filmes de terror. Críticos apontam o filme de Romero como um dos mais representativos do espírito turbulento dos anos 60. Um símbolo do seu tempo ao se mostrar engajado às lutas dos movimentos dos direitos civis da comunidade afro-americana dos Estados Unidos. O longa-metragem foi estrelado por Duane Jones, o primeiro ator negro escalado para protagonizar um filme de terror.


George A. Romero construiu praticamente toda sua filmografia voltada aos filmes de terror. Dirigiu 17 longas-metragens, raramente se afastando do gênero. Uma das poucas exceções é o drama de ação Cavaleiros de Aço (1981) que mostra motoqueiros itinerantes reproduzindo o estilo de vida dos cavaleiros medievais.

Em destaque na sua obra cinematográfica vale lembrar também de Martin (1977), releitura naturalista dos filmes de vampiro; Instinto Fatal (1988), drama de horror com toques de ficção científica sobre uma experimento que injeta células de cérebro humano em uma macaca superinteligente que trabalha como auxiliar para um tetraplégico, e A Metade Negra (1993), baseado na obra de Stephen King, que conta a história de um escritor de livros com histórias de crimes, que se torna suspeito de uma série de assassinatos.

A Noite dos Mortos Vivos é o primeiro das cinco sequências e/ou remakes dirigidos pelo próprio Romero, além de outra duas versões dirigidas por Tom Savini (1990) e Jeff Broadstreet (2006).

Fazem parte do universo “Mortos”, com a legítima grife Romero, os longas Despertar dos Mortos (1978); Dia dos Mortos (1985); Terra dos Mortos (2005); Diário dos Mortos (2007) e A Ilha dos Mortos (2009).


O cinema de terror deve um tributo ao diretor George A. Romero. Mesmo sem o brilho de outros tempos, as últimas realizações do cineasta deixaram um caminho aberto, inspirando novas gerações e realizações de sucesso, como a série The Walking Dead, por exemplo.

Romero morreu em 16 de julho de 2017, aos 77 anos, em casa com a família, enquanto escutava a trilha sonora de um de seus filmes favoritos, Depois do Vendaval (1952) de John Ford.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Da ficção para a realidade


O fascinante e perturbador suspense de ficção científica "O Segundo Rosto" (Seconds, 1966) faz parte da chamada "trilogia da paranoia" do diretor John Frankenheimer, da qual também fazem parte "Sob o Domínio do Mal" (1962) e "Sete Dias em Maio" (1964).

O filme conta a história de um bancário de meia-idade, bem-sucedido profissionalmente, mas profundamente insatisfeito com o rumo da vida pessoal. Então surge a oportunidade de se submeter a uma cirurgia experimental onde ganharia um novo rosto, uma nova identidade e uma nova vida.

“O Segundo Rosto” acabou sendo protagonista de uma curiosa história envolvendo o músico Brian Wilson, líder da banda “The Beach Boys”. Durante o processo de gravação do álbum conceitual “Smile” Brian Wilson foi fortemente afetado ao assistir ao filme de John Frankenheimer. Consta que ele teria chegado atrasado à sessão e ao entrar na sala foi saudado com um diálogo da tela naquele momento, que dizia “Come in, Mr. Wilson” (Entre, Mr. Wilson). A frase teve forte impacto no músico que passou a imaginar que a história do filme se baseava em suas próprias recentes experiências traumáticas e sua produção artística. A impressão ficou ainda mais forte em função de uma longa sequência que se passa em uma casa na praia, semelhante à casa onde Brian Wilson vivia e trabalhava para o novo álbum.

A experiência ao assistir o filme foi tão intensa e impactante que contribuiu para que Wilson interrompesse as gravações de “Smile” por décadas (o disco só foi concluído e lançado em 2004). Outra consequência daquela fatídica sessão foi que o músico só voltaria a uma sala de cinema em 1982, quando foi assistir “E.T. – O Extraterrestre” de Steven Spielberg.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

“Convenção das Bruxas”: clássico repaginado


Uma geração inteira separa a primeira versão de Convenção das Bruxas (The Witches) e esta releitura do clássico infantil que chega aos cinemas em 2020. A primeira adaptação cinematográfica do livro escrito por Roald Dahl foi lançada em 1990, sob a direção do britânico Nicolas Roeg (de O Homem Que Caiu na Terra). Agora, transcorridos 30 anos, reencontramos a Rainha das Bruxas e seus planos malignos. Ou seja, quem era criança na época, hoje provavelmente levará seus filhos aos cinemas para um reencontro marcado pela nostalgia.

O responsável por este resgate é Robert Zemeckis, um cineasta mais apropriado para dirigir uma comédia infantil de “terror” e fantasia, em relação à Roeg, que construiu uma filmografia marcada por filmes ousados e complexos, direcionados às plateias adultas. Zemeckis, por sua vez, já tem bastante experiência na área, basta lembrarmos de filmes como a trilogia De Volta Para o Futuro; Uma Cilada para Roger Rabbit; A Morte Lhe Cai Bem e Expresso Polar. No projeto da refilmagem Zemeckis contou ainda com uma equipe de peso, que inclui os nomes de Guillermo Del Toro, como um dos roteiristas, e Alfonso Cuarón, como produtor.


No remake de Convenção das Bruxas duas importantes decisões foram tomadas em relação ao filme original. Houve alteração de cenário e época, mudando da Inglaterra para o Alabama (EUA) nos anos 60, e o protagonismo da família, antes genuinamente ingleses, agora formada por personagens negros. Estas mudanças contribuem para inserir comentários, nuances e subtextos relacionados às questões raciais, ainda que de forma leve e sutil. No mais, a premissa básica da história segue a mesma.

O jovem órfão (Jahzir Kadeem Bruno), após a morte dos pais, vai morar com a Avó (Octavia Spencer) na pequena Demopolis, no interior rural do Alabama. Certo dia o garoto tem um encontro casual como uma bruxa. Para fugirem da ameaça de encontrar novamente o famigerado ente maligno, os dois decidem passar alguns dias hospedados em um grande hotel à beira-mar. Mas, para azar da dupla, justamente naquele local estava se realizando o encontro anual das Bruxas dos Estados Unidos. Na tal Convenção, a Grande Rainha Bruxa (Anne Hathaway) apresenta às suas colegas do mal seu plano mirabolante para eliminar todas as crianças do mundo: transformá-las em ratos introduzindo um elixir venenoso nas guloseimas e chocolates.



Uma refilmagem sempre sofre a influência implacável do tempo que separa o original da recriação. As circunstâncias do momento sempre se impõem sobre as decisões artísticas e comerciais do produto final. E Convenção das Bruxas não foge à regra. Quando Nicolas Roeg fez a primeira interpretação da obra, as pressões sociais eram mais flexíveis e o chamado “politicamente correto” ainda não dava as cartas. Assim, entende-se que a versão de 1990 é mais explícita no quesito terror, ainda que se tratasse de um filme focado no público infantil. Os novos tempos não permitem mais esta combinação: terror e crianças. Assim, Zemeckis modulou a história até transformá-la mais em uma fantasia, que flerta com o espírito do universo fantástico de um Harry Potter, por exemplo. A mão de Guillermo Del Toro certamente contribuiu muito para repaginar a história neste sentido.

Este movimento em direção a um filme claramente orientado ao público infanto-juvenil do novo século se completa com a interpretação caricata de Anne Hathaway. Sua bruxa age como um personagem bufão de desenho animado em versão live action. Infelizmente sua interpretação, e mesmo sua presença no elenco, é um equívoco que compromete o resultado. Nada que lembre a interpretação sinistra e cheia de malícia com que Anjelica Huston compôs a mesma personagem há três décadas.



A grande ousadia da versão de Zemeckis se dá justamente no desfecho da história. O destino final do jovem protagonista, após ser transformado em rato, parece propor uma solução conciliatória de conformismo, onde transmite a ideia de que devemos nos permitir ser e aceitar quem afinal de contas nós somos, sejam quais forem as circunstâncias.

A refilmagem de Convenção das Bruxas traz aquele impasse que todo remake sofre. Harmonizar expectativas da velha geração com os interesses das novas plateias é sempre o grande desafio. Neste aspecto o filme de Robert Zemeckis fica em uma segura posição de equilíbrio. Não chega a ofender as memórias de quem foi aos cinemas e alugou fitas VHS nos anos 90, e igualmente não insulta a inteligência dos pequenos de hoje. A nova versão de Convenção das Bruxas é um produto de seu tempo, que faz as concessões necessárias – inclua-se aí a forte presença de sequências em CGI - e insere temas e camadas de complexidade mais afeitas ao momento, como a já citada questão racial, e ainda a depressão infantil, o bullying e a negligência parental. Mas nada excessivo e pesado a ponto de interferir na experiência de uma comédia realizada com competência, que cumpre com o papel a que se propôs: divertir.

Assista ao trailer: Convenção das Bruxas

Jorge Ghiorzi

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

"O Poderoso Chefão: Parte III" é relançado em nova versão


 Filme de Francis Ford Coppola completa 30 anos e retorna aos cinemas

 

A Paramount Pictures lança uma nova edição do último filme da trilogia épica ‘O Poderoso Chefão’, de Francis Ford Coppola, intitulada O PODEROSO CHEFÃO DE MARIO PUZO - DESFECHO: A MORTE DE MICHAEL CORLEONE, baseada no best seller de Mario Puzo. O estúdio também traz a notícia para deixar todos os fãs entusiasmados: o filme será lançado nas salas de cinema no dia 3 de dezembro, e também nas plataformas digitais NET NOW Claro, Sky, Apple TV, Google Play, Vivo, Oi, Xbox Video, PlayStation Store para aluguel e compra a partir dia 8 de dezembro.


Esta nova versão de ‘O Poderoso Chefão: Parte III’ atinge a visão original do diretor Coppola e do roteirista Puzo para o final, que foi meticulosamente restaurada para uma melhor apresentação do último capítulo da saga dos Corleone, que é legitimamente vista como uma das maiores da história do cinema.

’O PODEROSO CHEFÃO DE MARIO PUZO - DESFECHO: A MORTE DE MICHAEL CORLEONE’ é um reconhecimento do título de Mario, e também meu preferido, que retrata nossas intenções originais para o que se tornou 'O Poderoso Chefão: Parte III'", disse Coppola. "Para esta versão, reorganizei cenas tomadas e combinações musicais. Com essas mudanças, mais a filmagem e o som restaurados, esta é, para mim, uma conclusão mais apropriada para 'O Poderoso Chefão' e 'O Poderoso Chefão: Parte II' e estou grato a Jim Gianopulos e à Paramount por me permitirem revisitá-la".



Coppola e sua produtora, American Zoetrope, trabalharam a partir de uma varredura de 4K do negativo original para empreender uma cuidadosa restauração quadro a quadro do novo filme e o original ‘O Poderoso Chefão: Parte III’. A fim de criar a melhor apresentação possível, a equipe de restauração da Zoetrope e da Paramount começaram procurando por mais de 50 tomadas originais para substituir as óticas de menor resolução no negativo original. Este processo levou mais de 6 meses e envolveu a peneiração de 300 caixas de negativos. A Zoetrope trabalhou cuidadosamente para reparar arranhões, manchas e outras anomalias, que não puderam ser tratadas anteriormente devido às restrições tecnológicas, enquanto melhorias foram feitas na mistura do áudio 5.1 original.

Estes esforços minuciosos de restauração não foram imunes à pandemia do novo coronavírus. Na metade do projeto, todo o trabalho - mesmo a busca do negativo - foi realizado pela Zoetrope e pela Paramount remotamente. "O Sr. Coppola supervisionou todos os aspectos da restauração enquanto trabalhava na nova edição, assegurando que o filme não só tenha uma aparência e um som impecável, mas também atenda seus padrões pessoais e sua visão de direção", disse Andrea Kalas, vice-presidente senior da Paramount Archives.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

“Tenet”: labirintos do tempo


Uma providencial viagem no tempo poderia ter alertado Christopher Nolan que o lançamento do seu novo filme iria bater de frente com uma pandemia mundial e salas de cinema fechadas. Ironicamente a premissa de Tenet (Tenet) trata exatamente desta possibilidade fantástica de transitar sobre o tempo em qualquer uma de suas direções: avançando ou recuando. No conceito apresentado pelo filme, mais do que uma viagem no tempo, na verdade trata-se de uma inversão temporal.

Notória foi a briga de Nolan com a Warner para assegurar o lançamento nos cinemas, em substituição ao streaming, que foi o caminho adotado por outros filmes neste ano de 2020. Ganhou a disputa, ainda que o lançamento tenha sido adiado por três vezes. Enfim, finalmente Tenet chega às tela de cinema, conforme Nolan concebeu no projeto original, que propõe às plateias uma experiência imersiva “realista” que só o formato de captação das câmeras IMAX proporciona.


Expectativas elevadas costumam distorcer avaliações, para o bem ou para o mal. Certamente Tenet sofrerá desta condição. A ousadia tem sido uma marca autoral do cinema de Christopher Nolan. A exemplo de seu ídolo confesso, Stanley Kubrick, Nolan também busca quebrar paradigmas, avançar limites e subverter narrativas em todos os gêneros com os quais trabalha. Foi assim com o filme policial (Amnésia), com o filme baseado em quadrinhos (a trilogia Cavaleiro das Trevas), com o filme de drama (O Grande Truque), com o filme de ação (A Origem), com o filme de ficção científica (Interestelar) e com o filmes de guerra (Dunkink). Há, sem dúvida, um ponto comum em todos eles: absolutamente, não são filmes convencionais. Então, com esta bagagem toda, a expectativa por Tenet não poderia ser nada menos que elevadíssima. O gênero da vez é o filme de espionagem, aquele que fez a fama e a glória do agente 007, James Bond.


Tenet é a Spectre de Nolan

Um agente (John David Washington, de Infiltrado na Klan), conhecido apenas pelo termo “Protagonista”, é designado para uma missão internacional em busca de pistas sobre o contrabando de rejeitos nucleares. A suspeita é que os criminosos estejam fazendo uso de uma inovadora tecnologia de inversão da entropia da matéria - que permite reverter o fluxo de tempo de objetos e pessoas – para a construção de um artefato com poderio de destruição global. Juntamente com o agente Neil (Robert Pattinson) o “Protagonista” é introduzido na organização “Tenet” para confrontar o antagonista russo Sator (Kenneth Branagh).

Eliminando-se o fantástico conceito temporal de quebra das leis da física (conhecidas até então, diga-se), o que resta da trama de Tenet não passa de uma aventura de espionagem básica que caberia muito bem na série do já citado James Bond. Inclua-se aí um vilão algo caricato e raso, onde o Sator de Branagh faz às vezes de um genérico Blofeld, o mais famoso arqui-inimigo de 007, sem faltar até mesmo o infalível plano maligno de destruir o mundo. Mas, o conceito da inversão do tempo está lá, é parte ativa essencial da narrativa e isto por si só necessariamente já coloca Tenet em outro patamar de ambição artística.


Ao longo do filme por três vezes somos apresentados à teoria e à explicação do funcionamento da tal “entropia reversa dos objetos”. A cada nível de explanação mais aprofundamos o conhecimento sobre o funcionamento controlado da linha temporal, e mais ainda mergulhamos nos intricados labirintos do tempo e suas consequências. Não é fácil este entendimento e em dado momento nosso cérebro literalmente dá um nó. Resta-nos, por fim, apenas a suspensão de descrença para nos deixar levar por uma história cheia de imaginação e complexidade. Não assumir este posicionamento significa necessariamente uma rejeição à Tenet dado o incômodo sensorial que provoca por sua subjetiva lógica interna.

Assistir Tenet equivaleria, analogamente, a assistir De Volta Para o Futuro - Parte 1 e De Volta Para o Futuro – Parte 2 juntos, ao mesmo tempo. O cérebro que resolva os impasses e paradoxos. Superado isso, é uma aventura e tanto. Como escreveu William Shakespeare “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum”.

Tenet sem dúvida é uma aposta ousada de Christopher Nolan, um cineasta que, devemos reconhecer, não se permite ficar na zona de conforto. Nem sempre acerta na totalidade, como parece ser o caso. Ainda assim, seu filme de espionagem é grandioso, engenhoso e criativo, nos presenteando ainda com espetaculares sequências de ação. Tenet em essência é uma experiência, um experimento que exige muito o comprometimento da plateia. E, claro, a quase obrigatoriedade de assistir mais de uma vez.

Assista o trailer: Tenet

Jorge Ghiorzi