quarta-feira, 17 de novembro de 2021

“Noite Passada em Soho”: sonhos e desejos em Londres


A multicolorida Londres dos anos 60 – conhecida como Swinging London - é o cenário elegante e charmoso onde transcorre grande parte do suspense psicológico Noite Passada em Soho (Last night in Soho, 2021) dirigido por Edgar Wright, o mesmo de Todo Mundo Quase Morto (2004), Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010) e Em Ritmo de Fuga (2017). Naquele período específico a capital inglesa era a capital cultural do mundo e ditava a moda mais transgressora nos costumes, na música e no figurino dos moderninhos da época.

A protagonista Eloise Turner (a neozelandesa Thomasin Harcourt McKenzie, vista recentemente em Tempo do Shyamalan) representa muito bem o espírito daqueles tempos, ainda que a narrativa transcorra nos dias atuais. Estudante de Moda, fortemente inspirada pela estética e o estilo da sessentista, Eloise vai morar no descolado bairro do Soho, em Londres, para finalizar os estudos e iniciar carreira como estilista. Sozinha em seu quarto ela passa a ter sonhos e visões onde conhece a aspirante a cantora Sandie (Anya Taylor-Joy) com a qual se identifica de forma idealizada a ponto de torna-se quase um duplo aspiracional. Ela é tudo que Eloise desejava ser na intimidade: forte, livre, independente, voluntariosa e sexualmente liberada.


O que se segue é uma história que transita entre gêneros distintos. Inicialmente o que parece ser um pequeno drama juvenil sobre escolhas profissionais, lá pelas tantas vira a chave e se transforma em um thriller que flerta com o horror. São dois lados de uma mesma moeda. A Londres alegre e descontraída também possui suas áreas escuras e violentas. O mesmo ocorrendo em relação às personagens protagonistas, a real e a “ficcional”. Por trás dos sonhos mais inocentes por vezes se escondem os pesadelos mais terríveis. E é justamente esta dura realidade que Eloise tem que lidar em sua jornada pela cidade grande.

Personagens anacrônicos, que invariavelmente destoam do tempo e espaço onde estão inseridos, não são exatamente uma novidade nos filmes de Edgar Wright. Foi assim, por exemplo, em Scott Pilgrim e Em Ritmo de Fuga. Mais uma vez esta abordagem se faz presente em Noite Passada em Soho. A jovem Eloise Turner, uma personagem deslocada em busca de seu lugar no mundo, se refugia no terreno da fantasia, recriando um mundo particular que mistura sonhos e desejos, o real e o imaginário.


Esteticamente belo, com cenografia e fotografia elaborada, Noite Passada em Soho enche os olhos pela recriação de uma época particularmente marcada pelo estimulante apelo visual, que, convenhamos, soa nostálgico – mas fascinante - na maior parte das vezes. A trilha sonora, recheada com canções de sucesso da mais genuína brit music dos anos 60, faz a apropriada contextualização e transporta o espectador pelo túnel do tempo.

Em sua segunda metade o thriller se aproxima de um autêntico “giallo italiano”, com sotaque inglês, que ecoa o mestre Mario Bava, não apenas pela temática de crime, mas particularmente pelo uso massivo de cores vibrantes, especialmente o vermelho e azul, sempre ostensivos e contrastados.


Noite Passada em Soho é um filme dividido, sob diversos aspectos: na temática, na ambientação, nos gêneros, nas protagonistas. O que poderia ser sua fortaleza na verdade configura sua grande fragilidade como narrativa. A fruição estética proposta por Edgar Wright não passa de um deleite visual sem o devido suporte de um roteiro que realmente convença o espectador. Longe (muito longe) de fazer feio, o fato é que ao longo dos anos, com o devido distanciamento do seu tempo de realização, Noite Passada em Soho talvez venha a ser relembrado como um filme cult, ou como um estimado guilty pleasure.

Anya Taylor-Joy (já vista em A Bruxa e na série da Netflix O Gambito da Rainha) é o grande destaque do elenco e confirma seu potencial como a mais promissora jovem atriz candidata a estrela de primeira grandeza. Vale lembrar que o filme de Edgar Wright marcou o ocaso da grande estrela britânica Diana Rigg, falecida logo após as filmagens.


Assista ao trailer: Noite Passada em Soho

por Jorge Ghiorzi

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

“Querido Evan Hansen”: meu melhor super amigo

 


“Hoje vai ser um dia incrível, e eu vou dizer por quê.”

Adaptações de grandes e aclamados musicais da Broadway para o cinema não garantem necessariamente sucessos de crítica e público. A desastrosa recente versão de Cats está aí para provar que nem sempre tudo funciona como o esperado. A linguagem do palco por vezes não dialoga bem com a dramaturgia cênica que se deseja nos filmes. Portanto, há sempre um fator imponderável de adequação assombrando as adaptações de musicais para o cinema.

Em cartaz na Broadway desde 2016, o musical “Querido Evan Hansen” foi indicado a nove Tony Wards (venceu seis), incluindo Melhor Musical, Melhor Trilha Sonora, Melhor Libreto e Melhor Ator, e ainda venceu o Grammy de 2018 para Melhor Álbum de Musical. Foi com este prestígio que chegou aos cinemas a adaptação Querido Evan Hansen (Dear Evan Hansen) dirigida por Stephen Chbosky, realizador de As Vantagens de Ser Invisível (2012) e Extraordinário (2017).


"Hoje tudo o que você precisa fazer é ser você mesmo!"

Evan Hansen (Ben Platt, que também estrelou o musical na Broadway) é um adolescente sensível, retraído, solitário, com problemas de relacionamento e poucos amigos. Por sugestão de seu terapeuta ele escreve cartas para si próprio, onde expressa abertamente seus sentimentos. Por acaso uma destas cartas cai nas mãos de Connor (Colton Ryan), um garoto depressivo que acaba por cometer suicídio. Por uma série de mal-entendidos Evan passa a ser reconhecido como o “melhor amigo” do suicida. Para não decepcionar a família enlutada de Connor ele acaba assumindo a mentira, sem imaginar as terríveis consequências que teria que enfrentar em breve.

 

“Eu queria que tudo fosse diferente. Queria fazer parte de alguma coisa.”

O enredo deste drama musical trata essencialmente de problemas típicos dos jovens: inadequação social, saúde mental, relacionamentos, bullying, violência psicológica e a vida vivida no ambiente das redes sociais. Sem esquecer, claro, o grande gatilho emocional normalmente presente nas histórias que retratam o universo adolescente: o suicídio.

Querido Evan Hansen embala todos estes elementos com a leveza sentimental de um musical tradicional, onde os sentimentos dos personagens são manifestados através de canções emotivas e sensíveis. Em suas partes de encenação realista o filme de Chbosky se equilibra como um pequeno drama adolescente já visto inúmeras vezes. Já quando assume seu lado musical, com as canções “comentando” as ações, a realização encontra seus melhores momentos, ainda que por vezes cause um pequeno estranhamento no ritmo pela forma como faz esta passagem, por vezes com pouca sutileza.


Como história de superação Querido Evan Hansen dá conta do recado sem grandes sobressaltos e novidades, com direito até àquela esperada sequência catártica de discurso diante de uma plateia que explode em aplausos (já vimos isso em Extraordinário, não?).

O que talvez falte a Querido Evan Hansen seja a capacidade de nos conectar - e mesmo simpatizar - com os personagens. Há um frio distanciamento no trato com todos eles, o que não contribui para nos aproximar verdadeiramente de seus dilemas e conflitos. Parte desta falta de empatia se deve certamente aos equívocos de casting dos jovens. É flagrante que estamos diante de um elenco com faixa etária incompatível com os personagens adolescentes que deveriam representar, em especial no caso do protagonista Evan, interpretado por um competente Ben Platt, que certamente funciona muito bem no palco, mas inadequado para uma versão cinematográfica. Na parte adulta do filme vale ressaltar a presença de duas ótimas atrizes: Amy Adams (como mãe de Connor) e Julianne Moore (como mãe de Evan). 

“Atenciosamente, seu super melhor amigo: eu mesmo.”


Assista ao trailer: Querido Evan Hansen

por Jorge Ghiorzi

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

“Uma Noite de Crime – A Fronteira”: anarquia sem fim

 


Doze horas, sem lei e sem ordem. Doze horas onde a regra geral é o “vale tudo”. Doze horas onde crimes são permitidos sem as penas da condenação legal. Esta é a premissa da franquia de filmes da série “Noite de Crime”, amparada na tese sócio/política, de fundo fascista, que propõe uma catarse coletiva como forma de dominação e controle da violência latente provocada pela tensão social, racial, étnica e econômica. Um experimento social, restrito a um território delimitado, destinado a expurgar todos os males reprimidos.

O universo do “Expurgo” (The Purge) é uma criação do roteirista e diretor James DeMonaco, realizador dos três primeiros filmes: Uma Noite de Crime (2013) Uma Noite de Crime 2: Anarquia (2014), Uma Noite de Crime 3 (também conhecido como 12 Horas para Sobreviver: O Ano da Eleição, de 2016). O quarto filme foi lançado em 2018, A Primeira Noite de Crime, dirigido por Gerard McMurray.


Agora chegamos ao quinto expurgo com Uma Noite de Crime – A Fronteira (The Forever Purge) que, bem como diz o título, expande a anarquia até os limites do território dos Estados Unidos. A mudança da ação para as fronteiras com o México traz novos elementos para explorar os efeitos da violência, do preconceito e da repressão contra os mexicanos emigrantes ilegais que arriscam a vida para “tentar a vida na América”. Além, claro, de fazer referência à era Trump e seu muro mexicano.

Adela (Ana de la Reguera) e seu marido Juan (Tenoch Huerta) vivem no Texas. Juan trabalha para a rica família Tucker em uma de suas fazendas. Ele impressiona o patriarca Tucker, Caleb (Will Patton), mas isso só alimenta o ciúme do filho do fazendeiro, Dylan (Josh Lucas), que não faz questão de esconder seu preconceito contra os “chicanos”. Na manhã seguinte ao Expurgo, que deveria durar apenas 12 horas, as gangues permanecem agindo livremente e atacam a família Tucker. Num gesto de lealdade Juan salva seus patrões da morte. Juntos tentam sobreviver empreendendo uma fuga para o México, escapando do Expurgo que fugiu do controle do Estado e ameaça devastar toda a nação norte-americana.


Com roteiro do criador James DeMonaco e direção de Everardo Valerio Gout, Uma Noite de Crime – A Fronteira sofre do mesmo problema dos demais filmes da série: a abordagem fica aquém do tema a que se propõe. A premissa é por demais promissora, mas nunca encontrou o tom adequado na abordagem. O tratamento é sempre raso e desleixado. A opção pelo entretenimento como filme de horror com ritmo de filme de ação está sempre em primeiro plano. Parece clamar ao público: “não perca tempo, não pense muito, apenas divirta-se”.


A falta de ambição fica evidente mais uma vez. E assim, com este formulismo calculado, a série esgota-se em si mesma, sem perspectiva de apresentar algo além de clichês, sequências de ação apenas “ok”, personagens nulos e uma boa ideia que se esvai, filme após filme.

Assista ao trailer: Uma Noite de Crime – A Fronteira

por Jorge Ghiorzi

quinta-feira, 29 de julho de 2021

“Tempo”: uma vida em um dia


Se há algo incontestável que se possa dizer sobre M. Night Shyamalan é que ele não tem medo de arriscar. Após o sucesso mundial de O Sexto Sentido, na virada do século, o cineasta de origem indiana poderia simplesmente se contentar com uma carreira confortável em Hollywood dirigindo apenas filmes convencionais com grandes estrelas, sob a grife dos grandes estúdios. O fato é que recusou a zona de conforto – apesar das acusações de se repetir nos filmes – optando por seguir a trilha de cineasta “autoral”, ou tão autoral quando possível no meio da indústria hollywoodiana. Um rebelde silencioso contra o sistema. Já cometeu sua cota de erros, vários, mas segue na convicção de seu cinema de gênero baseado essencialmente no suspense.

Após quase uma década de projetos frustrados, Shyamalan voltou a atrair atenção a partir de Fragmentado em 2016. Chegamos então ao 14º filme da sua filmografia, Tempo (Old, 2021), uma adaptação da graphic novel francesa “Sandcastle” (Castelos de Areia), de Pierre Oscar Lévy e Frederik Peeters. E para não deixar dúvidas, suas marcas registradas estão todas lá: suspense, mistério, reviravoltas e maneirismos narrativos. Para o bem e para o mal.


Um casal (Gael Garcia Bernal e Vicky Krieps) e seus dois filhos pré-adolescentes em viagem de feriado se hospedam em um resort de verão. Lá são convencidos a conhecer (juntamente com outros hóspedes) uma praia isolada de difícil acesso. A promessa de aventura, descanso e diversão se transforma em tragédia ao ficarem presos, incomunicáveis e sob um estranho efeito. Naquele local misterioso o tempo transcorre mais rápido, fazendo com que todos envelheçam em poucas horas vários anos de vida.


O grande inimigo de Tempo é, ironicamente, o tempo. A maior parte da trama parece um episódio estendido do seriado Lost, onde uma situação básica é estabelecida e permanece rodando sem sair do lugar, acrescentando acúmulo de informações e pistas por todo lado. O que inicia com uma criativa e bem trabalhada inquietude aos poucos se transforma em tedioso incômodo. A premissa muito promissora parece não entregar tudo o que prometia, parecendo se contentar apenas com os aspectos superficiais de uma história de fundo fantástico e perturbador. O que, de modo geral, é uma falha recorrente em vários filmes de Shyamalan, onde ele costuma perder a mão. Seu cinema privilegia excessivamente a forma em detrimento do conteúdo. Ele é um cineasta esteta que se manifesta primordialmente pelo aspecto visual. Mais do que o que contar (narrar) Shyamalan se esmera primeiramente na forma visual do que será mostrado. Isto explica o uso frequente de enquadramentos inusitados e profundidade de campo nas tomadas. Artifícios da linguagem e da técnica cinematográfica utilizados com grande habilidade e virtuosismo, diga-se a bem da verdade.


Com Tempo Shyamalan parece se deparar com um impasse. Indeciso entre uma história de terror ou drama psicológico que reflete a inevitabilidade da morte, o realizador abre mão de mergulhar profundamente no tema, fazendo a opção fácil por uma trama centrada apenas no horror corporal. Um roteiro frouxo, superficial e pouco conclusivo não dá conta de amarrar todas as pontas levantadas ao longo da história. Personagens avulsos, que pouco fazem sentido ou se conectam convincentemente quando juntos, não ajudam a atrair a atenção ou empatia da plateia. Isto sem falar do elenco internacional que não dá liga em momento algum. No ranking que vai do melhor (O Sexto Sentido) ao pior (Fim dos Tempos) desta vez Shyamalan ficou no meio do caminho.

Assista ao trailer: Tempo

por Jorge Ghiorzi 

quarta-feira, 21 de julho de 2021

“Um Lugar Silencioso – Parte II”: poucas palavras, muita tensão


Lançado em 2018, num tempo pré-pandêmico, Um Lugar Silencioso se mostrou um aclamado thriller que mixava de forma eficiente o terror com o suspense, tendo como cenário um mundo pós-apocalíptico. A direção era assinada por um improvável John Krasinski, muito conhecido pelo papel de Jim Halpert na série The Office, cujas poucas experiências de direção, até então, se situavam no terreno da comédia.

Então, chegou o ano de 2020. O planeta ficou ameaçado pelo coronavírus. É mundo real, não ficção. Imediatamente uma nova chave de compreensão e analogia foi agregada para a análise do filme de três anos atrás. A decisão de desenvolver uma continuação da história foi certamente impactada por este novo momento. O entendimento da narrativa então se processa com este novo registro em nossa mente.


Um Lugar Silencioso – Parte II (A Quiet Place – Part II), igualmente escrito e dirigido por Krasinski, abre com duas linhas narrativas. Inicialmente temos um prólogo, que se passa no Dia 1, aquele que deu origem à invasão das terríveis criaturas alienígenas, ainda que nada fique suficientemente explicado. Então, logo na sequência, somos jogados exatamente ao ponto em que encerrou o filme anterior, quase um ano e meio a frente. Lembra daquele final aberto com a personagem de Emily Blunt engatilhando a arma? Esse é o momento de retomada da saga da família Abbott.

Evelyn Abbott (Emily Blunt) e os filhos, Regan (Millicent Simmonds), Marcus (Noah Jupe) e o bebê que nasceu no final do filme anterior, prosseguem sua jornada silenciosa pela sobrevivência, em fuga da ameaça que espreita por todos os lados. A trajetória que se assemelha a um road movie, que se guia por uma tensão constante que alterna movimento e confinamento, silêncio e ruídos extremos, tensão e relaxamento, isolamento e interação social, desafio e superação pessoal. Os personagens, todos, apresentam um arco narrativo bem estabelecido, o que contribui decisivamente para a coesão da história e acentua valores individuais da família nuclear. Um Lugar Silencioso – Parte II expande o conceito original e abre possibilidades para novos personagens, como Emmett (Cillian Murphy), antigo amigo da família, e um sobrevivente do pós-apocalipse, vivido por Djimon Hounsou.


Ainda que a sequência apresente níveis de decibéis bem superiores nos efeitos sonoros, em oposição ao primeiro filme (quase um exercício de estilo na utilização do silêncio como artifício narrativo), o conceito original segue preservado e ainda é capaz de proporcionar momentos genuínos de medo e angústia.

Um Lugar Silencioso – Parte II se mostra uma sequência muito interessante e criativa, com um roteiro enxuto e edição eficiente, o longa deixa um caminho promissor para a inevitável (e necessária) sequência que certamente vem por aí.

Assista ao trailer: Um Lugar Silencioso – Parte II

Jorge Ghiorzi

quinta-feira, 3 de junho de 2021

“Invocação do Mal 3”: investigação do além

 

Uma das franquias de filmes de terror de maior sucesso dos anos 2000, Invocação do Mal chega a mais um capítulo neste pandêmico ano de 2021. Mais do que chamá-la de franquia, o mais correto certamente seria nos referirmos ao “Universo Invocação do Mal”, pois é disso que se trata. Outros títulos se incorporam neste universo expandido, com filmes como Annabelle, A Maldição da Chorona, A Freira e suas respectivas sequências.

Personagens centrais das histórias, a dupla (real, já falecida) de investigadores de fenômenos paranormais Ed e Lorraine Warren nos apresenta mais uma caso fantástico da sua extensa relação de investigações neste Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio (The Conjuring: The Devil Made Me Do It). O selo de credibilidade está lá, estampado na tela: “baseado em fatos verídicos”. E assim recebemos os relatos do casal, temperados com altas doses de ficção e transformados em espetáculo cinematográfico para as massas. O caso da vez é recorrente na série, mais uma possessão demoníaca.


O capeta, em suas diversas formas, antagonista profundo do casal Warren, novamente dá as caras. Agora com status, pois é referido explicitamente no subtítulo do longa. Ed e Lorraine (Patrick Wilson e Vera Farmiga), após inicialmente investigarem o caso de possessão demoníaca de um garoto, acabam se envolvendo com outra história dramática. Um suspeito de assassinato alega nos tribunais que sua alma estava possuída pelo demônio quando cometeu o crime. Cabe ao casal de “demonólogos” provar que a tese estava correta. Então, partem numa aventura investigativa pelo submundo do Mal em busca de provas.

Um fato salta aos olhos com este Invocação do Mal 3. A série já dá sinais claros de esgotamento da fórmula. Após os dois primeiros episódios bem sucedidos, que estabeleceram um padrão acima da média para seus congêneres, o terceiro filme passa a sensação de estarmos diante de uma tentativa mudança de rumo. Como parece ser uma tradição nos chamados “terceiros episódios” de séries e sagas, há uma busca de saídas narrativas e exploração de novos terrenos que assegurem a continuidade. Este componente de risco costuma invariavelmente resultar em excessos e exageros. Este é o caso de Invocação do Mal 3, que, enfim, é apenas mais do mesmo. Não podemos desconsiderar que James Wan, diretor dos primeiros filmes, agora assume a condição apenas de produtor. A direção coube a Michael Chaves, o mesmo de A Maldição da Chorona (2019), que filmou um roteiro que traz mais complexidade ao enredo e avança um pouco no terreno dos filmes de investigação policial.


Outro aspecto que chama atenção em Invocação do Mal 3 é o foco mais flagrante na relação pessoal dos personagens do casal Ed e Lorraine, tornando-os ainda mais protagonistas em detrimento do caso que estão investigando. A relação do casal avança algumas etapas e revela ao público fatos do passado dos dois, o que os deixa mais próximos e íntimos da audiência.


A série Invocação parece assumir, sem medo (!), sua condição de “terror geek”, um filme pop de terror que não dá propriamente sustos nem provoca medo, apenas estimula a adrenalina. Tudo é muito gamificado, um jogo de etapas a serem cumpridas. Já vimos isto em Jogos Mortais, não por acaso, do mesmo James Wan. A cada episódio a série se afasta mais e mais dos cânones estabelecidos por O Exorcista, o Santo Graal dos filmes de possessão demoníaca dos últimos 50 anos.

O carisma do casal de atores Patrick Wilson e Vera Farmiga dá conta do recado, como sempre. O filme se sustenta integralmente no desempenho da dupla. Há que se perguntar o que farão os produtores da franquia quando a dupla se aposentar da série. O destino talvez seja transformar a franquia em uma série de TV, apresentando a cada episódio um novo caso dos “detetives do oculto” no início da carreira, com atores mais jovens. Algo na linha do saudoso seriado dos anos 70 Kolchak – Os Demônios da Noite, estrelado por Darren McGavin como o repórter Carl Kolchak que investigava casos misteriosos e sobrenaturais.

Assista ao trailer: Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio

Jorge Ghiorzi

sexta-feira, 28 de maio de 2021

“Aqueles Que Me Desejam a Morte”: chamas da vingança


Após uma década inteira que dedicou às produções voltadas para o público infanto-juvenil, com destaque para a famigerada Malévola, Angelina Jolie decidiu que era momento de retornar aos filmes, diríamos, “pra gente grande”. E o retorno se dá pelo caminho seguro do thriller de ação, gênero onde conquistou seus maiores êxitos de bilheteria com Tomb Raider, O Procurado, Sr. e Srª. Smith e Salt (vamos esquecer O Turista, ok?). E ainda vem Eternos por aí.

Assim chegamos até Aqueles Que Me Desejam a Morte (Those Who Wish Me Dead, 2021), onde Angelina apresenta seu lado mais crossfiteiro, com um papel que exige esforço físico, força e um tanto de violência. Tudo isto temperado com uma faceta maternal, de mãe zelosa pela prole em perigo. O perigo no caso é duplo: assassinos sanguinários e as chamas incontroláveis que consomem a floresta. E a citada prole é apenas uma metáfora, representada por um garoto de 12 anos perdido na mata após a morte do pai em circunstâncias trágicas.


Mas, vamos aos fatos. Hannah Faber (Angelina Jolie), bombeira florestal em Montana (EUA), marcada pela culpa por acontecimento fatal que resultou na morte de três crianças num incêndio, é designada para passar uma temporada solitária na torre de vigia que se ergue além do cume das árvores da região. Simultaneamente, uma dupla de assassinos elimina testemunhas de um grande caso de corrupção. Uma destas testemunhas eliminadas é o pai do garoto Connor, que assiste sua morte quando estão em viagem de carro pelas estradas da região. Após escapar do atentado ele vaga sem rumo pela floresta.

Neste ponto as duas linhas narrativas da história se cruzam. A dupla formada pela bombeira e o garoto precisa lutar pela sobrevivência para escapar, ao mesmo tempo, dos implacáveis assassinos e do gigantesco incêndio florestal. Salvar aquele garoto representaria uma expiação e redenção da culpa pelo trágico episódio do passado da personagem.


Baseado no livro de mesmo título de Michael Koryta - que, convenhamos, não é exatamente um título de apelo comercial para um filme - o longa tem direção do ator e roteirista Taylor Sheridan, que escreveu Sicário: Terra de Ninguém (Sicário, 2015) e A Qualquer Custo (Hell or High Water, 2016, indicado ao Oscar de Roteiro), e dirigiu também o ótimo Terra Selvagem (Wind River, 2017).


A narrativa de Aqueles Que Me Desejam a Morte tem como protagonista a personagem de Angelina Jolie. Mas este protagonismo é compartilhado com outros fortes personagens de destaque. Um deles é o Xerife Ethan interpretado por Jon Bernthal (de Baby Driver e da série O Justiceiro), a força policial do lado certo da lei e da justiça que se envolve na trajetória perigosa da bombeira Hannah. O outro destaque fica com a dupla de assassinos interpretados por Nicholas Hoult (Mad Max: A Estrada da Fúria) e, com potência assustadora, por Aidan Gillen, ator irlandês conhecido pelo papel do sinistro e maquiavélico Petyr Baelish em Game of Thrones.


A sensação geral é de que estamos diante de um thriller que optou pela trilha garantida de uma história de suspense convencional, sem ousadias e maiores pretensões. É uma produção que cumpre o combinado como entretenimento rápido, fácil e eficiente, sem ofender a audiência. Sheridan fez um filme que entrega o que promete. Certamente seria uma produção de sucesso nas antigas locadoras como atrativo disputado de final de semana. Aliás, em termos mais amplos o filme emula exatamente isto, o retorno a um formato padrão de entretenimento com cara de anos 80 e 90. O tema do “garoto-testemunha-chave-de-um-rumoroso-caso-de assassinato” está longe de ser original. Já foi, dentre outros, plot básico de pelo menos dois clássicos daquele período: A Testemunha, dirigido por Peter Weir em 1985, com Harrison Ford, e  O Cliente, de Joel Schumacher, estrelado por Tommy Lee Jones e Susan Sarandon em 1994.

Assista ao trailer: Aqueles Que Me Desejam a Morte

Jorge Ghiorzi