Este artifício de
manipulação do olhar está na base criativa do primeiro longa-metragem do
cineasta espanhol, Alejandro Amenábar, o mesmo realizador de Os Outros e Mar Adentro. Realizado há mais de duas décadas, Tesis:
Morte Ao Vivo (Tesis, 1996) manipula o olhar do espectador contando a
história de uma protagonista guiada apenas pelo o que vê, ou pensa (ou deseja) ver,
num misto de real e imaginário. O que pensamos estar vendo é tão ou mais
ilusório quanto o que não podemos enxergar. Este é um tema que parece muito
caro à Amenábar, que voltou a tratar do assunto, de forma diversa, em seu filme
seguinte, Preso na Escuridão (Abre
los ojos). Entre o abrir e o fechar dos olhos, um mundo inteiro se esconde. Ora
revelado, ora oculto.
Em Tesis uma estudante de Cinema da
Faculdade de Ciências da Informação de Madri, Angela (Ana Torrent), está
desenvolvendo uma pesquisa para sua tese sobre a violência registrada em
imagens e seus efeitos no comportamento das pessoas a elas expostas. Ela pede
ajuda ao professor para ter acesso aos arquivos de vídeo da universidade.
Disposto a ajudá-la, o professor decide pesquisar o acervo por conta própria e
acaba descobrindo um compartimento secreto que guarda uma coleção de fitas de
vídeo VHS (estamos nos anos 90!). Após assistir um dos vídeos o professor sofre
um ataque cardíaco e morre. Angela resgata a fita de vídeo e descobre que
trata-se de uma gravação caseira que mostra uma garota sendo torturada até a
morte, registrada ao vivo, diante da câmera. Com ajuda de um colega de
faculdade, Angela assume a missão de descobrir quem está por trás da produção
daquele vídeo.
Tesis: Morte ao Vivo é um filme
desenvolvido a partir de uma tese: a exposição e superexposição da violência
pelos meios de comunicação (cinema, TV, mídia em geral). Tema já relevante há
20 anos, e muito mais ainda hoje, com a proliferação de imagens de violência
gráfica, disseminadas massiva e indiscriminadamente pelas redes e dispositivos
móveis. Como pano de fundo, e motor da narrativa, o filme de Amenábar se
utiliza porém de um elemento fictício: a lenda urbana dos filmes “Snuff”,
produções baratas, originadas no submundo, que exibem cenas de tortura e
mortes, supostamente reais, registradas ao vivo, sem censura nem efeitos
especiais.
A atração pelo
mórbido consome o olhar da protagonista Angela, situação explicitamente
definida na sequência de abertura que mostra um acidente no metrô. O desejo de
ver a qualquer custo o corpo destroçado por um acidente na linha do trem supera
qualquer racionalidade. Um desejo primal de testemunhar, apropriando-se da
imagem como algo a ser conquistado. Lembremos que civilizações ancestrais temiam
os efeitos da fotografia alegando que “roubavam” a alma, a essência da pessoa.
A levada do filme
de Amenábar é de um thriller. Há uma ameaça, um suposto assassino e uma vítima
potencial, elementos primordiais típicos de um suspense bem temperado. Aqui e
ali, como qualquer exemplar do gênero, encontram-se furos de roteiro,
incongruências que ferem a lógica e concessões demasiadas em favor do
necessário ritmo crescente de inquietação e apreensão que se deseja provocar na
plateia. Mas, absolutamente, isto não faz de Tesis um filme menor. Pelo contrário. Apenas reforça o controle do
realizador sobre os destinos de sua obra. Amenábar manipula com habilidade
todos estes elementos e nos entrega um filme eficiente em sua proposta de
suspense e contundente na exploração de uma temática perturbadora.
Um destaque que
faz a alegria de todos os cinéfilos é o reencontro com Ana Torrent, cuja imagem
de garotinha ficou cristalizada em pelos menos dois clássicos dos anos 70, O Espírito da Colmeia e Cria Cuervos, quando ela tinha cerca de
dez anos de idade. Passados vinte anos, a reencontramos em Tesis, e descobrimos que seus expressivos grandes olhos negros
permanecem lá, no rosto de uma respeitável atriz de 30 anos de idade. Na época
de seu lançamento, Tesis: Morte ao Vivo
foi exibido no Festival de Cinema de Gramado (RS), em 1996, com direito à
presença da própria Ana Torrent na plateia.
(Texto
originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em maio de 2017)