Lançado em 1987, Robocop - O Policial do Futuro foi concebido e desenvolvido na metade dos anos 80, uma década onde o cinema norte-americano ainda não havia se voltado em massa para produções essencialmente direcionadas para os jovens. No entanto, Robocop foi um projeto que, por seu êxito e repercussão, contribuiu decisivamente para atrair e (re)descobrir este público. A produção não surgiu com tal propósito, mas tornou-se um fenômeno pop, revelando-se um produto com imensas potencialidades de exploração comercial, seja como filme, e suas inevitáveis sequências, seja como licenciamento de marca para o mercado de consumo.
Naquele tempo, há mais de 25 anos, as produções de Hollywood ainda revelavam traços de subversão moral e política, mesmo que esporádicos. A praga do politicamente correto ainda não havia entrado de vez em campo. A violência gráfica, explícita, era razoavelmente tolerada. Não como um mero recurso gratuito de catarse para as plateias (o que aconteceu nos anos 90), mas como uma representação estética e conceitual a serviço da narrativa. Robocop surgiu neste momento, como um produto mainstream dos grandes estúdios, que flertava explicitamente com as chamadas produções B.
Dirigido pelo holandês Paul Verhoeven, Robocop foi o primeiro trabalho do cineasta em Hollywood, após uma carreira de sucesso na Holanda. Aqui, vale uma referência à curiosa similaridade da situação com o caso de José Padilha (após o sucesso no Brasil, estreia em Hollywood também com a mesma produção). Se isto não é apenas uma curiosa coincidência histórica, nos faz pensar se as implicações políticas do tema não são demasiadas para olhar norte-americano, e, portanto, seriam mais adequadamente trabalhadas por cineastas “importados”. Paul Verhoeven acabou fazendo uma carreira ascendente nos Estados Unidos. Após Robocop dirigiu dois outros grandes sucessos de bilheteria: O Vingador do Futuro (1990) e Instinto Selvagem (1992). Sua carreira perdeu fôlego com o enorme fracasso do drama erótico Showgirls (1995), premiado com a Framboesa de Ouro como o pior filme do ano.
O conflito Homem x Máquina sempre foi um tema caro à ficção científica, seja na literatura, seja no cinema. Essencialmente o que se discute é o embate entre o Humano e o Tecnológico, e suas variáveis, quando convergentes em um único ser. A criação do Dr. Frankenstein ou o menino-robô de A.I. – Inteligência Artificial, ambos, em graus distintos, discutem em sua matriz a criação científica e suas decorrências. Quais os limites? Qual a autonomia da criação? Ou, antes: os seres híbridos, sintéticos, criados pelo homem, são dignos de autonomia? O livre arbítrio é um direito, ou tais criações existem apenas para servir? Esse jogo começa a ficar perigoso quando a autoconsciência surge e os questionamentos filosóficos começam a embaralhar a questão.
Esta é a tese de fundo de Robocop. Mas, convenhamos, é exigir demais da plateia. O grande público fica sim com a primeira leitura, e curte apenas a superfície da obra: um divertido e competente filme de ação. Mas, diferente da grande maioria dos filmes do gênero, trata-se de filme de ação com cérebro. A subversão embutida em Robocop é flagrante. Critica-se a ciência, as grandes corporações, a mídia, e também as forças policiais. Mas, e aí está sua esperteza, tudo isto vem embalado em um produto de grande apelo, dissimulado de cinemão-pipoca que não fica nada a dever para nenhum outro do gênero.
Rever hoje o Robocop original traz dois sentimentos. Em primeiro lugar uma certa dose de nostalgia, e depois, alguns questionamentos renovados. O som surdo dos passos e os ruídos hidráulicos das articulações do policial robô marcaram uma geração, e hoje soam não menos do que clássicos. O mesmo ocorre com o criativo e inovador design da armadura do “policial do futuro”, uma criação de Rob Bottin (responsável pelos efeitos especiais de O Enigma de Outro Mundo/82; A Lenda/85; O Vingador do Futuro/90 e Seven/95). Outra constatação é atualidade do tema das grandes corporações privadas, que estendem seus tentáculos também para setores, em tese, públicos. Naquele universo do filme de Paul Verhoeven, o destino e a gestão das grandes cidades estão concentrados nas mãos das mega corporações. Numa Detroit à beira do caos, onde a violência urbana se espalha como uma praga, a Omni Corp. controla a força policial (que é privatizada) e, como qualquer conglomerado capitalista, visa o lucro a qualquer custo. Então, assumindo da lógica de que “robô não faz greve” e não exige direitos trabalhistas, o plano é substituir a força policial de humanos por uma força tarefa de autômatos. O projeto do robô híbrido, que resultado no personagem do Robocop é uma proposta alternativa que parecia fazer mais sentido. Mas, não será tão fácil assim. A porção “humana” do personagem é uma variável que foge ao controle dos poderosos dirigentes da Omni Corp.
Como se vê, há mais de duas décadas e meia, esta produção já lidava com temas potencialmente quentes. Uma raridade no horizonte das produções dos grandes estúdios, sempre em busca de audiências de massa, que dificilmente têm interesses dessa ordem ao assistir um filme de ação. Robocop – O Policial do Futuro marcou época. Suas qualidades resistiram ao teste do tempo e seu valor como produto cinematográfico diferenciado perdura até hoje.
(Publicado originalmente no portal "Facool" em fevereiro de 2014)
Jorge Ghiorzi