É com algum alívio que nos deparamos com um
drama sensível como Boa
Sorte, em meio à quase hegemonia das comédias nacionais que
proliferam em escala industrial. No mínimo evidencia uma saudável diversidade
de temática, ainda que eventual. Baseado no conto "Frontal com Fanta"
do gaúcho Jorge Furtado, o filme na verdade possui ainda outra razão por se
destacar no panorama atual do cinema brasileiro. A produção é um autêntico tour de force de uma
atriz em franca evolução em seu ofício de representar: Deborah Secco.
Ao contrário
das comédias, que não exigem nada mais da plateia do que relaxamento e
disposição para o riso, a adequada apreciação de Boa Sorte deverá contar com uma boa dose de
comprometimento do espectador com uma narrativa que se equilibra entre a depressão
e a melancolia, com ligeiros toques de humor.
Depressão e
melancolia. Aí estão dois traços definidores da personalidade dos protagonistas
da história que cruzam seus destinos numa clínica psiquiátrica. Judite (Deborah
Secco) é paciente soropositiva, portadora de HIV, dependente química em fase
terminal, pois seu organismo já não tolera mais o coquetel de medicamentos.
João (João Pedro Zappa) é um adolescente com problemas de comportamento, que,
após ser diagnosticado com depressão, é internado para tratamento.
Os problemas
de ambos, aparentemente, têm um fundo de mesma origem: a família. Os pais de
João são frios, distantes e omissos. Já a família de Judite tem todos os traços
clássicos de uma relação desagregadora. De sua mãe, pouco se sabe, a não ser que
aparentemente teve o mesmo fim que se prenuncia na filha. E sua avó (Fernanda
Montenegro), adepta de cigarrinhos sem marca e pesada medicação tarja preta,
tenta uma reaproximação com a neta para sossegar sua consciência pesada.
No
improvável ambiente de uma clínica psiquiátrica floresce uma relação de
parceria, cumplicidade e compreensão mútua, que acaba na urgência de um caso
amoroso. Uma relação que luta contra o tempo e a tragédia anunciada. Dois
perdidos num mundo do qual não fazem parte, que não os representa, Judite e
João só ganham traços de vida e lucidez ao fazerem uso de comprimidos de
Frontal ingeridos com Fanta. Então, segundo a “viagem” deles, se tornam
invisíveis. Nessa condição, e apenas nessa condição, se sentem livres de seus
fantasmas internos.
O roteiro
foi escrito por Jorge Furtado e seu filho, Pedro Furtado. A exemplo de
trabalhos anteriores do cineasta / roteirista, o filme apresenta diálogos
ágeis, de corte rápido, que exibem o já conhecido conhecimento de curiosidades
de almanaque, tão presente nas obras de Jorge Furtado. Boa Sorte foi dirigido
por Carolina Jabor. Este é o segundo longa-metragem dirigido pela filha de
Arnaldo Jabor (o anterior foi o documentário O
Mistério do Samba, em 2008).
(Texto
originalmente publicado no portal "Movi+" em novembro de 2014)
Jorge Ghiorzi
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