A força e a qualidade do novo cinema
argentino é uma realidade consistente. Não parece ser apenas um modismo de
ocasião, nem resultado de um movimento passageiro, pois a boa fase já dura pelo
menos uma década e meia (portanto, desde o início dos anos 2000). Com
regularidade somos brindados com filmes criativos, instigantes, engraçados,
dramáticos, artísticos e, ao mesmo tempo, populares.
O cinema argentino atual se
caracteriza exatamente por sua diversidade de propostas. Não há opção por um
caminho único, nem o direcionamento de investimentos maciços num gênero
cinematográfico hegemônico, como ocorre no Brasil. Aqui, a produção avassaladora
de comédias abafa o restante da produção, sem falar na dominância que exerce
sobre os interesses das grandes plateias.
Pois, vem justamente desta Argentina
a produção Relatos
Selvagens, uma das melhores de 2014. O filme apresenta uma
estrutura episódica, pois se trata de uma sucessão de cinco pequenas histórias,
além de um explosivo prólogo que já nos dá uma amostra do que virá adiante. No
entanto, apesar se serem narrativas independentes, todas estão unidas por um
mesmo sentimento: são relatos de pessoas à beira de um ataque de nervos.
A citação, que lembra o título de um
filme de Pedro Almodóvar, não é totalmente gratuita. Relatos Selvagens tem
entre seus produtores o próprio cineasta espanhol. Certamente houve uma
identificação de Almodóvar com o clima de exagerado nonsense que
permeia todas as histórias. Não soubéssemos que se trata de um filme argentino,
poderíamos imaginar, sem esforço, que Relatos
Selvagens poderia ser um filme dirigido por Pedro Almodóvar.
Dirigido por Damián Szifrón, Relatos Selvagens trata
essencialmente dos males da vida contemporânea, onde estamos constantemente
sobre pressão, seja pela opressão do Sistema, seja pelas circunstâncias de
confronto que a vida em sociedade nos impõe. Em cada uma das pequenas histórias
os personagens vivem situações-limite que culminam numa explosão de sentimentos
reprimidos, onde o instinto fala mais alto do que a razão. Com um misto de
incredulidade e espanto acompanhamos pequenos dramas individuais. Ora com um
sorriso amarelo nos rosto, ora com angústia pela tragédia que se anuncia.
Ao assistirmos os pequenos contos de
ódio e fúria de Relatos
Selvagens, é inevitável a reflexão e nos perguntamos: como
reagiríamos em situações como aquelas? Sem assumir posição de crítica ou de
incentivo às ações de seus personagens, o realizador Damián Szifrón assume um
olhar distante, como um cientista observando a reação de seus ratinhos de
laboratório, movidos por impulsos ancestrais. Desta experiência, diríamos,
sociológica, resultou um filme eventualmente perturbador, profundamente crítico
e quase sempre engraçado.
(Texto originalmente publicado no
portal "Movi+" em novembro de 2014)
Jorge Ghiorzi
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