sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

"Relatos Selvagens": pequenos contos morais de ódio e fúria


A força e a qualidade do novo cinema argentino é uma realidade consistente. Não parece ser apenas um modismo de ocasião, nem resultado de um movimento passageiro, pois a boa fase já dura pelo menos uma década e meia (portanto, desde o início dos anos 2000). Com regularidade somos brindados com filmes criativos, instigantes, engraçados, dramáticos, artísticos e, ao mesmo tempo, populares.

O cinema argentino atual se caracteriza exatamente por sua diversidade de propostas. Não há opção por um caminho único, nem o direcionamento de investimentos maciços num gênero cinematográfico hegemônico, como ocorre no Brasil. Aqui, a produção avassaladora de comédias abafa o restante da produção, sem falar na dominância que exerce sobre os interesses das grandes plateias.


Pois, vem justamente desta Argentina a produção Relatos Selvagens, uma das melhores de 2014. O filme apresenta uma estrutura episódica, pois se trata de uma sucessão de cinco pequenas histórias, além de um explosivo prólogo que já nos dá uma amostra do que virá adiante. No entanto, apesar se serem narrativas independentes, todas estão unidas por um mesmo sentimento: são relatos de pessoas à beira de um ataque de nervos.

A citação, que lembra o título de um filme de Pedro Almodóvar, não é totalmente gratuita. Relatos Selvagens tem entre seus produtores o próprio cineasta espanhol. Certamente houve uma identificação de Almodóvar com o clima de exagerado nonsense que permeia todas as histórias. Não soubéssemos que se trata de um filme argentino, poderíamos imaginar, sem esforço, que Relatos Selvagens poderia ser um filme dirigido por Pedro Almodóvar.


Dirigido por Damián Szifrón, Relatos Selvagens trata essencialmente dos males da vida contemporânea, onde estamos constantemente sobre pressão, seja pela opressão do Sistema, seja pelas circunstâncias de confronto que a vida em sociedade nos impõe. Em cada uma das pequenas histórias os personagens vivem situações-limite que culminam numa explosão de sentimentos reprimidos, onde o instinto fala mais alto do que a razão. Com um misto de incredulidade e espanto acompanhamos pequenos dramas individuais. Ora com um sorriso amarelo nos rosto, ora com angústia pela tragédia que se anuncia.

Ao assistirmos os pequenos contos de ódio e fúria de Relatos Selvagens, é inevitável a reflexão e nos perguntamos: como reagiríamos em situações como aquelas? Sem assumir posição de crítica ou de incentivo às ações de seus personagens, o realizador Damián Szifrón assume um olhar distante, como um cientista observando a reação de seus ratinhos de laboratório, movidos por impulsos ancestrais. Desta experiência, diríamos, sociológica, resultou um filme eventualmente perturbador, profundamente crítico e quase sempre engraçado.

(Texto originalmente publicado no portal "Movi+" em novembro de 2014)


Jorge Ghiorzi

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