O cinema brasileiro é movido por
ciclos. Ou por surtos, diriam alguns. Um olhar atento para o passado revela uma
história repleta de fases que se sucedem sem, no entanto estabelecer um caráter
de evolução. Cada momento parece negar e renegar o passado imediatamente
anterior. Neste aspecto reside uma questão fundamental do nosso cinema: a falta
de continuidade. Daí, portanto, se justifica a afirmação de que o cinema
nacional é uma sucessão de ciclos, fases, momentos. Visto em perspectiva
histórica, este é o cenário.
No entanto esta história, mesmo
fragmentada, está repleta de momentos gloriosos, artistas fantásticos,
diretores talentosos e filmes geniais. O Brasil começou cedo nesse negócio do
cinema. Marcou presença já nas primeiras safras de filmes produzidos no mundo.
Ciclos regionais pipocaram por diversas regiões do país nos primeiros anos do
século passado. O cinema, como processo industrial e tecnológico, era novidade
nos quatro cantos do planeta. E no Brasil, nestes anos pioneiros, chegou até o
interior mais recôndito do país. Surgiram produções, longe dos grandes centros,
no interior de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul, de São Paulo e de
Pernambuco, só para citar os principais polos da época.
Vivia-se um período de experimentação,
tentativas, erros e descoberta do público. Conviviam lado a lado as produções
romântico-pastoris de um Humberto Mauro e as vanguardices radicais de um Mário
Peixoto em Limite.
Era um país em busca da sua identidade cinematográfica. O primeiro casamento
forte do cinema nacional com os brasileiros se deu na época das chanchadas da
Cinédia e Atlântida. A forte presença da música era o passaporte para atrair a
atenção do público para as salas de cinema. Sem falar na presença dos “artistas
de rádio”. Pela primeira vez era possível “ver” os artistas, e não apenas ouvi-los
pelas ondas do rádio. Aquele era um tempo de sátiras e paródias. Grandes
clássicos de Hollywood, por exemplo, ganhavam uma versão cômica traduzida para
nosso jeito de ser. A comédia rasgada ganhava espaço nas salas de cinema. E o
público lotava as sessões.
Depois da alegria, veio a sobriedade.
Chegava a hora do Brasil parar de brincar de (e com) cinema. A sétima arte
deveria ser utilizada também para a alta cultura visando a conquista de novas
plateias. Barões endinheirados, que sonhavam grande e aspiravam um cinema
brasileiro de qualidade internacional, investiram pesado no setor. Era o sonho
da industrialização do nosso cinema, cristalizado na criação da Companhia
Cinematográfica Vera Cruz. Saíram de cena os musicais, entravam em cartaz os
(vá lá) “filmes de arte”. Se não totalmente de “arte”, pelo menos com algumas
pretensões estilísticas mais elevadas. Na falta de mão de obra para os
primeiros projetos, diversos técnicos e realizadores foram importados. Nos créditos
dos filmes começaram a aparecer nomes alienígenas, como Adolfo Celi, Tom Payne,
John Waterhouse e Chick Fowle. O sonho da “Hollywood brasileira” foi um projeto
caro e fracassou por não contar com uma boa distribuição dos filmes. Produções
dispendiosas e baixas bilheterias decretaram o fim do ciclo.
Num típico movimento de “negação” do
passado, a fase seguinte do cinema brasileiro foi marcada pela rejeição às
grande produções. Era o movimento independente tomando forma. O olhar dos
cineastas da época se voltava para o homem do povo, sua vida e suas
circunstâncias. A favela surgia no meio urbano brasileiro e as mazelas sociais
chegavam aos meios de comunicação. Uma realidade que não podia mais ser varrida
para debaixo do tapete. As plateias dos cinemas tomaram um choque de realidade.
O cenário mudou. Literalmente. Os morros cariocas e o agreste sertão gritavam
nas telas. Isto explica filmes como Rio
40 Graus e Vidas
Secas, retratos duros da condição brasileira da época. Uma nova
geração de cineastas intelectualizados assumia seu espaço. O cinema passava a
ser utilizado explicitamente como mídia política. Os filmes não eram realizados
para entretenimento, mas para cumprir a missão de esclarecer o povo. Paralelo a
este movimento, a realidade social brasileira entrava nos anos de chumbo. O
cinema era uma peça de resistência e a figura messiânica de Glauber Rocha dava
as cartas neste jogo. As experiências cinematográficas da época se
radicalizaram. A geração underground (batizada pejorativamente de “udigrudi”)
chegava para barbarizar e demolir todas as convenções cinematográficas. O Bandido da Luz Vermelha era
o ícone mais acessível deste período. Mas, a radicalização virou o fio. O tiro
saiu pela culatra. Com pretensão de abrir os olhos das massas os filmes deste
período conseguiram a proeza de espantar o público das salas.
Novamente, no típico movimento de
reversão, a fase seguinte do cinema brasileiro foi uma retomada do público. Se
a ditadura reprimia nas ruas, no escurinho do cinema poderia haver alguns
momentos de relaxamento e distração. Quem sabe até se podia rir um pouco, sem
culpa. Começa o império das comédias de costumes, que logo iriam descambar para
a sensualidade até chegar ao sexo, que mais adiante chegaria ao explícito.
Surge a Embrafilme para organizar o mercado e assegurar uma distribuição que
sempre foi problemática no país. A Boca do Lixo era uma usina de produção.
Cinema industrial pra valer. Uma Vera Cruz que funcionava como empreendimento
comercial. Havia produto, havia demanda. Aquele foi um período extremamente
atrativo para as bilheterias. E não foram só as pornochanchadas que atraíram
público. O chamado “cinemão” também estava de vento em popa. É daquela época o
recorde de público de Dona
Flor e Seus Dois Maridos, que perdurou por quase 35 anos.
Então, “minha gente”, surgiu Collor. E
a Embrafilme sumiu. Sem o amparo do Estado a produção cinematográfica sucumbiu.
O dinheiro fácil, a fundo perdido, desapareceu. A fonte secou. Os produtores e
cineastas brasileiros, um tanto mal acostumados com o financiamento estatal,
ficaram sem saída. Novos formatos de produção precisavam ser criados. Por quase
meia década o cinema brasileiro ficou perdido e estagnado. Até que surgiram as
pioneiras “leis de incentivo” e uma luz se acendeu no fim do túnel. Paralelo a
este momento, num formato de produção que poderia ser definido como de
“guerrilha”, surgia o filme que marcou a chamada retomada do cinema brasileiro:
Carlota Joaquina.
O cinema no Brasil não estava morto.
Apenas estava dando um tempo e se reinventando. A produção foi acelerando aos
poucos e voltou a ser expressiva em quantidade de títulos. Pela primeira vez,
desde os anos 60 com Glauber Rocha, o cinema brasileiro voltou a ter algum
reconhecimento no exterior. Nesta safra surgiram títulos como O Quatrilho; Central do Brasil e Cidade de Deus, que
impactaram positivamente em festivais em todo o mundo e atraíram a atenção para
o cinema produzido no país.
Passado o momento de euforia, o cinema
nacional se vê frente a uma nova encruzilhada. As questões de produção estão resolvidas.
O problema agora está na distribuição e exibição do produto nacional. A luta
para produzir um filme de certo modo está ganha. Os meios de produção de
diversificaram e os formatos digitais facilitam muitos projetos. O jogo fica
mais pesado quando a questão é exibir os filmes. Esta é a última fronteira a
ser vencida. Reconhecidamente o Brasil é um dos maiores mercados do mundo para
o cinema. As bilheterias por aqui já rivalizam com grandes centros mundiais.
Não é a toa que Hollywood cada vez mais se volta para o mercado brasileiro,
realizando pré-estreias, visitas promocionais de astros, utilizando cenários do
Brasil para locações e contratando diretores e artistas brasileiros. O cinema
ficou globalizado e o Brasil entrou no jogo. A presença do filme
norte-americano é extensiva e predatória nas salas brasileiras. Não é a toa a
grita de Fernando Meirelles com o fraco desempenho de bilheteria de Xingu. Mas aí reside outro
problema do nosso cinema: ele não sabe se promover. Essa é a próxima lição a
ser aprendida. Afinal, essa é uma briga de cachorro grande.
(Texto originalmente publicado no site
"Papo de Cinema" em junho de 2012)
Jorge Ghiorzi
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