Um dilema comum enfrentado por adaptações cinematográficas de videogames é como cativar não apenas os fãs do jogo original, mas também o público leigo. Diferentemente das adaptações literárias, filmes baseados em jogos carregam um imaginário visual já consolidado — cenários, personagens e mecânicas de narrativa interativa que definem sua essência. O grande desafio, portanto, é reinventar esse universo sem trair suas raízes. A adaptação Until Dawn – Noite de Terror consegue escapar parcialmente dessa armadilha ao abraçar seu tom autoirônico, optando pela diversão em vez do rigor narrativo. O resultado é um filme que, embora não ofereça algo exatamente original, entrega exatamente o que o gênero promete: um massacre cheio de estilo.
Um ano após o desaparecimento misterioso de sua irmã mais velha, Melanie (Maia Mitchell), a jovem Clover (Ella Rubin) decide reunir seus amigos — o cético Derek (Ji-young Yoo), a impulsiva June (Odessa A’zion) e o inseguro Danny (Anthony Ramos) — para uma viagem até uma hospedagem nas montanhas. O local, cercado por florestas densas e lendas sobre assassinatos não resolvidos, guarda uma pista perturbadora: assinaturas repetidas de Melanie no livro de visitas, todas datadas após seu sumiço. O que começa como uma investigação descontraída logo se transforma em um pesadelo quando o grupo percebe que não está sozinho. Encurralados por forças sobrenaturais e um assassino mascarado, os amigos precisam enfrentar não apenas o perigo iminente, mas também segredos do próprio passado — onde cada decisão errada pode desencadear um destino pior que a morte.

Inspirado no aclamado videogame Until Dawn (2015), o longa-metragem se passa no mesmo ambiente isolado e sombrio do jogo, mas expande a mitologia em torno do chamado "efeito borboleta" — conceito que gira em torno da ideia de que pequenas ações no presente determinam desfechos radicalmente diferentes no futuro. Essa premissa, que no jogo se traduzia em escolhas do jogador, no filme se transforma em uma sequência de reviravoltas calculadas, nem sempre sutis, mas eficazes para manter o espectador envolvido.
Dirigido por David F. Sandberg (conhecido por Shazam!, 2019, e Annabelle 2, 2017), o filme acumula clichês do terror: vilões brutais, personagens descartáveis e uma narrativa que não se afasta muito do arquétipo de "garotas em perigo". Clover, como a típica final girl, carrega o peso emocional da trama, enquanto os coadjuvantes preenchem os estereótipos do gênero — desde o alívio cômico até a vítima sacrificada.

Como uma versão sanguinolenta de Feitiço do Tempo (aquele onde o personagem de Bill Murray fica preso em um eterno recomeço de um dia que se repete sem fim), o roteiro se diverte ao apresentar mortes criativas — e repetitivas — para o elenco. O filme não economiza em carnificina: facadas, explosões e espancamentos se sucedem com um ritmo quase lúdico, como se Sandberg estivesse brincando com os tipos do gênero. A violência excessiva, longe de ser gratuita, torna-se parte do charme, ainda que o humor negro nem sempre atinja o equilíbrio ideal entre horror e comédia.

Until Dawn – Noite de Terror funciona melhor quando joga com o desconhecido. A mitologia, ainda que pouco explorada, serve como pano de fundo para cenas de tensão eficazes — como um close-up em uma fotografia antiga que, aos poucos, revela uma figura onde antes só havia vulto. O filme não precisa de monstros totalmente expostos; basta a promessa de que eles estão lá, esperando. Esta adaptação não é uma obra-prima do terror, mas também não pretende ser. Sua força está justamente em reconhecer suas limitações e apostar no entretenimento puro, sem pretensões profundas. Embora recicle clichês e dependa de uma mitologia já conhecida dos jogadores, o filme compensa com um ritmo ágil e um elenco carismático o suficiente para tornar a jornada divertida. Para fãs do jogo, é uma homenagem digna; para os novatos, um filme slasher competente que sabe brincar com as expectativas. No fim, cumpre seu papel: fazer o público rir, gritar e, quem sabe, conferir o jogo depois.
Assista ao trailer: Until Dawn – Noite de Terror
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela