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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Bailarina: exército de uma mulher só

Aventura spin-off derivada do universo criado nos filmes da série John Wick, Bailarina (Ballerina, 2025) surge como a contraparte feminina ao assassino de aluguel interpretado por Keanu Reeves. Este é um filme de origem que opera dentro de um contexto narrativo previamente estabelecido, com suas próprias regras e hierarquias.

Com direção de Len Wiseman, cineasta experiente em ação convencional (Anjos da Noite), Bailarina nos apresenta o surgimento de Eve Macarro (Ana de Armas), uma assassina treinada desde criança nas tradições da organização Ruska Roma que sai em busca de vingança pela morte do pai. Ambientado no submundo criminoso dos filmes de John Wick, o filme a coloca contra uma rede de poderosas figuras, repetindo a fórmula de violência estilizada da franquia original, mas com um protagonismo feminino como única novidade digna de nota.

Apesar de operar dentro do universo coeso de John Wick, Bailarina falha em justificar sua própria existência. O filme reproduz mecanicamente as regras do mundo estabelecido (a moeda, o Hotel Continental, a hierarquia de assassinos), mas sem a inventividade narrativa ou visual que tornou a franquia original relevante. A trama é convencional e previsível: uma jornada de vingança linear, repleta de cenas de ação competentes, porém genéricas. Embora essas sequências ecoem à distância o estilo de Chad Stahelski (diretor dos filmes de Keanu Reeves, que aqui tem uma breve participação), faltam nelas o ritmo frenético e a elegância do criador das obras matrizes da franquia. O resultado é um produto que parece feito por encomenda, não por paixão.

Len Wiseman entrega cenas tecnicamente aceitáveis, mas que carecem da ousadia coreográfica que nos acostumamos a ver na franquia John Wick. As lutas, embora bem filmadas, são bastante clichês para o gênero. A falta de identidade visual é flagrante – até a fotografia, que imita o neon noir da franquia-mãe, parece uma versão pouco inspirada.

A atriz Ana de Armas é o grande destaque, trazendo algum carisma e presença física ao papel. No entanto, Eve Macarro é uma protagonista em contradição. Sua "ferocidade de exército de uma mulher só" é diluída por um subplot maternal forçado, uma tentativa desajeitada de humanizá-la. O roteiro ainda insiste em simbolismos pesados (o nome "Eve" como uma alusão bíblica à queda e redenção), mas nenhum deles se traduz em profundidade real. O longa ainda traz ainda no elenco Anjelica Huston, Gabriel Byrne, Lance Reddick, Norman Reedus e Ian McShane.

Bailarina poderia ter explorado novas facetas do universo Wick, como a violência sob uma ótica feminina ou as contradições morais desse mundo, mas opta por ser um cover sem originalidade. Até a promessa do "olhar feminino" se resume a trocar um protagonista masculino por uma mulher que age exatamente como um homem no mesmo contexto. O filme não ousa questionar ou expandir a mitologia; contenta-se em ser uma sombra pálida de suas referências.

Entretenimento passageiro para fãs do gênero, Bailarina é um spin-off que cumpre o mínimo: entrega ação, uma protagonista carismática e fidelidade ao universo original. No entanto, falha como obra autônoma, repetindo fórmulas sem reinventá-las. Assista por conta e risco, mas não espere ser surpreendido.

Assista ao trailer: Bailarina


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela


quarta-feira, 22 de março de 2023

John Wick 4 – Baba Yaga: insano, empolgante e divertido

 


E pensar que tudo começou por causa de um carro e um cachorro. A saga de John Wick chega ao seu quarto episódio dando sequência ao seu acerto de contas com o passado, ao mesmo tempo em que luta para não ser eliminado pelos vilões que encontra onde quer que ele apareça. Seja nas ruas de Nova Iorque ou nas areias do deserto, seja em Paris, Tóquio ou Berlim. Inimigos é o que não faltam na vida do icônico personagem interpretado por Keanu Reeves já há uma década.

No folclore russo a expressão Baba Yaga é o equivalente ao nosso brasileiríssimo “bicho-papão”. John Wick 4 – Baba Yaga chega ao circuito, mais uma vez com direção de Chad Stahelski, o que já é garantia, no mínimo, de uma unidade narrativa e artística, que ganha desdobramentos e expande o conceito original de maneira consistente a cada novo episódio da franquia.

Com exceção dos primeiros minutos do primeiro episódio da série, quando adotou um tom mais realista (com a devida ressalva do termo!), o fato é que a saga John Wick mergulha cada vez mais fundo, a cada novo filme, em uma espécie de universo paralelo e alegórico. Neste espaço-tempo onde transcorrem as tramas a ordem das coisas e as leis da física são particularmente distintas da realidade na qual nós, simples mortais, vivemos. Que não fiquemos surpresos se em algum episódio futuro da série o agente Nick Fury surgir em cena para convidar John Wick para integrar o time dos Vingadores no MCU.


Muito já se falou sobre o impacto que o primeiro John Wick, lançado em 2014, provocou nos filmes de ação. Em um passe de mágica tudo que se fazia até então no gênero ficou ultrapassado. O truque, se é que podemos falar assim, está na bem sucedida aposta do realizador Chad Stahelski (um ex-dublê) que ousou filmar as cenas de luta como grandes planos-sequência, com poucos cortes e recursos de edição. Algo semelhante aos filmes de Kung Fu dos anos 70 e aos filmes de ação asiáticos dos anos 80/90, que também adotam esta forma de filmar com poucos cortes. Muito diferente, por exemplo, dos filmes de Jason Bourne, celebrizados na primeira década dos anos 2000 justamente pela edição acelerada que fragmentava em excesso as cenas de luta.

A influência do estilo “John Wick” já está presente, por exemplo, nos filmes da franquia James Bond, que sempre foram muito espertos em captar o espírito do seu tempo em busca de renovação para manter a relevância. Neste formato de filmar lutas mais expositivas e menos descritivas, a essência do trabalho artístico deixa de ser uma tarefa do editor e passa a ser mais do coreógrafo. Ou seja, valoriza o elemento humano/orgânico (em desfavor do tecnológico), isto sem falar na maior exigência dos atores envolvidos. Que o diga o próprio Keanu Reeves. Consta que ele participa da quase totalidade das sequências, sem utilização de dublês.


Em John Wick 4 o plot básico segue inalterado: vingança. O nível da caçada pela cabeça de Wick, no entanto, está vários graus acima dos episódios anteriores, algo que beira ao épico, diríamos, sem medo do exagero. Mas o mundo não é perfeito. Ganhamos mais (muito mais) ação, porém a trama é frágil como nunca e se sustenta em um fio de história. Isto parece um lamento? Hum, creio que não. Não há uma reclamação aqui. Apenas uma constatação. O que John Wick 4 nos oferece em troca é o melhor dos mundos em termos de vitalidade, energia, ação ininterrupta e incríveis (e longas) sequências de ação. Keanu Reeves está mais veloz e mais furioso, como nunca o vimos antes, pelo menos até o próximo filme.


A já citada alegoria, sob a qual transcorrem todas as tramas de John Wick, atinge um ápice neste episódio quatro da franquia e reforça o caráter mitológico que se constrói na série. Fomos apresentados ao personagem John Wick quando ele já estava aposentado como assassino profissional. O retorno à ativa espelha, em certa medida, a Odisseia de Ulisses, que depois de anos e anos na guerra deseja apenas voltar para a tranquilidade do lar. Após violar as regras da Alta Cúpula, Wick precisa, no entanto, passar pela penitência, tal qual os Doze Trabalhos de Hércules. Nesta trajetória enfrenta desafios e provas, mas parece um trabalho sem fim, como o Mito de Sísifo que tenta em vão subir a montanha. A fantástica sequência da escadaria é uma excelente analogia desta provação.


John Wick 4 é um produto ousado e arriscado para um mercado cinematográfico que ainda busca recuperação após o período pandêmico, que restringiu o acesso às salas de cinema. Suas quase 3 horas de duração poderiam ser um veneno de bilheteria. Mas, creiam, os 169 minutos passam voando. JW4 é insano, exagerado, empolgante e divertido. Enfim, pacote completo. Que venha o 5.

Assista ao trailer: John Wick 4 – Baba Yaga


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com