Ele dirigiu mais de 31
longas-metragens de ficção para cinema e outros 34 para a televisão, sempre
transitando por diversos gêneros cinematográficos. Dirigiu também
documentários, curtas e vídeos. Atuou como roteirista, produziu e assinou
várias funções técnicas com editor, diretor de fotografia, compositor e diretor
de arte. A versatilidade é sua marca registrada. Seu nome é Alan Smithee, mas ....
sempre tem um mas. Este cineasta completo nunca concedeu entrevistas, foge de
qualquer exposição midiática e não se conhece sequer sua fisionomia. Alan
Smithee poderia ser considerado uma espécie "prima donna"
inatingível, à la Terrence Malick, não fosse por um detalhe muito peculiar:
esta pessoa não existe. É um fantasma.
Vamos aos fatos.
"Nascido" em 1968, já no ano
seguinte o precoce e prolífico cineasta assinava sua primeira direção para o
cinema, o western Só Matando (Death
of a Gunfighter). Na verdade a direção foi de Don Siegel, mas o crédito ficou
com Alan Smithee. Explica-se: Alan Smithee é apenas um pseudônimo criado pela DGA
(associação dos diretores norte-americanos) para assinar a direção (e outras
funções) de filmes renegados por seus verdadeiros realizadores, pelas mais diversas
razões: falta de controle criativo, montagens não autorizadas, vergonha ou
constrangimento pelo produto final. O nome "Alan Smithee" é um
anagrama para a expressão "the alias men", algo como "o homem
apelido".
Na medida em que Smithee assina apenas
projetos renunciados, pode-se imaginar a quantidade de "abacaxis" que
fazem parte de sua filmografia. Com uma relação interminável de tranqueiras
associadas ao seu nome pode-se considerar Alan Smithhe um realizador que se
habilita a roubar de Ed Wood o título de "pior cineasta de todos os
tempos".
Ao se ver obrigada a adotar a solução
de um "realizador virtual", Hollywood acabou, por tabela, criando a
figura de um diretor ideal, submisso, controlado, que não contesta, acata as
regras da indústria e se submete aos desmandos dos chefões dos estúdios. É o
cinema industrial em sua essência mais cruel.
Muitos diretores conhecidos já
recorreram aos "serviços" de Alan Smithee, entre eles Dennis Hopper,
Richard C. Sarafian, Arthur Hiller, Rick Rosenthal, Sam Raimi e David Lynch.
Como destaques (se é que podemos falar assim) da filmografia de Smithee pode-se
citar a continuação Os Pássaros II
(1994 - TV); Atraída Pelo Perigo
(1990), com Jodie Foster no elenco, e Duna
(versão alternativa lançada em 2006).
Essa história tão curiosa de Hollywood
poderia muito bem dar um filme. E deu mesmo. Em 1997 foi lançada a sátira Hollywood Muito Além das Câmeras, (An Alan Smithee Film: Burn,
Hollywood, Burn) que conta a história de um diretor de cinema chamado
Alan Smithee (interpretado por Eric Idle, do Monty Python) que não pode renegar
seu filme justamente porque possui o mesmo nome do diretor "coringa"
do pseudônimo criado pela DGA. Então, ele decide roubar os negativos do próprio
filme para destruí-los. Mas, olha só que ironia, Hollywood Muito Além das Câmeras é tão, mas tão ruim, que o próprio
diretor Arthur Hiller decidiu utilizar o pseudônimo de Smithee para assinar o
desastre. E como desgraça pouca é bobagem, para desespero de todos os
envolvidos o filme acabou ganhando cinco Framboesas de Ouro naquele ano. A
partir deste caso, a própria DGA passou a adotar outros pseudônimos para
assinar filmes fracassados. Mas o mito Alan Smithee segue assombrando os
cineastas que pisam na bola.
(Texto
originalmente publicado no portal “Movi+” em agosto de 2016)
Jorge
Ghiorzi