quarta-feira, 19 de abril de 2023

A Morte do Demônio – A Ascensão: banho de sangue

 


Quando Sam Raimi surgiu para o mundo com a trilogia Morte do Demônio / Evil Dead, era um criativo cineasta em início de carreira, sem compromissos com a grande indústria, que ainda podia ousar e experimentar, sem fórmulas pré-estabelecidas. Na medida em que conquistava um lugar ao sol em Hollywood, Sam Raimi foi pouco a pouco perdendo o vigor, se acomodando ao modelo industrial. Perdeu parcialmente a autonomia e a marca autoral, na razão inversa do crescimento da conta bancária. Aquela explosão de criatividade do primeiro filme da série, no Brasil batizado como Uma Noite Alucinante (nada mais anos 80 do que este título), foi se perdendo pouco a pouco. 

A inusitada mistura de terror, humor pastelão (do nível de Os Três Patetas) e generosas doses de nonsense, que marcaram fortemente os três filmes originais, jamais se repetiram. Nem na retomada da franquia A Morte do Demônio, de 2013, dirigida pelo uruguaio Fede Alvarez, muito menos com este legítimo gore de 2023, A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise), escrito e realizado por Lee Cronin (de The Hole in the Ground), com produção executiva dos criadores originais, Sam Raimi e Bruce Campbell (ator protagonista dos três primeiros filmes). Sai de cena o humor, restando apenas o terror, o livro dos mortos, muito sangue, a motosserra e a marca Evil Dead / A Morte do Demônio.



A mudança é também de cenário. A ação deixa para trás uma isolada cabana nos bosques do Tennessee e se transfere para um pequeno apartamento familiar em um prédio residencial em Los Angeles. A família em questão é formada por uma mãe, recém separada do marido, e seus três filhos (dois adolescentes e uma jovem garota). Certo dia a irmã da mãe chega para visitar a família, mas a tranquilidade daquele encontro familiar é interrompida quando encontram um tal livro sobrenatural que despertam forças malignas adormecidas. 

A Morte do Demônio: A Ascensão é objetivo e direto em sua proposta de submeter a plateia a um banho de sangue sem trégua. É papo reto, sem meias palavras. Após um rápido prólogo e também uma rápida apresentação dos personagens centrais da família, somos submetidos a cerca de 90 minutos ininterruptos, sem descanso, de muito sangue, cenas de horror gráfico e vísceras em profusão. Com direito ainda a uma sequência no elevador que faz uma homenagem explícita à O Iluminado de Stanley Kubrick.


Além desta manifesta intenção de privilegiar em primeiro lugar o horror no espectador, o filme de Lee Cronin apresenta ainda um subtexto de caráter feminista. Não apenas por apresentar a clássica personagem da “final girl”, a personagem feminina que salva o dia (no caso, a noite). O foco em questão aqui é a maternidade. A mãe que protege a cria acima de tudo, sob qualquer ameaça. A personagem da tia que visita a família está grávida (aqui não há nenhum spoiler, este fato já é apresentado na abertura). O instinto materno, ainda prematuro, se manifesta bravamente quando o Mal ronda aquele apartamento. Aqui uma outra referência parece inspirar o roteiro: a tenente Ripley de Aliens – O Resgate.


A Morte do Demônio: A Ascensão no geral entrega exatamente o que promete: sustos e pavor em dose cavalares. Certamente estamos diante de uma produção que pouco ou nada lembra o espírito anarquista dos títulos anteriores da série. Ao apontar claramente novos caminhos para expansão da mitologia do Livro dos Mortos, que ainda deverá ter muitas reencarnações pela frente, Sam Raimi fecha as portas do passado e mira novos desafios para manter viva uma ideia promissora que surgiu no início dos anos 80.

Assista ao trailer: A Morte do Demônio: A Ascensão


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com

Os Três Mosqueteiros - D’Artagnan: tudo pelo reino



O romance histórico do francês Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros (1844), é uma das histórias clássicas mais adaptadas pelo cinema, a ponto de estabelecer um gênero cinematográfico em si, o “capa-e-espada”. Desde os filmes mudos, passando por desenhos animados, comédias e musicais, as aventuras de Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan já ganharam muitas versões, interpretações e releituras. Às vésperas de completar 280 anos o clássico de Alexandre Dumas ganha mais uma versão, que chega às telas como uma das adaptações mais fiéis da obra original, produzida na França, com cenários franceses, elenco francês e diretor francês. Ou seja, uma autêntica produção com “lugar de fala”, legitimada pela origem de todos os envolvidos.

Dirigido por Martin Bourboulon (da comédia Relacionamento à Francesa e do drama biográfico Eiffel) Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan (Les trois mousquetaires: D’Artagnan), na verdade é a primeira parte de um programa duplo. A segunda parte, Os Três Mosqueteiros: Milady, será lançada no final do ano.


Herói improvável, D’Artagnan (François Civil) assume o protagonismo involuntário da história ao se apresentar como o homem certo, na hora certa. Recém chegado à Paris, vindo da Gasconha (sul da França) com a ambição de integrar o pequeno exército de mosqueteiros, servidores leais do rei Luis XIII (Louis Garrel), o jovem e impetuoso D’Artagnan se vê de imediato mergulhado no meio de ardiloso plano para derrubar o reino. Aquele era um período de intensa disputa política que opõe duas nações, França e Inglaterra, e duas religiões, Católicos e Protestantes. A trama tem como vilã a sedutora Milady de Winter, interpretada por Eva Green, que parece talhada para papéis desta natureza, e ganhará ainda mais destaque no segundo filme da série.

O maquiavélico Cardeal de Richelieu, em conluio com Milady, articula um complô para desacreditar a rainha, revelando um caso de adultério que abalaria o reino. Mas, os Mosqueteiros entram em ação cena, salvam a pele da rainha e garantem a unidade do abalado reino do rei Luis XIII. A trama ganha contornos de suspense e emoção, que a aproximam de uma investigação policial que sustenta as duas horas desta primeira parte da narrativa.


As dinâmicas sequências de ação e lutas são, no mais das vezes, empolgantes e vigorosas. Duelos de espada aparecem em filmes desde os primórdios do cinema, mas, é fato, pouco evoluíram em termos de coreografia e encenação ao longo dos últimos 100 anos. Neste aspecto há que se considerar que neste Os Três Mosqueteiros há algo de novo que merece ser destacado. Não exatamente na coreografia, mas na forma de gravar as lutas, quase sempre captadas com câmera baixa em leve contra-plongée (de baixo para cima) e, o que faz toda diferença para transmitir uma sensação de imersão e realismo (!), são mostradas em engenhosos planos-sequência (olha aí John Wick fazendo escola).


Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan tem o mérito de fazer a releitura de um clássico, respeitando sua origem, sem, no entanto, abrir mão de uma narrativa que busca o ritmo de uma boa aventura que faça sentido às plateias atuais. Ponto negativo: o filme certamente sofrerá um efeito de frustração pela falta de desfecho, como Kill Bill, por exemplo, por ser dividido em duas partes lançadas com vários meses de intervalo. Porém, com uma agravante, fruto do nosso tempo. O ritmo ágil e descartável com que o audiovisual é consumido nos dias que correm, a primeira parte deste Os Três Mosqueteiros poderá parecer velha e antiga demais (talvez até mesmo esquecida) quando a segunda parte chegar aos cinemas no final do ano.

Assista ao trailer: Os Três Mosqueteiros: D’Artagnan


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


quarta-feira, 5 de abril de 2023

Air - A História Por Trás do Logo: parceria de sucesso

 


O primeiro encontro de Michael Jordan com o cinema ocorreu há 27 anos. O colega de cena do maior jogador de basquete de todos os tempos foi ninguém menos do que Pernalonga, na animação Space Jam: O Jogo do Século. Dois anos depois Jordan fez uma pequena participação em Jogada Decisiva, de Spike Lee, que se passa no mundo do basquetebol. Hoje aposentado das quadras, empresário bilionário, o atleta volta às telas. O retorno não é em pessoa, mas como personagem real retratado em um drama que recria, com toques de ficção, um dos momentos mais emblemáticos do início da sua carreira: a vitoriosa parceria com a Nike.

Air – A História Por Trás do Logo (Air), dirigido por Ben Affleck, revela a incrível história dos bastidores que antecederam a parceria revolucionária entre um então novato Michael Jordan e a também novata e incipiente divisão de basquete da Nike. Naquele tempo, início dos anos 80, a famosa marca de artigos esportivos era apenas uma postulante ao podium dos líderes do setor. A Adidas e a Converse dominavam o mercado A grande sacada da Nike, consolidada em 1984, foi apostar em um jovem talento do basquete e jogar todas as fichas em uma arriscada jogada única. O resto é história. A parceria de Michael Jordan com a Nike revolucionou o mundo dos esportes e da cultura contemporânea com o lançamento da marca de tênis Air Jordan.


Quem apostou na ideia, e a perseguiu como um sonho intuitivo, foi um vendedor, Sonny Vaccaro (Matt Damon), responsável pela divisão de Basquete da Nike, empresa que era conhecida apenas pelos praticantes de corrida. Primeiramente precisou convencer internamente que sua visão estava correta, em especial persuadir o dono da empresa, Phil Knight (Ben Affleck). Depois, convencer a família de Michael Jordan do projeto inovador da Nike. O atleta estava inclinado a fechar contrato com a Adidas, mas então entra em cena a mãe de Jordan (Viola Davis), que sempre soube o imenso valor do talento de seu filho dentro e fora das quadras.

A empreitada do funcionário da Nike para obter a todo custo a atenção de Jordan e sua família passa por uma série de obstáculos (apresentados de maneira simplista) e o roteiro doura um tanto a pílula, abusando de personagens bem intencionados. Sabemos, claro, que não é exatamente assim que ocorre no ambiente corporativo dos tubarões predadores dos grandes negócios.


Air – A História Por Trás do Logo faz um justo e merecido tributo a um dos maiores atletas da história, mas traz um ranço típico de filmes biográficos “chapa branca”, que não ousam, optando por mostrar seus personagens apenas com virtudes, sem nuances. Consta que o próprio Michael Jordan participou, ainda que informalmente, na concepção da história que vemos nas telas. Certamente isto explica o clima de “filme de sessão da tarde”, sem grandes conflitos, o que resulta em uma obra meramente didática e burocrática. Jordan não aparece em cena, mas o filme retrata uma parte importante da sua vida. No elenco o destaque fica mesmo com Matt Damon e Viola Davis, ambos nada mais do que corretos, operando em modo piloto automático.

Como cineasta Ben Affleck se mostra como um realizador absolutamente convencional, sem nenhum traço autoral identificável que o tire da condição de aplicado operário padrão de Hollywood. Ainda que, vale lembrar, Argo tenha recebido o Oscar de Melhor Filme, em 2013, e Affleck premiado pela direção no Globo de Ouro e BAFTA.


Air – A História Por Trás do Logo é o mais longo comercial da Nike que você já viu, apresentado com toda pompa e circunstância como um primoroso case de marketing com lições que farão a alegria de mentores de carreira, coachs motivacionais e gestores corporativos.

Assista ao trailer: Air - A História Por Trás do Logo


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com