Quando Sam Raimi
surgiu para o mundo com a trilogia Morte do Demônio / Evil Dead, era um criativo
cineasta em início de carreira, sem compromissos com a grande indústria, que ainda
podia ousar e experimentar, sem fórmulas pré-estabelecidas. Na medida em que
conquistava um lugar ao sol em Hollywood, Sam Raimi foi pouco a pouco perdendo
o vigor, se acomodando ao modelo industrial. Perdeu parcialmente a autonomia e a
marca autoral, na razão inversa do crescimento da conta bancária. Aquela
explosão de criatividade do primeiro filme da série, no Brasil batizado como Uma
Noite Alucinante (nada mais anos 80 do que este título), foi se perdendo
pouco a pouco.
A inusitada mistura
de terror, humor pastelão (do nível de Os Três Patetas) e generosas
doses de nonsense, que marcaram fortemente os três filmes originais,
jamais se repetiram. Nem na retomada da franquia A Morte do Demônio, de
2013, dirigida pelo uruguaio Fede Alvarez, muito menos com este legítimo gore
de 2023, A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise), escrito
e realizado por Lee Cronin (de The Hole in the Ground), com produção
executiva dos criadores originais, Sam Raimi e Bruce Campbell (ator protagonista
dos três primeiros filmes). Sai de cena o humor, restando apenas o terror, o
livro dos mortos, muito sangue, a motosserra e a marca Evil Dead / A
Morte do Demônio.
A mudança é também
de cenário. A ação deixa para trás uma isolada cabana nos bosques do Tennessee
e se transfere para um pequeno apartamento familiar em um prédio residencial em
Los Angeles. A família em questão é formada por uma mãe, recém separada do
marido, e seus três filhos (dois adolescentes e uma jovem garota). Certo dia a
irmã da mãe chega para visitar a família, mas a tranquilidade daquele encontro
familiar é interrompida quando encontram um tal livro sobrenatural que
despertam forças malignas adormecidas.
A Morte do Demônio:
A Ascensão é objetivo e direto em sua proposta de submeter a plateia a um banho de
sangue sem trégua. É papo reto, sem meias palavras. Após um rápido prólogo e
também uma rápida apresentação dos personagens centrais da família, somos
submetidos a cerca de 90 minutos ininterruptos, sem descanso, de muito sangue,
cenas de horror gráfico e vísceras em profusão. Com direito ainda a uma
sequência no elevador que faz uma homenagem explícita à O Iluminado de
Stanley Kubrick.
Além desta
manifesta intenção de privilegiar em primeiro lugar o horror no espectador, o
filme de Lee Cronin apresenta ainda um subtexto de caráter feminista. Não
apenas por apresentar a clássica personagem da “final girl”, a personagem
feminina que salva o dia (no caso, a noite). O foco em questão aqui é a
maternidade. A mãe que protege a cria acima de tudo, sob qualquer ameaça. A
personagem da tia que visita a família está grávida (aqui não há nenhum
spoiler, este fato já é apresentado na abertura). O instinto materno, ainda
prematuro, se manifesta bravamente quando o Mal ronda aquele apartamento. Aqui
uma outra referência parece inspirar o roteiro: a tenente Ripley de Aliens –
O Resgate.
A Morte do Demônio:
A Ascensão no geral entrega exatamente o que promete: sustos e pavor em dose
cavalares. Certamente estamos diante de uma produção que pouco ou nada lembra o
espírito anarquista dos títulos anteriores da série. Ao apontar claramente novos
caminhos para expansão da mitologia do Livro dos Mortos, que ainda deverá ter
muitas reencarnações pela frente, Sam Raimi fecha as portas do passado e mira
novos desafios para manter viva uma ideia promissora que surgiu no início dos
anos 80.
Assista ao trailer: A Morte do Demônio: A Ascensão
Jorge Ghiorzi /
Membro da ACCIRS
janeladatela@gmail.com