quinta-feira, 19 de novembro de 2020

“Convenção das Bruxas”: clássico repaginado


Uma geração inteira separa a primeira versão de Convenção das Bruxas (The Witches) e esta releitura do clássico infantil que chega aos cinemas em 2020. A primeira adaptação cinematográfica do livro escrito por Roald Dahl foi lançada em 1990, sob a direção do britânico Nicolas Roeg (de O Homem Que Caiu na Terra). Agora, transcorridos 30 anos, reencontramos a Rainha das Bruxas e seus planos malignos. Ou seja, quem era criança na época, hoje provavelmente levará seus filhos aos cinemas para um reencontro marcado pela nostalgia.

O responsável por este resgate é Robert Zemeckis, um cineasta mais apropriado para dirigir uma comédia infantil de “terror” e fantasia, em relação à Roeg, que construiu uma filmografia marcada por filmes ousados e complexos, direcionados às plateias adultas. Zemeckis, por sua vez, já tem bastante experiência na área, basta lembrarmos de filmes como a trilogia De Volta Para o Futuro; Uma Cilada para Roger Rabbit; A Morte Lhe Cai Bem e Expresso Polar. No projeto da refilmagem Zemeckis contou ainda com uma equipe de peso, que inclui os nomes de Guillermo Del Toro, como um dos roteiristas, e Alfonso Cuarón, como produtor.


No remake de Convenção das Bruxas duas importantes decisões foram tomadas em relação ao filme original. Houve alteração de cenário e época, mudando da Inglaterra para o Alabama (EUA) nos anos 60, e o protagonismo da família, antes genuinamente ingleses, agora formada por personagens negros. Estas mudanças contribuem para inserir comentários, nuances e subtextos relacionados às questões raciais, ainda que de forma leve e sutil. No mais, a premissa básica da história segue a mesma.

O jovem órfão (Jahzir Kadeem Bruno), após a morte dos pais, vai morar com a Avó (Octavia Spencer) na pequena Demopolis, no interior rural do Alabama. Certo dia o garoto tem um encontro casual como uma bruxa. Para fugirem da ameaça de encontrar novamente o famigerado ente maligno, os dois decidem passar alguns dias hospedados em um grande hotel à beira-mar. Mas, para azar da dupla, justamente naquele local estava se realizando o encontro anual das Bruxas dos Estados Unidos. Na tal Convenção, a Grande Rainha Bruxa (Anne Hathaway) apresenta às suas colegas do mal seu plano mirabolante para eliminar todas as crianças do mundo: transformá-las em ratos introduzindo um elixir venenoso nas guloseimas e chocolates.



Uma refilmagem sempre sofre a influência implacável do tempo que separa o original da recriação. As circunstâncias do momento sempre se impõem sobre as decisões artísticas e comerciais do produto final. E Convenção das Bruxas não foge à regra. Quando Nicolas Roeg fez a primeira interpretação da obra, as pressões sociais eram mais flexíveis e o chamado “politicamente correto” ainda não dava as cartas. Assim, entende-se que a versão de 1990 é mais explícita no quesito terror, ainda que se tratasse de um filme focado no público infantil. Os novos tempos não permitem mais esta combinação: terror e crianças. Assim, Zemeckis modulou a história até transformá-la mais em uma fantasia, que flerta com o espírito do universo fantástico de um Harry Potter, por exemplo. A mão de Guillermo Del Toro certamente contribuiu muito para repaginar a história neste sentido.

Este movimento em direção a um filme claramente orientado ao público infanto-juvenil do novo século se completa com a interpretação caricata de Anne Hathaway. Sua bruxa age como um personagem bufão de desenho animado em versão live action. Infelizmente sua interpretação, e mesmo sua presença no elenco, é um equívoco que compromete o resultado. Nada que lembre a interpretação sinistra e cheia de malícia com que Anjelica Huston compôs a mesma personagem há três décadas.



A grande ousadia da versão de Zemeckis se dá justamente no desfecho da história. O destino final do jovem protagonista, após ser transformado em rato, parece propor uma solução conciliatória de conformismo, onde transmite a ideia de que devemos nos permitir ser e aceitar quem afinal de contas nós somos, sejam quais forem as circunstâncias.

A refilmagem de Convenção das Bruxas traz aquele impasse que todo remake sofre. Harmonizar expectativas da velha geração com os interesses das novas plateias é sempre o grande desafio. Neste aspecto o filme de Robert Zemeckis fica em uma segura posição de equilíbrio. Não chega a ofender as memórias de quem foi aos cinemas e alugou fitas VHS nos anos 90, e igualmente não insulta a inteligência dos pequenos de hoje. A nova versão de Convenção das Bruxas é um produto de seu tempo, que faz as concessões necessárias – inclua-se aí a forte presença de sequências em CGI - e insere temas e camadas de complexidade mais afeitas ao momento, como a já citada questão racial, e ainda a depressão infantil, o bullying e a negligência parental. Mas nada excessivo e pesado a ponto de interferir na experiência de uma comédia realizada com competência, que cumpre com o papel a que se propôs: divertir.

Assista ao trailer: Convenção das Bruxas

Jorge Ghiorzi

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

"O Poderoso Chefão: Parte III" é relançado em nova versão


 Filme de Francis Ford Coppola completa 30 anos e retorna aos cinemas

 

A Paramount Pictures lança uma nova edição do último filme da trilogia épica ‘O Poderoso Chefão’, de Francis Ford Coppola, intitulada O PODEROSO CHEFÃO DE MARIO PUZO - DESFECHO: A MORTE DE MICHAEL CORLEONE, baseada no best seller de Mario Puzo. O estúdio também traz a notícia para deixar todos os fãs entusiasmados: o filme será lançado nas salas de cinema no dia 3 de dezembro, e também nas plataformas digitais NET NOW Claro, Sky, Apple TV, Google Play, Vivo, Oi, Xbox Video, PlayStation Store para aluguel e compra a partir dia 8 de dezembro.


Esta nova versão de ‘O Poderoso Chefão: Parte III’ atinge a visão original do diretor Coppola e do roteirista Puzo para o final, que foi meticulosamente restaurada para uma melhor apresentação do último capítulo da saga dos Corleone, que é legitimamente vista como uma das maiores da história do cinema.

’O PODEROSO CHEFÃO DE MARIO PUZO - DESFECHO: A MORTE DE MICHAEL CORLEONE’ é um reconhecimento do título de Mario, e também meu preferido, que retrata nossas intenções originais para o que se tornou 'O Poderoso Chefão: Parte III'", disse Coppola. "Para esta versão, reorganizei cenas tomadas e combinações musicais. Com essas mudanças, mais a filmagem e o som restaurados, esta é, para mim, uma conclusão mais apropriada para 'O Poderoso Chefão' e 'O Poderoso Chefão: Parte II' e estou grato a Jim Gianopulos e à Paramount por me permitirem revisitá-la".



Coppola e sua produtora, American Zoetrope, trabalharam a partir de uma varredura de 4K do negativo original para empreender uma cuidadosa restauração quadro a quadro do novo filme e o original ‘O Poderoso Chefão: Parte III’. A fim de criar a melhor apresentação possível, a equipe de restauração da Zoetrope e da Paramount começaram procurando por mais de 50 tomadas originais para substituir as óticas de menor resolução no negativo original. Este processo levou mais de 6 meses e envolveu a peneiração de 300 caixas de negativos. A Zoetrope trabalhou cuidadosamente para reparar arranhões, manchas e outras anomalias, que não puderam ser tratadas anteriormente devido às restrições tecnológicas, enquanto melhorias foram feitas na mistura do áudio 5.1 original.

Estes esforços minuciosos de restauração não foram imunes à pandemia do novo coronavírus. Na metade do projeto, todo o trabalho - mesmo a busca do negativo - foi realizado pela Zoetrope e pela Paramount remotamente. "O Sr. Coppola supervisionou todos os aspectos da restauração enquanto trabalhava na nova edição, assegurando que o filme não só tenha uma aparência e um som impecável, mas também atenda seus padrões pessoais e sua visão de direção", disse Andrea Kalas, vice-presidente senior da Paramount Archives.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

“Tenet”: labirintos do tempo


Uma providencial viagem no tempo poderia ter alertado Christopher Nolan que o lançamento do seu novo filme iria bater de frente com uma pandemia mundial e salas de cinema fechadas. Ironicamente a premissa de Tenet (Tenet) trata exatamente desta possibilidade fantástica de transitar sobre o tempo em qualquer uma de suas direções: avançando ou recuando. No conceito apresentado pelo filme, mais do que uma viagem no tempo, na verdade trata-se de uma inversão temporal.

Notória foi a briga de Nolan com a Warner para assegurar o lançamento nos cinemas, em substituição ao streaming, que foi o caminho adotado por outros filmes neste ano de 2020. Ganhou a disputa, ainda que o lançamento tenha sido adiado por três vezes. Enfim, finalmente Tenet chega às tela de cinema, conforme Nolan concebeu no projeto original, que propõe às plateias uma experiência imersiva “realista” que só o formato de captação das câmeras IMAX proporciona.


Expectativas elevadas costumam distorcer avaliações, para o bem ou para o mal. Certamente Tenet sofrerá desta condição. A ousadia tem sido uma marca autoral do cinema de Christopher Nolan. A exemplo de seu ídolo confesso, Stanley Kubrick, Nolan também busca quebrar paradigmas, avançar limites e subverter narrativas em todos os gêneros com os quais trabalha. Foi assim com o filme policial (Amnésia), com o filme baseado em quadrinhos (a trilogia Cavaleiro das Trevas), com o filme de drama (O Grande Truque), com o filme de ação (A Origem), com o filme de ficção científica (Interestelar) e com o filmes de guerra (Dunkink). Há, sem dúvida, um ponto comum em todos eles: absolutamente, não são filmes convencionais. Então, com esta bagagem toda, a expectativa por Tenet não poderia ser nada menos que elevadíssima. O gênero da vez é o filme de espionagem, aquele que fez a fama e a glória do agente 007, James Bond.


Tenet é a Spectre de Nolan

Um agente (John David Washington, de Infiltrado na Klan), conhecido apenas pelo termo “Protagonista”, é designado para uma missão internacional em busca de pistas sobre o contrabando de rejeitos nucleares. A suspeita é que os criminosos estejam fazendo uso de uma inovadora tecnologia de inversão da entropia da matéria - que permite reverter o fluxo de tempo de objetos e pessoas – para a construção de um artefato com poderio de destruição global. Juntamente com o agente Neil (Robert Pattinson) o “Protagonista” é introduzido na organização “Tenet” para confrontar o antagonista russo Sator (Kenneth Branagh).

Eliminando-se o fantástico conceito temporal de quebra das leis da física (conhecidas até então, diga-se), o que resta da trama de Tenet não passa de uma aventura de espionagem básica que caberia muito bem na série do já citado James Bond. Inclua-se aí um vilão algo caricato e raso, onde o Sator de Branagh faz às vezes de um genérico Blofeld, o mais famoso arqui-inimigo de 007, sem faltar até mesmo o infalível plano maligno de destruir o mundo. Mas, o conceito da inversão do tempo está lá, é parte ativa essencial da narrativa e isto por si só necessariamente já coloca Tenet em outro patamar de ambição artística.


Ao longo do filme por três vezes somos apresentados à teoria e à explicação do funcionamento da tal “entropia reversa dos objetos”. A cada nível de explanação mais aprofundamos o conhecimento sobre o funcionamento controlado da linha temporal, e mais ainda mergulhamos nos intricados labirintos do tempo e suas consequências. Não é fácil este entendimento e em dado momento nosso cérebro literalmente dá um nó. Resta-nos, por fim, apenas a suspensão de descrença para nos deixar levar por uma história cheia de imaginação e complexidade. Não assumir este posicionamento significa necessariamente uma rejeição à Tenet dado o incômodo sensorial que provoca por sua subjetiva lógica interna.

Assistir Tenet equivaleria, analogamente, a assistir De Volta Para o Futuro - Parte 1 e De Volta Para o Futuro – Parte 2 juntos, ao mesmo tempo. O cérebro que resolva os impasses e paradoxos. Superado isso, é uma aventura e tanto. Como escreveu William Shakespeare “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum”.

Tenet sem dúvida é uma aposta ousada de Christopher Nolan, um cineasta que, devemos reconhecer, não se permite ficar na zona de conforto. Nem sempre acerta na totalidade, como parece ser o caso. Ainda assim, seu filme de espionagem é grandioso, engenhoso e criativo, nos presenteando ainda com espetaculares sequências de ação. Tenet em essência é uma experiência, um experimento que exige muito o comprometimento da plateia. E, claro, a quase obrigatoriedade de assistir mais de uma vez.

Assista o trailer: Tenet

Jorge Ghiorzi