segunda-feira, 2 de novembro de 2020

“Tenet”: labirintos do tempo


Uma providencial viagem no tempo poderia ter alertado Christopher Nolan que o lançamento do seu novo filme iria bater de frente com uma pandemia mundial e salas de cinema fechadas. Ironicamente a premissa de Tenet (Tenet) trata exatamente desta possibilidade fantástica de transitar sobre o tempo em qualquer uma de suas direções: avançando ou recuando. No conceito apresentado pelo filme, mais do que uma viagem no tempo, na verdade trata-se de uma inversão temporal.

Notória foi a briga de Nolan com a Warner para assegurar o lançamento nos cinemas, em substituição ao streaming, que foi o caminho adotado por outros filmes neste ano de 2020. Ganhou a disputa, ainda que o lançamento tenha sido adiado por três vezes. Enfim, finalmente Tenet chega às tela de cinema, conforme Nolan concebeu no projeto original, que propõe às plateias uma experiência imersiva “realista” que só o formato de captação das câmeras IMAX proporciona.


Expectativas elevadas costumam distorcer avaliações, para o bem ou para o mal. Certamente Tenet sofrerá desta condição. A ousadia tem sido uma marca autoral do cinema de Christopher Nolan. A exemplo de seu ídolo confesso, Stanley Kubrick, Nolan também busca quebrar paradigmas, avançar limites e subverter narrativas em todos os gêneros com os quais trabalha. Foi assim com o filme policial (Amnésia), com o filme baseado em quadrinhos (a trilogia Cavaleiro das Trevas), com o filme de drama (O Grande Truque), com o filme de ação (A Origem), com o filme de ficção científica (Interestelar) e com o filmes de guerra (Dunkink). Há, sem dúvida, um ponto comum em todos eles: absolutamente, não são filmes convencionais. Então, com esta bagagem toda, a expectativa por Tenet não poderia ser nada menos que elevadíssima. O gênero da vez é o filme de espionagem, aquele que fez a fama e a glória do agente 007, James Bond.


Tenet é a Spectre de Nolan

Um agente (John David Washington, de Infiltrado na Klan), conhecido apenas pelo termo “Protagonista”, é designado para uma missão internacional em busca de pistas sobre o contrabando de rejeitos nucleares. A suspeita é que os criminosos estejam fazendo uso de uma inovadora tecnologia de inversão da entropia da matéria - que permite reverter o fluxo de tempo de objetos e pessoas – para a construção de um artefato com poderio de destruição global. Juntamente com o agente Neil (Robert Pattinson) o “Protagonista” é introduzido na organização “Tenet” para confrontar o antagonista russo Sator (Kenneth Branagh).

Eliminando-se o fantástico conceito temporal de quebra das leis da física (conhecidas até então, diga-se), o que resta da trama de Tenet não passa de uma aventura de espionagem básica que caberia muito bem na série do já citado James Bond. Inclua-se aí um vilão algo caricato e raso, onde o Sator de Branagh faz às vezes de um genérico Blofeld, o mais famoso arqui-inimigo de 007, sem faltar até mesmo o infalível plano maligno de destruir o mundo. Mas, o conceito da inversão do tempo está lá, é parte ativa essencial da narrativa e isto por si só necessariamente já coloca Tenet em outro patamar de ambição artística.


Ao longo do filme por três vezes somos apresentados à teoria e à explicação do funcionamento da tal “entropia reversa dos objetos”. A cada nível de explanação mais aprofundamos o conhecimento sobre o funcionamento controlado da linha temporal, e mais ainda mergulhamos nos intricados labirintos do tempo e suas consequências. Não é fácil este entendimento e em dado momento nosso cérebro literalmente dá um nó. Resta-nos, por fim, apenas a suspensão de descrença para nos deixar levar por uma história cheia de imaginação e complexidade. Não assumir este posicionamento significa necessariamente uma rejeição à Tenet dado o incômodo sensorial que provoca por sua subjetiva lógica interna.

Assistir Tenet equivaleria, analogamente, a assistir De Volta Para o Futuro - Parte 1 e De Volta Para o Futuro – Parte 2 juntos, ao mesmo tempo. O cérebro que resolva os impasses e paradoxos. Superado isso, é uma aventura e tanto. Como escreveu William Shakespeare “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum”.

Tenet sem dúvida é uma aposta ousada de Christopher Nolan, um cineasta que, devemos reconhecer, não se permite ficar na zona de conforto. Nem sempre acerta na totalidade, como parece ser o caso. Ainda assim, seu filme de espionagem é grandioso, engenhoso e criativo, nos presenteando ainda com espetaculares sequências de ação. Tenet em essência é uma experiência, um experimento que exige muito o comprometimento da plateia. E, claro, a quase obrigatoriedade de assistir mais de uma vez.

Assista o trailer: Tenet

Jorge Ghiorzi

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