No final dos anos 30, quando leu o livro “O Tesouro
de Sierra Madre”, do misterioso e recluso escritor B. Traven, John Huston se
encantou com a obra e achou que daria um ótimo filme. A história envolvia temas
muito estimados por Huston: viagem, aventura, um país estrangeiro (México) e
distância das zonas urbanas. Este deveria ser o segundo filme dirigido por ele,
mas problemas legais relacionados à compra dos direitos (incluindo a
dificuldade de negociar com B. Traven apenas por cartas) e também de produção,
acabaram por adiar o filme por vários anos. O projeto só foi retomado em 1946,
após John Huston voltar da Segunda Guerra Mundial, onde serviu ao exército norte-americano.
A história transcorre no ano de 1925, após a
revolução mexicana, quando o México ainda vivia um período de instabilidade
social, com bandoleiros levando terror às populações dos pequenos vilarejos.
Sem trabalho, multidões de mexicanos pobres vagam em busca de oportunidades
para ganhar alguns trocados. Mas, terras “sem esperança” costumam se oferecer
como terras de oportunidade para quem se dispõe a arriscar e ousar.
É neste ambiente de poucas perspectivas no interior
do México que vivem dois forasteiros norte-americanos, Fred Dobbs (Humphrey
Bogart) e Bob Curtin (Tim Holt). Literalmente mendigando pelas ruelas da
pequena cidadezinha empoeirada, os dois ficam sabendo por um antigo garimpeiro
(Walter Huston, pai de John Huston) que há grande possibilidade de existir ouro
em abundância nas montanhas próximas da cidade. Seduzidos por esta
possibilidade de enriquecimento, os três se unem e partem em busca do sonho
dourado.
Prestes a completar 70 anos, O Tesouro de Sierra Madre (The
Treasure of the Sierra Madre) foi lançado em 1948, e apesar de não ter
sido um sucesso de bilheteria em sua época, o filme de John Huston sempre foi
prestigiado pela crítica e pela indústria de Hollywood. No ano seguinte a
produção concorreu ao Oscar e conquistou os prêmios de Diretor, Roteiro
Adaptado e Ator Coadjuvante (Walter Huston). Além de ser reconhecido como um
dos melhores trabalhos da extensa filmografia de John Huston, O Tesouro de Sierra Madre aparece na 30ª
posição da lista do American Film
Institute (AFI) com os 100 melhores filmes norte-americanos de todos os
tempos.
Na trama de Relíquia
Macabra, que tratava da essencialmente da ambição humana, um dos
personagens definiu que a ilusão é a “matéria prima da qual são feitos os
sonhos”. Sob certos aspectos, O Tesouro
de Sierra Madre seguiu uma abordagem semelhante, agregando, entretanto, um
novo e poderoso ingrediente: a ganância. É ela que move o personagem principal,
Dobbs, interpretado por Bogart. O velho garimpeiro, com a sabedoria adquirida
pelos muitos anos vividos, disse que o ouro provoca uma maldição: muda o
caráter dos homens. O cético Dobbs desdenha da afirmação, alegando que é imune à
sedução destruidora do brilho dourado das pepitas de ouro. Tudo o que ele
desejava era conseguir alguns poucos milhares de dólares para viver uma boa
vida até morrer. Nada mais.
O
Tesouro de Sierra Madre é acima de
tudo uma pequena fábula moral contada num espetáculo cinematográfico típico da
Hollywood dos anos 30/40. Narrativa clássica, grandes estrelas, trilha sonora
pomposa, com ação, aventura, tiroteios e suspense. Pacote completo. Ainda que
em certas passagens possa parecer hoje um tanto ingênuo e forçado (a presença
de um bandoleiro meio bufão, e simplificações em determinadas situações
cruciais, como o surgimento de um quarto personagem e seu destino), não fossem
algumas pequenas transgressões, seria um filme absolutamente corriqueiro. Mas
John Huston soube fugir desta armadilha. Em primeiro lugar, filmou quase
totalmente em locações reais no México, o que não era nem um pouco usual na
Hollywood da época. Esta decisão foi fundamental para estabelecer a necessária
verossimilhança da história. Outro acerto do realizador foi a escalação de
Humphrey Bogart num papel totalmente inesperado para um ator reconhecido por
viver galãs durões de bom coração. Com uma interpretação visceral, Bogart
entregou-se totalmente ao personagem, mas foi, no entanto, criminosamente
esquecido no Oscar daquele ano.
O
Tesouro de Sierra Madre é um
clássico estimado da cinematografia norte-americana, que, no entanto, parece
ter perdido um pouco de seu vigor com a passagem das décadas.
(Texto originalmente publicado na coluna
“Cinefilia” do DVD Magazine em dezembro de 2016)
Jorge Ghiorzi