quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A Queda: medo e terror nas alturas

 


Um dos clássicos irretocáveis do cinema, Um Corpo Que Cai (Vertigo), possui como tema de fundo a acrofobia (o medo de altura). Naquela trama de suspense de Alfred Hitchcock a fobia é do personagem de James Stewart. Nós, assistentes, ficamos sempre em segurança. O tema do medo das alturas não é exatamente o problema das protagonistas de A Queda (Fall). O caso é exatamente o oposto, na verdade. Para elas, as alturas são desafios estimulantes que enfrentam por aventura e prazer. Então, a sensação do medo de altura fica restrita apenas para o espectador.

Os desafios não ficam por aí para as protagonistas. Some-se a experiência do confinamento em espaço reduzido e a luta pela sobrevivência. Pronto, estes são os ingredientes quase minimalistas que integram a fórmula enxuta de A Queda. Escrito e dirigido por Scott Mann (Vingança Entre Assassinos e O Sequestro do Ônibus 657) o filme é excepcional na tarefa de provocar a percepção de vertigem na plateia, de preferência em uma sala de cinema.


As amigas Becky (Grace Caroline Currey, de Annabelle 2: A Criação do Mal e Shazam!) e Hunter (Virginia Gardner, de Projeto Almanaque e Halloween 2018) têm por hobby desafiar as alturas em escaladas por montanhas rochosas, em busca de superação de limites, de adrenalina e visualizações de suas aventuras divulgadas por canais e blogs de internet. Abalada e deprimida emocionalmente após uma tragédia – apresentada no prólogo - Becky fica reclusa por um ano. Mas tudo muda quando Hunter a convence voltar às escaladas, para enfrentar seus medos e superar o trauma do passado. O objetivo da escalada redentora: o topo de uma torre de TV abandonada, com 600 metros de altura, no meio do deserto de Mojave. Mas nem tudo sai como previsto. O que seria uma aventura radical se transforma em uma experiência limite de vida ou morte, quando ambas ficam presas no topo da torre.


Novamente citando Hitchcock, vale lembrar que o mestre fez dois filmes inteiramente restritos e limitados a um espaço / cenário único: Festim Diabólico (um apartamento) e Um Barco e Nove Destinos (um bote salva-vidas). Este tipo de narrativa impõe necessariamente um clima de suspense e acrescenta uma camada extra de tensão que perpassa por todo o enredo. O êxito de narrativas deste tipo se sustenta na engenhosidade do encadeamento dos fatos que mantenham a atenção e garantam o interesse do espectador. Neste ponto A Queda se sai bem, desenvolvendo situações criativas, que se equilibram entre o surpreendente e o exagero, mas suficientemente coerentes para garantir a suspensão de descrença.

O roteiro ainda encontra espaço para desenvolver (ainda que minimamente) a trajetória das personagens, pelo menos no que se refere à ligação que une as duas, revelada lá pelas tantas. Para contar sua história o diretor Scott Mann não utiliza sequer o recurso do flashback, tão comum para preencher lacunas e vazios narrativos. O que vemos é o real do tempo dramático ou, no máximo, o registro de pequenos fragmentos do passado, visualizados pela tela de um celular. A Queda é confinado não apenas no espaço, mas também na dramatização. Para tanto contribuem enormemente para o resultado a edição, os efeitos sonoros e os efeitos de CGI, estes combinados com filmagens reais em uma torre verdadeira, de apenas 30 metros.


O thriller de suspense e terror A Queda é particularmente feliz em desencadear nossos gatilhos emocionais atávicos: medo da morte, abandono, fome, dentre outros. Produção restrita de recursos, mas eficiente na construção de emoções genuínas na plateia, o filme de Scott Mann é um bom motivo para o grande público voltar a vivenciar – em grande escala - a experiência sensorial de um filme exibido na telona de uma sala de cinema.

Assista ao trailer: A Queda


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


terça-feira, 6 de setembro de 2022

Treze Vidas – O Resgate: história real

 


A tragédia e o resgate dramático de um time adolescente de futebol preso em uma caverna inundada na Tailândia, ocorrido em 2018, atraiu a atenção da mídia internacional e comoveu o mundo inteiro. O episódio durou nove dias e apresentou lances emocionantes, quase inacreditáveis, como se fosse um filme transcorrendo na vida real em tempo real, sob os olhos atentos do planeta. Passados quatro anos, aquela incrível história ganha uma versão para o cinema, pois essencialmente o caso continha todos os elementos de uma narrativa ficcional com final feliz. Além, é claro, de fazer um devido reconhecimento ao trabalho heroico das equipes de resgate.

O caso é bastante conhecido e recente, mas não custa relembrar brevemente. Um time de futebol (os “Javalis Selvagens”) formado por 12 meninos (de 11 a 17 anos) e seu treinador (de 25 anos) da província tailandesa de Chiang Rai faziam um passeio na caverna Tham Luang, para se proteger do mau tempo. Logo a chuva ficou mais intensa e a água subiu muito rápido, deixando o grupo preso no local. As fortes chuvas inundaram a caverna e o grupo foi dado como desaparecido. As operações de busca começaram no mesmo dia, mas o nível da água dificultava o acesso das equipes de resgate.


Grandes tragédias costumam ser matéria prima para tratamentos ficcionais pelo cinema. Como exemplos podemos citar o caso dos sobreviventes dos Andes (Vivos) e dos mineiros chilenos soterrados (33). À frente desta adaptação cinematográfica da história dos garotos tailandeses está o diretor Ron Howard, um artesão clássico de Hollywood, já escolado por levar às telas outras histórias reais como Apollo 13, Uma Mente Brilhante (vencedor do Oscar de Melhor Filme), A Luta Pela Esperança, Frost / Nixon, Rush e Era Uma Vez Um Sonho.

Realizado com investimentos e coprodução tailandesa, Treze Vidas – O Resgate (Thirteen Lives) foi filmado em locações reais e é parcialmente falado em tailandês, o que, em termos de produções norte-americanas, representa uma concessão pouco usual. A decisão de filmar em espaços e cavernas reais – um pesadelo logístico pelas dificuldades que impõe – foi decisiva para a construção do clima claustrofóbico essencial para representar a tensão constante que permeia a ação dramática.


Esta decisão, acertada no que refere à ambientação do filme, que assegura um realismo dificilmente alcançado em estúdio, ganha ainda mais força pela forma como Ron Howard e o roteiro abordaram a história. A narrativa de Treze Vidas basicamente tem apenas o ponto de vista externo da tragédia na caverna, envolvendo mergulhadores, socorristas, familiares e políticos, em uma pouco sutil disputa por protagonismo. O outro lado da história, os garotos sobrevivendo ao medo, à fome, ao frio, pouco é mostrado. Esta face da história é sonegada a nós, espectadores. No entanto isto só reforça o senso de urgência e potencializa a angústia de uma situação extrema.


A direção de Ron Howard é sóbria e reverente ao sofrimento das crianças e suas famílias, verdadeiros protagonistas. E aqui vale uma palavra para os desempenhos contidos e respeitosos de Viggo Mortensen e Colin Farrell que interpretam mergulhadores britânicos voluntários que se juntam aos grupos de resgate criados pelo governo da Tailândia. Os atos heroicos dos dois mergulhadores – dentre eles a elaboração do incrível plano de resgate – são mostrados com um realismo quase documental e sustentam o interesse por mais de duas horas de filme.

Treze Vidas é um resgate de uma história de superação e celebração do espírito humano, realizado com correção e inspiração.

Assista ao trailer: Treze Vidas – O Resgate


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS