Um dos clássicos
irretocáveis do cinema, Um Corpo Que Cai
(Vertigo), possui como tema de fundo a acrofobia (o medo de altura). Naquela
trama de suspense de Alfred Hitchcock a fobia é do personagem de James Stewart.
Nós, assistentes, ficamos sempre em segurança. O tema do medo das alturas não é
exatamente o problema das protagonistas de A Queda (Fall). O caso é exatamente
o oposto, na verdade. Para elas, as alturas são desafios estimulantes que enfrentam
por aventura e prazer. Então, a sensação do medo de altura fica restrita apenas
para o espectador.
Os desafios não
ficam por aí para as protagonistas. Some-se a experiência do confinamento em
espaço reduzido e a luta pela sobrevivência. Pronto, estes são os
ingredientes quase minimalistas que integram a fórmula enxuta de A Queda. Escrito e dirigido por Scott Mann (Vingança Entre Assassinos e O Sequestro do Ônibus 657) o filme é
excepcional na tarefa de provocar a percepção de vertigem na plateia, de
preferência em uma sala de cinema.
As amigas Becky (Grace Caroline Currey, de Annabelle 2: A Criação do Mal e Shazam!) e Hunter (Virginia Gardner, de Projeto Almanaque e Halloween 2018) têm por hobby desafiar as alturas em escaladas por
montanhas rochosas, em busca de superação de limites, de adrenalina e
visualizações de suas aventuras divulgadas por canais e blogs de internet. Abalada e deprimida emocionalmente após uma tragédia –
apresentada no prólogo - Becky fica reclusa por um ano. Mas tudo muda quando
Hunter a convence voltar às escaladas, para enfrentar seus medos e superar o trauma
do passado. O objetivo da escalada redentora: o topo de uma torre de TV
abandonada, com 600 metros de altura, no meio do deserto de Mojave. Mas nem
tudo sai como previsto. O que seria uma aventura radical se transforma em uma
experiência limite de vida ou morte, quando ambas ficam presas no topo da torre.
Novamente
citando Hitchcock, vale lembrar que o mestre fez dois filmes inteiramente
restritos e limitados a um espaço / cenário único: Festim Diabólico (um apartamento) e Um Barco e Nove Destinos (um bote salva-vidas). Este tipo de
narrativa impõe necessariamente um clima de suspense e acrescenta uma camada extra
de tensão que perpassa por todo o enredo. O êxito de narrativas deste tipo se
sustenta na engenhosidade do encadeamento dos fatos que mantenham a atenção e garantam
o interesse do espectador. Neste ponto A
Queda se sai bem, desenvolvendo situações criativas, que se equilibram
entre o surpreendente e o exagero, mas suficientemente coerentes para garantir
a suspensão de descrença.
O
roteiro ainda encontra espaço para desenvolver (ainda que minimamente) a trajetória
das personagens, pelo menos no que se refere à ligação que une as duas, revelada
lá pelas tantas. Para contar sua história o diretor Scott Mann não
utiliza sequer o recurso do flashback,
tão comum para preencher lacunas e vazios narrativos. O que vemos é o real do
tempo dramático ou, no máximo, o registro de pequenos fragmentos do passado,
visualizados pela tela de um celular. A
Queda é confinado não apenas no espaço, mas também na dramatização. Para
tanto contribuem enormemente para o resultado a edição, os efeitos sonoros e os
efeitos de CGI, estes combinados com filmagens reais em uma torre verdadeira, de
apenas 30 metros.
O thriller de suspense
e terror A Queda é particularmente
feliz em desencadear nossos gatilhos emocionais atávicos: medo da morte,
abandono, fome, dentre outros. Produção restrita de recursos, mas eficiente na
construção de emoções genuínas na plateia, o filme de Scott Mann é um bom
motivo para o grande público voltar a vivenciar – em grande escala - a
experiência sensorial de um filme exibido na telona de uma sala de cinema.
Assista ao trailer: A Queda
Jorge Ghiorzi /
Membro da ACCIRS
janeladatela@gmail.com