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quarta-feira, 22 de março de 2023

John Wick 4 – Baba Yaga: insano, empolgante e divertido

 


E pensar que tudo começou por causa de um carro e um cachorro. A saga de John Wick chega ao seu quarto episódio dando sequência ao seu acerto de contas com o passado, ao mesmo tempo em que luta para não ser eliminado pelos vilões que encontra onde quer que ele apareça. Seja nas ruas de Nova Iorque ou nas areias do deserto, seja em Paris, Tóquio ou Berlim. Inimigos é o que não faltam na vida do icônico personagem interpretado por Keanu Reeves já há uma década.

No folclore russo a expressão Baba Yaga é o equivalente ao nosso brasileiríssimo “bicho-papão”. John Wick 4 – Baba Yaga chega ao circuito, mais uma vez com direção de Chad Stahelski, o que já é garantia, no mínimo, de uma unidade narrativa e artística, que ganha desdobramentos e expande o conceito original de maneira consistente a cada novo episódio da franquia.

Com exceção dos primeiros minutos do primeiro episódio da série, quando adotou um tom mais realista (com a devida ressalva do termo!), o fato é que a saga John Wick mergulha cada vez mais fundo, a cada novo filme, em uma espécie de universo paralelo e alegórico. Neste espaço-tempo onde transcorrem as tramas a ordem das coisas e as leis da física são particularmente distintas da realidade na qual nós, simples mortais, vivemos. Que não fiquemos surpresos se em algum episódio futuro da série o agente Nick Fury surgir em cena para convidar John Wick para integrar o time dos Vingadores no MCU.


Muito já se falou sobre o impacto que o primeiro John Wick, lançado em 2014, provocou nos filmes de ação. Em um passe de mágica tudo que se fazia até então no gênero ficou ultrapassado. O truque, se é que podemos falar assim, está na bem sucedida aposta do realizador Chad Stahelski (um ex-dublê) que ousou filmar as cenas de luta como grandes planos-sequência, com poucos cortes e recursos de edição. Algo semelhante aos filmes de Kung Fu dos anos 70 e aos filmes de ação asiáticos dos anos 80/90, que também adotam esta forma de filmar com poucos cortes. Muito diferente, por exemplo, dos filmes de Jason Bourne, celebrizados na primeira década dos anos 2000 justamente pela edição acelerada que fragmentava em excesso as cenas de luta.

A influência do estilo “John Wick” já está presente, por exemplo, nos filmes da franquia James Bond, que sempre foram muito espertos em captar o espírito do seu tempo em busca de renovação para manter a relevância. Neste formato de filmar lutas mais expositivas e menos descritivas, a essência do trabalho artístico deixa de ser uma tarefa do editor e passa a ser mais do coreógrafo. Ou seja, valoriza o elemento humano/orgânico (em desfavor do tecnológico), isto sem falar na maior exigência dos atores envolvidos. Que o diga o próprio Keanu Reeves. Consta que ele participa da quase totalidade das sequências, sem utilização de dublês.


Em John Wick 4 o plot básico segue inalterado: vingança. O nível da caçada pela cabeça de Wick, no entanto, está vários graus acima dos episódios anteriores, algo que beira ao épico, diríamos, sem medo do exagero. Mas o mundo não é perfeito. Ganhamos mais (muito mais) ação, porém a trama é frágil como nunca e se sustenta em um fio de história. Isto parece um lamento? Hum, creio que não. Não há uma reclamação aqui. Apenas uma constatação. O que John Wick 4 nos oferece em troca é o melhor dos mundos em termos de vitalidade, energia, ação ininterrupta e incríveis (e longas) sequências de ação. Keanu Reeves está mais veloz e mais furioso, como nunca o vimos antes, pelo menos até o próximo filme.


A já citada alegoria, sob a qual transcorrem todas as tramas de John Wick, atinge um ápice neste episódio quatro da franquia e reforça o caráter mitológico que se constrói na série. Fomos apresentados ao personagem John Wick quando ele já estava aposentado como assassino profissional. O retorno à ativa espelha, em certa medida, a Odisseia de Ulisses, que depois de anos e anos na guerra deseja apenas voltar para a tranquilidade do lar. Após violar as regras da Alta Cúpula, Wick precisa, no entanto, passar pela penitência, tal qual os Doze Trabalhos de Hércules. Nesta trajetória enfrenta desafios e provas, mas parece um trabalho sem fim, como o Mito de Sísifo que tenta em vão subir a montanha. A fantástica sequência da escadaria é uma excelente analogia desta provação.


John Wick 4 é um produto ousado e arriscado para um mercado cinematográfico que ainda busca recuperação após o período pandêmico, que restringiu o acesso às salas de cinema. Suas quase 3 horas de duração poderiam ser um veneno de bilheteria. Mas, creiam, os 169 minutos passam voando. JW4 é insano, exagerado, empolgante e divertido. Enfim, pacote completo. Que venha o 5.

Assista ao trailer: John Wick 4 – Baba Yaga


Jorge Ghiorzi / Membro da ACCIRS

janeladatela@gmail.com


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

“Matrix Resurrections”: déjà vu


Quando chegou aos cinemas na virada de século e de milênio Matrix imediatamente foi reconhecido como um ponto de virada nos filmes de ação. Nada mais seria igual, sua influência foi definitiva em tudo que se fez depois. Produto estimado da cultura pop, o longa foi inovador nos efeitos especiais, na coreografia das lutas, na criação de referências cult e na incorporação da filosofia em um produto de massa. Além de extasiar uma legião de fãs a trilogia Matrix antecipou em uma década a sociedade mega conectada, mergulhada no uso massivo da Internet. O legado deixado pelo filme, portanto, é gigantesco.


Passados pouco mais de 20 anos – quase o tempo de uma geração – chega o momento de retomar a saga, tantas vezes adiada e, a princípio, negada pelas irmãs Lana e Lilly Wachowski, criadoras da trilogia original. Então, é com o peso deste passado que chega às telas este Matrix Resurrections, desta vez dirigido apenas por Lana como um projeto solo, sem a participação de Lilly.

A nova aventura retoma a história a partir da linha temporal deixada pelo filme anterior (Revolutions, de 2003), ainda que vinte anos tenham se passado aqui, no nosso mundo. Neo (Keanu Reeves) agora vive uma vida aparentemente comum sob sua identidade original como Thomas Anderson, atuando como um famoso criador de um videogame de sucesso, chamado... “Matrix”. Para entender as estranhas visões e percepções que tem sentido, ele se trata com um terapeuta. Para complicar um pouco mais ainda sua cabeça ele também conhece uma mulher (Carrie Anne-Moss) que muito se parece com a personagem Trinity do videogame que criou. Tudo começa fazer algum sentido para o atordoado Thomas Anderson quando encontra uma nova versão de Morpheus, que oferece a pílula vermelha que reabre sua mente para o mundo da Matrix.


Os três primeiros filmes seguiram um caminho natural de expansão do universo original, mantendo a coerência da mitologia da série. Já neste volume quatro a proposta foi equivalente a uma versão atualizada de um programa clássico, com correções de segurança, adaptação de sistema, incorporação de novas atribuições e soluções de “bugs” funcionais. Matrix Resurrections praticamente abandona as referencias místicas, religiosas e metafísicas e centra atenção apenas nos conceitos tecnológicos, incorporando de uma vez por todas a condição de um videogame.

O filme é autorreferente e indulgente com a própria mitologia que construiu na trilogia original. Dá uma zoada geral e se limita a ser – sem dramas de consciência – um produto de massa a ser consumido por uma sociedade capitalista selvagem, que tanto criticava há 20 anos. Lana Wachowski parece querer nos dizer: “Relaxem. Desencanem. Este não é um filme-cabeça. Apenas aproveitem a experiência”. Isto se evidencia com a inclusão do humor em certas passagens, como aquela onde Anderson e um executivo da companhia discutem a possibilidade – e mesmo a necessidade - de criar uma nova versão do videogame. O papo ali era direto e reto, pois se referia nas entrelinhas à própria gestação da sequência de Matrix que sofreu a pressão da Warner para que o filme finalmente fosse produzido. Alguém tem lembrança de sequer ter esboçado minimamente um sorriso com alguma sequência dos três filmes originais? Pois em Matrix Resurrection isto ocorre, com um mal disfarçado ar de cinismo blasé que ecoa por todo o filme.


Neo ainda encarna o heroico personagem do “Escolhido” que surgiu para libertar a raça humana da submissão pelas máquinas. Vale destacar, porém, que o centro narrativo e mote da nova trama criada por Lana Wachowski desta vez é a personagem de Trinity, que assume um protagonismo mais evidente.

Matrix Resurrection é claramente um filme de passagem, de reformulação para uma nova saga revigorada que inevitavelmente virá (um reboot?). Nesta retomada da história é flagrante que algo de substancial se perdeu. Não fosse toda a bagagem e o legado que carrega, o novo Matrix por muito pouco não é apenas um filme de aventura genérico. Não somos apresentados a nenhuma sequência memorável, nenhuma das sequências de luta avança além do lugar comum e as trucagens e efeitos já não surpreendem (alguém lembra do espanto que o “bullet time” criou no final do século passado?). O filme, nesta perspectiva, é suficientemente inteligente para não se levar excessivamente a sério.


Para o arco da história, talvez no futuro fosse interessante uma prequel mostrando a história do Arquiteto (criador da Matrix) e da Oráculo, e seguindo a tradição de subtítulos com a letra R (Reload, Revolutions e Resurrections) o título bem que poderia ser Matrix Rises.


Assista ao trailer: Matrix Resurrections

 

Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS