Lançada em 1958, a comédia CHOFER DE PRAÇA foi o 9º filme da extensa filmografia do humorista, ator e cantor paulista Amácio Mazzaropi. Esta produção marcou sua estreia como produtor e também a primeira aparição de Geny Prado, atriz que se tornaria sua parceira recorrente em quase todas as obras seguintes.
O filme inicia com a tomada de uma casinha modesta, isolada num meio rural típico do interior brasileiro. A câmera se aproxima da porta da casa. Ela abre e vemos um casal saindo. Ambos carregando malas, claramente demonstrando que estão partindo em viagem. O casal sai de cena, mas a câmera permanece mais alguns segundos no mesmo enquadramento. Então, a seguir surge um cachorro, reproduzindo o mesmo movimento de seus donos ou tutores. Ele sai da casa “carregando” uma pequena mala presa aos dentes. Ele também vai viajar. Nada mais é necessário para que a comédia conquiste o público desde o primeiro instante.

O enredo, seguindo o padrão dos filmes de Mazzaropi, é bastante singelo, sem complexidades maiores, mas sim, com uma habitual lição moral no terceiro ato. Chofer de Praça conta a história de um humilde casal que se muda para a capital de São Paulo com a missão de ajudar o filho mais velho a pagar e concluir a “faculidade” de Medicina. Para ganhar a vida, o pai consegue emprego como chofer de praça dirigindo um carro antigo, barulhento e caindo aos pedaços. Isto passa a ser motivo de piadas e humilhações da vizinhança e dos demais colegas de ofício. O filho, ainda que necessite muito do dinheiro, sente muita vergonha do trabalho do pai.
O filme segue por várias sequências e gags de humor que reforçam este contexto, revelando ao longo da narrativa um subtexto crítico que condena o alpinismo social em detrimento de valores morais. Ainda que trabalhe e reforce estereótipos da humildade rural em oposição a arrogância dos habitantes das zonas urbanas, Chofer de Praça aborda com muita simplicidade, comicidade e sensibilidade as questões de classe que estão constantemente presentes na realidade brasileira.

É inegável o timing de comédia de Amácio Mazzaropi. Apesar de sua origem na tradição da comédia circense, mais caracterizada pelo humor de performance física (da qual Os Trapalhões foram herdeiros), Mazzaropi demonstra seu talento no texto, no mais das vezes minimalista, e no perfeito “tempo de comédia”. Uma frase, um gesto, uma palavra, um resmungo monossilábico, tudo isto rende um humor mais eficiente – e atemporal – do que uma torta na cara ou um “pum do palhaço”. Mazzaropi era dotado deste dom e isto fez dele um dos grandes do nosso cinema.
Infelizmente o prestígio do artista foi se diluindo no decorrer dos anos, particularmente por suas últimas produções dos anos 70 e 80, que contaminaram negativamente a avaliação de toda sua obra. Esta rejeição ou mesmo desconhecimento da sua obra é uma realidade para as novas gerações, para as quais Mazzaropi não passa de um artista menor de uma certa subcultura brasileira. A decadência, em alguma medida, é natural na carreira de qualquer artista. Mal comparando, e respeitando as devidas dimensões, vale lembrar que isto ocorreu também com gênios da comédia como Jacques Tati e Charles Chaplin, apenas para citar dois grandes. Os últimos trabalhos destes artistas também já não demonstravam o brilho criativo de outros tempos. Apesar das oscilações em sua carreira, Mazzaropi não apenas assegurou seu lugar na história do cinema brasileiro, mas também construiu um imaginário popular que resiste como testemunho de uma identidade nacional muitas vezes esquecida.

Assista ao trailer: Chofer de Praça
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
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