terça-feira, 27 de maio de 2025

O Esquema Fenício: a gaiola de ouro de Wes Anderson

 

Autor de um cinema geométrico, matemático e sensorial, Wes Anderson consolida-se como um devoto da simetria — mais rigoroso que Stanley Kubrick, outro cineasta obcecado pelo tema. Seus filmes funcionam como livros para colorir vistos por um olhar obsessivo, nos quais a forma sempre suplanta o discurso. Em O Esquema Fenício (The Phoenician Scheme, 2025) essa assinatura atinge seu ápice onde cada plano é uma equação resolvida com a precisão de um ourives, mas também com a frieza de um teorema matemático.

Ambientado nos anos 1950, o filme acompanha o magnata europeu Zsa-Zsa Korda (Benício Del Toro), que, após sobreviver a múltiplos atentados, nomeia sua filha — uma freira — como herdeira de seu império. Juntos, embarcam numa jornada repleta de espionagem internacional, traições e dilemas morais entre família e poder. O enredo, no entanto, é mero pretexto para Anderson explorar seu verdadeiro interesse: a arquitetura da narrativa.

O roteiro trata o inesperado como um jogo de RPG de derivações infinitas e Anderson deleita-se em explorar cada possibilidade narrativa. A construção labiríntica exige atenção redobrada, mesclando complexidade estrutural e uma estética deliberadamente delicada — um equilíbrio que revela seu fascínio pela fragmentação e pelo controle minucioso. É o caos traduzido em precisão visual com cenários exuberantes, ação desenfreada e situações absurdas que coexistem sob uma mesma lente simétrica.

Comparado a Asteroid City, seu filme anterior, aqui Anderson introduz o humor de maneira orgânica (ainda que contida), sem recorrer a grandes efeitos cômicos. Essa leveza descontraída, marca de seus melhores trabalhos — como O Grande Hotel Budapeste, outro filme de espionagem e aventura com humor ácido —, serve de contraponto ao formalismo estético, quase como uma homenagem ao tom das aventuras de Tintim, de Hergé. Referências temáticas e visuais à obra do quadrinista ecoam nos planos meticulosamente diagramados e na aura de 'missão impossível' europeia.

Caro leitor, até aqui nos detivemos apenas na parte positiva da história, destacando seus méritos e aspectos criativos, amplamente reconhecidos. O lado menos solar dessa narrativa, porém, é a recorrente repetição de uma fórmula que, com pouca margem de erro, parece estar à beira do esgotamento. Wes Anderson vive um paradoxo em sua obra. O mesmo conjunto de elementos que o consagrou como um cineasta de estilo inconfundível agora o aproxima perigosamente de se tornar um pastiche de si mesmo. O diretor, afinal, está enclausurado em sua própria gaiola de ouro. Seu excesso de simetria e paletas de cores impecáveis, antes veículos de narrativas melancólicas ou satíricas, agora parecem servir apenas à autocitação. Em outros tempos sinônimo de inovação, sua assinatura visual corre o risco de se tornar mera decoração vazia.

Assistir O Esquema Fenício é realmente uma experiência, ainda que não inteiramente prazerosa. De início nos deleitamos com o deslumbramento estético de cores, formas, composições e arte visual. Em determinado momento, na metade do filme, passamos a ficar incomodados pela falta de rumo e propósito de uma história que se perde em digressões vazias sem avançar em um arco narrativo convincente que de fato nos seduza. Por fim, em seu terceiro ato, torcemos para que os minutos voem e o filme, enfim, chegue a um desfecho. Qualquer desfecho, desde que ponha fim à experiência.

Cada novo filme de Wes Anderson parece confirmar uma verdade curiosa: atuar em suas obras é certamente mais divertido que assisti-las. Essa ironia explica os elencos estelares que o cineasta consegue reunir. Em O Esquema Fenício a lista é tão prestigiosa quanto dispersa. Além do já citado protagonista Benicio Del Toro ainda temos em cena, em participações secundárias, mínimas ou secretas, nomes como Michael Cera, William Defoe, Tom Hanks, F. Murray Abraham, Bryan Cranston, Riz Ahmed, Benedict Cumberbatch, Bill Murray, Scarlett Johansson, Jeffrey Wright, Mathieu Amalric e Charlotte Gainsbourg.

É um espetáculo de nomes grandiosos a serviço de um filme que, no final, se revela mais um exercício de estilo do que uma narrativa satisfatória. Diante disso, talvez o verdadeiro divertimento para o espectador esteja em adotar o próprio espírito lúdico do realizador: transformar a experiência numa caça ao tesouro, explorando cada quadro em busca dessas estrelas perdidas no labirinto visual. Wes Anderson permanece um mestre incontestável no seu ofício, mas seu universo meticulosamente construído necessita urgentemente de mais alma e menos esquemas.

Assista ao trailer: O Esquema Fenício

Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela


Nenhum comentário:

Postar um comentário