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quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Toc Toc Toc – Ecos do Além: por trás das paredes

 


A obra de Edgar Allan Poe é fonte inesgotável de inspiração para o cinema. Material criado pela imaginativa mente literária de Poe já foi utilizado de forma literal em inúmeras adaptações cinematográficas fiéis ao original. Há também outras tantas versões apenas parcialmente inspiradas nas tramas criadas pelo escritor. Este é o caso de Toc Toc Toc – Ecos do Além (Cobweb, 2023), que tem como base o conto “The Tell-Tale Heart”, escrito em 1843.

A primeira – mas não única – grande alteração do conto original foi a transposição da ação do século XIX para os dias contemporâneos. Afora isso, o roteiro incorporou ainda temas atuais como bullying, abuso infantil, maus-tratos e abandono parental.


Na história, que transcorre nos dias que antecedem o Halloween, Peter, um menino de oito anos, é atormentado por um misterioso e constante barulho que vem de dentro da parede de seu quarto. Seus pais insistem que os ruídos e vozes estão apenas em sua imaginação. À medida que o medo de Peter se intensifica, ele acredita que seus pais podem estar escondendo um segredo perigoso e questiona a confiança deles. Quando descobre que os sons são realmente reais, Peter tem a certeza que os pais ocultam um terrível segredo e inicia uma busca para descobrir a verdade.

A produção é de Seth Rogen, que tem se mostrado um produtor bastante ativo. Esta é sua terceira produção a entrar em cartaz em 2023, após Loucas em Apuros e As Tartarugas Ninja: Caos Mutante, além da série de animação Invencível, no Prime Video, o serviço de streaming da Amazon. A direção de Toc Toc Toc – Ecos do Além é de Samuel Bodin, da série Marianne, da Netflix.


Um dos grandes acertos do roteiro, assinado por Chris Thomas Devlin, de O Massacre da Serra Elétrica (2022), foi estabelecer a perspectiva da narrativa a partir do ponto de vista do garoto, em quase sua totalidade. Eventualmente, em poucos momentos, nosso entendimento da história passa pela percepção da personagem da professora. No mais das vezes, tudo o que se refere aos pais de Peter nos é sonegado, causando no espectador a mesma sensação de desorientação vivenciada pelo garoto. Desta decisão decorre um dos principais destaques da produção. Como filme de terror Toc Toc Toc sai do lugar comum do gênero, que tende a reprisar indefinidamente fórmulas recorrentes, ao reverter expectativas apostando em provocar menos sustos gratuitos e investir mais em uma narrativa climática solidamente ancorada no suspense. Foi bem sucedido na acertada escolha.


Contribui decisivamente para o bom resultado do suspense o fato de que a entidade que vive por trás das paredes não é exatamente um ser metafísico ou sobrenatural. Pelo contrário, é uma criatura física - de carne e osso, digamos -, pois sequer consegue superar a barreira física de uma simples parede ou mesmo de uma mera porta. Portanto, o pavor torna-se mais real e palpável. Afinal, o que aconteceu com Peter? O final aberto, livre para interpretações, é apenas mais um ingrediente que captura nosso interesse e potencializa a experiência.


Toc Toc Toc – Ecos do Além é uma agradável surpresa positiva. Um thriller de terror que não prometia nada e entregou tudo.

Assista ao trailer: Toc Toc Toc – Ecos do Além

 

Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul

Contato: janeladatela@gmail.com


quarta-feira, 24 de agosto de 2022

“Não! Não Olhe!”: verdades ocultas

 


O que os olhos não veem o coração não sente, diz o provérbio popular. Portanto, “corra”, “não, não olhe”. Este é o melhor conselho que “nós” podemos lhe dar, pois a ameaça do novo filme de Jordan Peele vem do espaço e pouco podemos fazer para escapar ileso. Com o lançamento de Não! Não Olhe! (Nope) o cineasta conclui seu tríptico revisionista das narrativas hollywoodianas, inserindo definitivamente seu nome na galeria dos mais destacados realizadores contemporâneos de gênero.

Localizado no Vale de Santa Clarita, nos arredores de Los Angeles, o Rancho Haywood dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) é uma herança do falecido pai, criador e domador de cavalos utilizados pela indústria cinematográfica em filmes e séries. Os negócios já não prosperam como nos velhos tempos. A economia mudou, Hollywood mudou. O passado é só uma lembrança nostálgica.


Enquanto lutam para manter o funcionamento do rancho, OJ e Emerald começam a perceber a ocorrência de fenômenos e acontecimentos inexplicáveis que parecem ter origem bem acima deles, nos céus sobre o árido deserto. Obcecados para desvendar o mistério – e se possível ganhar algum dinheiro com isso – os irmãos decidem criar uma forma de filmar e registrar aqueles fenômenos de origem desconhecida.

O protagonismo de elencos predominantemente negros é uma constante nos trabalhos de Jordan Peele, e aqui não é diferente. O contexto racial também está presente, ainda que mais atenuando do que em Corra, por exemplo. Protagonismo este que desta vez extrapola os limites do filme e se expande para o próprio Cinema como um todo. Isto se manifesta já nos primeiros minutos quando somos apresentados à história por trás dos pioneiros experimentos do fotógrafo Eadweard Muybridge. No final do século 19 ele registrou pela primeira vez um simulacro de movimento através das imagens – o que seria o protocinema – quando apresentou ao mundo uma série de fotografias de um cavalo montado por cavaleiro. Jordan Peele nos conta então, através da personagem Emerald, uma versão cheia de liberdades (que atende aos propósitos do diretor) de que aquele cavaleiro era um homem negro. Portanto, a primeira imagem em movimento de um ser humano foi protagonizada por um negro, porém, o apagamento histórico não permitiu o devido reconhecimento daquele personagem.


Há constantemente no subtexto do filme uma relação direta com o cinema e o contexto do olhar do expectador. O universo da indústria cinematográfica está presente na atividade dos protagonistas – fornecedores de cavalos para o cinema – e também de um personagem secundário, o ex-astro mirim de uma série de sucesso da TV, marcado por uma tragédia ocorrida nos estúdios de gravação. O mistério que sobrevoa o Rancho Haywood não deve ser desafiado pelo olhar. Não devemos olhar para “ele”, sob pena de ser eliminado. Mas, nada consta que não possa ser registrado pelo “olhar eletrônico” de uma câmera de vídeo. Ou seja, o fato só torna-se real, objetivo, quando captado por vídeo. A imagem só é legitimada quando devidamente registrada. Uma subversão do real que só o cinema pode reivindicar.

Nem seria necessário um olhar mais atento para percebermos que desta vez Jordan Peele está vivendo seu momento Shyamalan. No caso, é real e intencional a semelhança, reconhecida pelo próprio realizador que cita o cineasta de origem indiana como uma referência na concepção do filme, cujo roteiro é do próprio Peele.


Não! Não Olhe! é simultaneamente complexo, misterioso e desafiador, sem, no entanto, deixar de ser também divertido com plena consciência da noção de espetáculo para grandes públicos. Muito longo para ser um episódio de Twilight Zone (cuja nova versão tem o comando de Peele) e muito curto para ser uma minissérie, o filme se ressente das consequências do excesso de ambição do realizador. Jordan Peele parece não ter dado conta plenamente de todas as potencialidades que são construídas ao longo da narrativa, reduzindo a essência do seu filme ao que ele realmente é: um exercício de terror e suspense com ecos de Filme B. Um entretenimento puro sangue.

Assista ao trailer: Não! Não Olhe!


Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS

quarta-feira, 21 de julho de 2021

“Um Lugar Silencioso – Parte II”: poucas palavras, muita tensão


Lançado em 2018, num tempo pré-pandêmico, Um Lugar Silencioso se mostrou um aclamado thriller que mixava de forma eficiente o terror com o suspense, tendo como cenário um mundo pós-apocalíptico. A direção era assinada por um improvável John Krasinski, muito conhecido pelo papel de Jim Halpert na série The Office, cujas poucas experiências de direção, até então, se situavam no terreno da comédia.

Então, chegou o ano de 2020. O planeta ficou ameaçado pelo coronavírus. É mundo real, não ficção. Imediatamente uma nova chave de compreensão e analogia foi agregada para a análise do filme de três anos atrás. A decisão de desenvolver uma continuação da história foi certamente impactada por este novo momento. O entendimento da narrativa então se processa com este novo registro em nossa mente.


Um Lugar Silencioso – Parte II (A Quiet Place – Part II), igualmente escrito e dirigido por Krasinski, abre com duas linhas narrativas. Inicialmente temos um prólogo, que se passa no Dia 1, aquele que deu origem à invasão das terríveis criaturas alienígenas, ainda que nada fique suficientemente explicado. Então, logo na sequência, somos jogados exatamente ao ponto em que encerrou o filme anterior, quase um ano e meio a frente. Lembra daquele final aberto com a personagem de Emily Blunt engatilhando a arma? Esse é o momento de retomada da saga da família Abbott.

Evelyn Abbott (Emily Blunt) e os filhos, Regan (Millicent Simmonds), Marcus (Noah Jupe) e o bebê que nasceu no final do filme anterior, prosseguem sua jornada silenciosa pela sobrevivência, em fuga da ameaça que espreita por todos os lados. A trajetória que se assemelha a um road movie, que se guia por uma tensão constante que alterna movimento e confinamento, silêncio e ruídos extremos, tensão e relaxamento, isolamento e interação social, desafio e superação pessoal. Os personagens, todos, apresentam um arco narrativo bem estabelecido, o que contribui decisivamente para a coesão da história e acentua valores individuais da família nuclear. Um Lugar Silencioso – Parte II expande o conceito original e abre possibilidades para novos personagens, como Emmett (Cillian Murphy), antigo amigo da família, e um sobrevivente do pós-apocalipse, vivido por Djimon Hounsou.


Ainda que a sequência apresente níveis de decibéis bem superiores nos efeitos sonoros, em oposição ao primeiro filme (quase um exercício de estilo na utilização do silêncio como artifício narrativo), o conceito original segue preservado e ainda é capaz de proporcionar momentos genuínos de medo e angústia.

Um Lugar Silencioso – Parte II se mostra uma sequência muito interessante e criativa, com um roteiro enxuto e edição eficiente, o longa deixa um caminho promissor para a inevitável (e necessária) sequência que certamente vem por aí.

Assista ao trailer: Um Lugar Silencioso – Parte II

Jorge Ghiorzi

quinta-feira, 3 de junho de 2021

“Invocação do Mal 3”: investigação do além

 

Uma das franquias de filmes de terror de maior sucesso dos anos 2000, Invocação do Mal chega a mais um capítulo neste pandêmico ano de 2021. Mais do que chamá-la de franquia, o mais correto certamente seria nos referirmos ao “Universo Invocação do Mal”, pois é disso que se trata. Outros títulos se incorporam neste universo expandido, com filmes como Annabelle, A Maldição da Chorona, A Freira e suas respectivas sequências.

Personagens centrais das histórias, a dupla (real, já falecida) de investigadores de fenômenos paranormais Ed e Lorraine Warren nos apresenta mais uma caso fantástico da sua extensa relação de investigações neste Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio (The Conjuring: The Devil Made Me Do It). O selo de credibilidade está lá, estampado na tela: “baseado em fatos verídicos”. E assim recebemos os relatos do casal, temperados com altas doses de ficção e transformados em espetáculo cinematográfico para as massas. O caso da vez é recorrente na série, mais uma possessão demoníaca.


O capeta, em suas diversas formas, antagonista profundo do casal Warren, novamente dá as caras. Agora com status, pois é referido explicitamente no subtítulo do longa. Ed e Lorraine (Patrick Wilson e Vera Farmiga), após inicialmente investigarem o caso de possessão demoníaca de um garoto, acabam se envolvendo com outra história dramática. Um suspeito de assassinato alega nos tribunais que sua alma estava possuída pelo demônio quando cometeu o crime. Cabe ao casal de “demonólogos” provar que a tese estava correta. Então, partem numa aventura investigativa pelo submundo do Mal em busca de provas.

Um fato salta aos olhos com este Invocação do Mal 3. A série já dá sinais claros de esgotamento da fórmula. Após os dois primeiros episódios bem sucedidos, que estabeleceram um padrão acima da média para seus congêneres, o terceiro filme passa a sensação de estarmos diante de uma tentativa mudança de rumo. Como parece ser uma tradição nos chamados “terceiros episódios” de séries e sagas, há uma busca de saídas narrativas e exploração de novos terrenos que assegurem a continuidade. Este componente de risco costuma invariavelmente resultar em excessos e exageros. Este é o caso de Invocação do Mal 3, que, enfim, é apenas mais do mesmo. Não podemos desconsiderar que James Wan, diretor dos primeiros filmes, agora assume a condição apenas de produtor. A direção coube a Michael Chaves, o mesmo de A Maldição da Chorona (2019), que filmou um roteiro que traz mais complexidade ao enredo e avança um pouco no terreno dos filmes de investigação policial.


Outro aspecto que chama atenção em Invocação do Mal 3 é o foco mais flagrante na relação pessoal dos personagens do casal Ed e Lorraine, tornando-os ainda mais protagonistas em detrimento do caso que estão investigando. A relação do casal avança algumas etapas e revela ao público fatos do passado dos dois, o que os deixa mais próximos e íntimos da audiência.


A série Invocação parece assumir, sem medo (!), sua condição de “terror geek”, um filme pop de terror que não dá propriamente sustos nem provoca medo, apenas estimula a adrenalina. Tudo é muito gamificado, um jogo de etapas a serem cumpridas. Já vimos isto em Jogos Mortais, não por acaso, do mesmo James Wan. A cada episódio a série se afasta mais e mais dos cânones estabelecidos por O Exorcista, o Santo Graal dos filmes de possessão demoníaca dos últimos 50 anos.

O carisma do casal de atores Patrick Wilson e Vera Farmiga dá conta do recado, como sempre. O filme se sustenta integralmente no desempenho da dupla. Há que se perguntar o que farão os produtores da franquia quando a dupla se aposentar da série. O destino talvez seja transformar a franquia em uma série de TV, apresentando a cada episódio um novo caso dos “detetives do oculto” no início da carreira, com atores mais jovens. Algo na linha do saudoso seriado dos anos 70 Kolchak – Os Demônios da Noite, estrelado por Darren McGavin como o repórter Carl Kolchak que investigava casos misteriosos e sobrenaturais.

Assista ao trailer: Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio

Jorge Ghiorzi

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

George A. Romero: pai dos zumbis

 


O que começou originalmente como uma comédia de terror acabou por se tornar um dos maiores clássicos do cinema independente, criador do subgênero dos filmes de zumbis. Assim surgiu A Noite dos Mortos Vivos (1968) obra máxima da filmografia de GEORGE A. ROMERO.

Após levantar a soma de pouco mais de 100 mil dólares, Romero, aos 28 anos, escreveu, produziu e dirigiu seu primeiro longa-metragem. O filme surgiu em uma época muito propícia para a abordagem de uma temática mais pesada. Era final dos anos 60, a Guerra do Vietnã jogava a violência diariamente nas telas das TVs. O mal-estar, os medos e as angústias da sociedade estavam vindo à tona. No mesmo período, paralelamente à produção de Romero, o europeu Roman Polanski estava na América rodando o clássico do gênero horror O Bebê de Rosemary, que seria lançado no mesmo ano.

A Noite dos Mortos Vivos estabeleceu novo padrão para os filmes de baixo orçamento, revelando nuances de comentários sociais incomuns para filmes de terror. Críticos apontam o filme de Romero como um dos mais representativos do espírito turbulento dos anos 60. Um símbolo do seu tempo ao se mostrar engajado às lutas dos movimentos dos direitos civis da comunidade afro-americana dos Estados Unidos. O longa-metragem foi estrelado por Duane Jones, o primeiro ator negro escalado para protagonizar um filme de terror.


George A. Romero construiu praticamente toda sua filmografia voltada aos filmes de terror. Dirigiu 17 longas-metragens, raramente se afastando do gênero. Uma das poucas exceções é o drama de ação Cavaleiros de Aço (1981) que mostra motoqueiros itinerantes reproduzindo o estilo de vida dos cavaleiros medievais.

Em destaque na sua obra cinematográfica vale lembrar também de Martin (1977), releitura naturalista dos filmes de vampiro; Instinto Fatal (1988), drama de horror com toques de ficção científica sobre uma experimento que injeta células de cérebro humano em uma macaca superinteligente que trabalha como auxiliar para um tetraplégico, e A Metade Negra (1993), baseado na obra de Stephen King, que conta a história de um escritor de livros com histórias de crimes, que se torna suspeito de uma série de assassinatos.

A Noite dos Mortos Vivos é o primeiro das cinco sequências e/ou remakes dirigidos pelo próprio Romero, além de outra duas versões dirigidas por Tom Savini (1990) e Jeff Broadstreet (2006).

Fazem parte do universo “Mortos”, com a legítima grife Romero, os longas Despertar dos Mortos (1978); Dia dos Mortos (1985); Terra dos Mortos (2005); Diário dos Mortos (2007) e A Ilha dos Mortos (2009).


O cinema de terror deve um tributo ao diretor George A. Romero. Mesmo sem o brilho de outros tempos, as últimas realizações do cineasta deixaram um caminho aberto, inspirando novas gerações e realizações de sucesso, como a série The Walking Dead, por exemplo.

Romero morreu em 16 de julho de 2017, aos 77 anos, em casa com a família, enquanto escutava a trilha sonora de um de seus filmes favoritos, Depois do Vendaval (1952) de John Ford.