O que os olhos não veem o coração não sente, diz o provérbio popular. Portanto, “corra”, “não, não olhe”. Este é o melhor conselho que “nós” podemos lhe dar, pois a ameaça do novo filme de Jordan Peele vem do espaço e pouco podemos fazer para escapar ileso. Com o lançamento de Não! Não Olhe! (Nope) o cineasta conclui seu tríptico revisionista das narrativas hollywoodianas, inserindo definitivamente seu nome na galeria dos mais destacados realizadores contemporâneos de gênero.
Localizado no Vale de Santa Clarita, nos arredores de Los Angeles, o Rancho Haywood dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) é uma herança do falecido pai, criador e domador de cavalos utilizados pela indústria cinematográfica em filmes e séries. Os negócios já não prosperam como nos velhos tempos. A economia mudou, Hollywood mudou. O passado é só uma lembrança nostálgica.
O protagonismo de elencos predominantemente negros é uma constante nos trabalhos de Jordan Peele, e aqui não é diferente. O contexto racial também está presente, ainda que mais atenuando do que em Corra, por exemplo. Protagonismo este que desta vez extrapola os limites do filme e se expande para o próprio Cinema como um todo. Isto se manifesta já nos primeiros minutos quando somos apresentados à história por trás dos pioneiros experimentos do fotógrafo Eadweard Muybridge. No final do século 19 ele registrou pela primeira vez um simulacro de movimento através das imagens – o que seria o protocinema – quando apresentou ao mundo uma série de fotografias de um cavalo montado por cavaleiro. Jordan Peele nos conta então, através da personagem Emerald, uma versão cheia de liberdades (que atende aos propósitos do diretor) de que aquele cavaleiro era um homem negro. Portanto, a primeira imagem em movimento de um ser humano foi protagonizada por um negro, porém, o apagamento histórico não permitiu o devido reconhecimento daquele personagem.
Nem seria necessário um olhar mais atento para percebermos que desta vez Jordan Peele está vivendo seu momento Shyamalan. No caso, é real e intencional a semelhança, reconhecida pelo próprio realizador que cita o cineasta de origem indiana como uma referência na concepção do filme, cujo roteiro é do próprio Peele.
Assista ao trailer: Não! Não Olhe!
Jorge Ghiorzi
Membro da ACCIRS