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segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

“A Última Noite”: o mal está lá fora

 


Os filmes de Natal são praticamente um gênero à parte. Feitos para divertir e despertar bons sentimentos, as produções natalinas invariavelmente apostam nas comédias leves, que cumprem seu principal propósito, que é o entretenimento. Porém, por vezes aparece uma “ovelha desgarrada” (rena seria mais apropriado?) que subverte as expectativas, oferecendo uma visão bem pouco otimista e reveladora dos verdadeiros sentimentos que ficam escondidos “debaixo do tapete”. A comédia de humor mórbido A Última Noite (Silent night) é a “rena pervertida” da temporada 2021.

O casal Nell (Keira Knightley) e Simon (Matthew Goode), juntamente com seus três filhos pequenos, dentre eles Art (Roman Griffin Davis de Jojo Rabbit), reúne um grupo de amigos para juntos celebrarem o Natal em sua propriedade no interior da Inglaterra. Aquela seria uma noite de muita alegria, presentes, taças de prosecco e... revelações. O que parecia ser o final de semana perfeito aos poucos se transforma em um encontro do mais puro terror quando uma inevitável tragédia mortal está chegando naquela que seria a última noite de todos.


O longa-metragem de estreia de Camille Griffin (também autora do roteiro) se equilibra naquela difícil tarefa de modular a comédia com o cinismo que contesta o socialmente correto nas convenções interpessoais e familiares. No primeiro ato somos apresentados a um divertido grupo de personagens de bem com a vida, bem humorados e descolados. Tudo leve e descontraído. Aos poucos surgem alguns sinais de que nem tudo é o mar de rosas que se apresenta ao primeiro olhar. Algo de tenebroso se esconde no subtexto, nas revelações e nas atitudes daquela gente.

Quem nos liga o alerta é o garoto Art, visivelmente desconfortável com o que está acontecendo além das paredes daquela casa/mansão. Ele – uma criança - é a única pessoa com os olhos realmente abertos para a trágica realidade que é passivamente aceita pelos adultos. Mais do que isso, ele é o único disposto a lutar e encontrar uma saída para o inevitável destino de todos. Assim, aos poucos, descobrimos que há algo mais além de uma alegre reunião de amigos. A verdadeira motivação para aquele encontro é o momento de virada na narrativa. E o riso, antes aberto e franco, fica amarelo e engasga na garganta.


Em certa medida a trama de A Última Noite traz uma metáfora e faz uma analogia simbólica com a pandemia que assola o mundo há quase dois anos. Personagens confinados se protegem do mal que está lá fora. Difícil também não lembrar do pesado drama Melancolia, de Lars von Trier, que aprofundava os temas filosóficos da humanidade frente à possibilidade do extermínio. O filme de Camille Griffin não avança tanto na abordagem, mas não deixa de ter sua contundência, porém, sem perder a ternura. O trato do tema é mais suave – afinal, trata-se de uma comédia – onde a realizadora demonstra um afeto incontido por suas personagens, pelos quais evidencia um olhar carinhoso e compreensivo, sem julgamentos morais.

Pouco importa a origem, as razões e a história da ameaça que faz daquela noite de Natal a última noite de todos. O que o filme propõe é uma reflexão sobre nossas escolhas (pessoais e coletivas) e como agimos e reagimos em momentos extremos. A Última Noite traz leveza na abordagem de uma situação limite, conseguindo cativar a atenção e envolver a audiência.

Assista ao trailer: A Última Noite

 

Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS

quarta-feira, 21 de julho de 2021

“Um Lugar Silencioso – Parte II”: poucas palavras, muita tensão


Lançado em 2018, num tempo pré-pandêmico, Um Lugar Silencioso se mostrou um aclamado thriller que mixava de forma eficiente o terror com o suspense, tendo como cenário um mundo pós-apocalíptico. A direção era assinada por um improvável John Krasinski, muito conhecido pelo papel de Jim Halpert na série The Office, cujas poucas experiências de direção, até então, se situavam no terreno da comédia.

Então, chegou o ano de 2020. O planeta ficou ameaçado pelo coronavírus. É mundo real, não ficção. Imediatamente uma nova chave de compreensão e analogia foi agregada para a análise do filme de três anos atrás. A decisão de desenvolver uma continuação da história foi certamente impactada por este novo momento. O entendimento da narrativa então se processa com este novo registro em nossa mente.


Um Lugar Silencioso – Parte II (A Quiet Place – Part II), igualmente escrito e dirigido por Krasinski, abre com duas linhas narrativas. Inicialmente temos um prólogo, que se passa no Dia 1, aquele que deu origem à invasão das terríveis criaturas alienígenas, ainda que nada fique suficientemente explicado. Então, logo na sequência, somos jogados exatamente ao ponto em que encerrou o filme anterior, quase um ano e meio a frente. Lembra daquele final aberto com a personagem de Emily Blunt engatilhando a arma? Esse é o momento de retomada da saga da família Abbott.

Evelyn Abbott (Emily Blunt) e os filhos, Regan (Millicent Simmonds), Marcus (Noah Jupe) e o bebê que nasceu no final do filme anterior, prosseguem sua jornada silenciosa pela sobrevivência, em fuga da ameaça que espreita por todos os lados. A trajetória que se assemelha a um road movie, que se guia por uma tensão constante que alterna movimento e confinamento, silêncio e ruídos extremos, tensão e relaxamento, isolamento e interação social, desafio e superação pessoal. Os personagens, todos, apresentam um arco narrativo bem estabelecido, o que contribui decisivamente para a coesão da história e acentua valores individuais da família nuclear. Um Lugar Silencioso – Parte II expande o conceito original e abre possibilidades para novos personagens, como Emmett (Cillian Murphy), antigo amigo da família, e um sobrevivente do pós-apocalipse, vivido por Djimon Hounsou.


Ainda que a sequência apresente níveis de decibéis bem superiores nos efeitos sonoros, em oposição ao primeiro filme (quase um exercício de estilo na utilização do silêncio como artifício narrativo), o conceito original segue preservado e ainda é capaz de proporcionar momentos genuínos de medo e angústia.

Um Lugar Silencioso – Parte II se mostra uma sequência muito interessante e criativa, com um roteiro enxuto e edição eficiente, o longa deixa um caminho promissor para a inevitável (e necessária) sequência que certamente vem por aí.

Assista ao trailer: Um Lugar Silencioso – Parte II

Jorge Ghiorzi

sexta-feira, 28 de maio de 2021

“Aqueles Que Me Desejam a Morte”: chamas da vingança


Após uma década inteira que dedicou às produções voltadas para o público infanto-juvenil, com destaque para a famigerada Malévola, Angelina Jolie decidiu que era momento de retornar aos filmes, diríamos, “pra gente grande”. E o retorno se dá pelo caminho seguro do thriller de ação, gênero onde conquistou seus maiores êxitos de bilheteria com Tomb Raider, O Procurado, Sr. e Srª. Smith e Salt (vamos esquecer O Turista, ok?). E ainda vem Eternos por aí.

Assim chegamos até Aqueles Que Me Desejam a Morte (Those Who Wish Me Dead, 2021), onde Angelina apresenta seu lado mais crossfiteiro, com um papel que exige esforço físico, força e um tanto de violência. Tudo isto temperado com uma faceta maternal, de mãe zelosa pela prole em perigo. O perigo no caso é duplo: assassinos sanguinários e as chamas incontroláveis que consomem a floresta. E a citada prole é apenas uma metáfora, representada por um garoto de 12 anos perdido na mata após a morte do pai em circunstâncias trágicas.


Mas, vamos aos fatos. Hannah Faber (Angelina Jolie), bombeira florestal em Montana (EUA), marcada pela culpa por acontecimento fatal que resultou na morte de três crianças num incêndio, é designada para passar uma temporada solitária na torre de vigia que se ergue além do cume das árvores da região. Simultaneamente, uma dupla de assassinos elimina testemunhas de um grande caso de corrupção. Uma destas testemunhas eliminadas é o pai do garoto Connor, que assiste sua morte quando estão em viagem de carro pelas estradas da região. Após escapar do atentado ele vaga sem rumo pela floresta.

Neste ponto as duas linhas narrativas da história se cruzam. A dupla formada pela bombeira e o garoto precisa lutar pela sobrevivência para escapar, ao mesmo tempo, dos implacáveis assassinos e do gigantesco incêndio florestal. Salvar aquele garoto representaria uma expiação e redenção da culpa pelo trágico episódio do passado da personagem.


Baseado no livro de mesmo título de Michael Koryta - que, convenhamos, não é exatamente um título de apelo comercial para um filme - o longa tem direção do ator e roteirista Taylor Sheridan, que escreveu Sicário: Terra de Ninguém (Sicário, 2015) e A Qualquer Custo (Hell or High Water, 2016, indicado ao Oscar de Roteiro), e dirigiu também o ótimo Terra Selvagem (Wind River, 2017).


A narrativa de Aqueles Que Me Desejam a Morte tem como protagonista a personagem de Angelina Jolie. Mas este protagonismo é compartilhado com outros fortes personagens de destaque. Um deles é o Xerife Ethan interpretado por Jon Bernthal (de Baby Driver e da série O Justiceiro), a força policial do lado certo da lei e da justiça que se envolve na trajetória perigosa da bombeira Hannah. O outro destaque fica com a dupla de assassinos interpretados por Nicholas Hoult (Mad Max: A Estrada da Fúria) e, com potência assustadora, por Aidan Gillen, ator irlandês conhecido pelo papel do sinistro e maquiavélico Petyr Baelish em Game of Thrones.


A sensação geral é de que estamos diante de um thriller que optou pela trilha garantida de uma história de suspense convencional, sem ousadias e maiores pretensões. É uma produção que cumpre o combinado como entretenimento rápido, fácil e eficiente, sem ofender a audiência. Sheridan fez um filme que entrega o que promete. Certamente seria uma produção de sucesso nas antigas locadoras como atrativo disputado de final de semana. Aliás, em termos mais amplos o filme emula exatamente isto, o retorno a um formato padrão de entretenimento com cara de anos 80 e 90. O tema do “garoto-testemunha-chave-de-um-rumoroso-caso-de assassinato” está longe de ser original. Já foi, dentre outros, plot básico de pelo menos dois clássicos daquele período: A Testemunha, dirigido por Peter Weir em 1985, com Harrison Ford, e  O Cliente, de Joel Schumacher, estrelado por Tommy Lee Jones e Susan Sarandon em 1994.

Assista ao trailer: Aqueles Que Me Desejam a Morte

Jorge Ghiorzi