Nascido no início do Século XX, Luis Buñuel marcou como poucos um lugar na história do cinema mundial. Criado em uma família religiosa de posses, quando jovem foi preparado para viver uma vida religiosa. A perda da fé veio cedo, aos 15 anos, e tornou-se “ateu, graças a Deus”, como bem se definiu numa das declarações mais icônicas de sua personalidade. Antes de se encontrar atrás das câmeras, Buñuel foi boxeador, músico e poeta. Em Paris, seduzido pelos artistas de vanguarda, particularmente os surrealistas, Luis Buñuel descobriu o cinema. Ateu, rebelde, anarquista, encontrou no cinema seu veículo de expressão artística. Para ele os filmes eram pretexto para expressar suas verdadeiras convicções. Ou melhor, reforçar e explicitar sua vocação para contestar o conformismo social e seus padrões de comportamento ditados por uma moral burguesa que Buñuel nunca aceitou plenamente.
Se como cineasta sua mise en scène, ou mesmo
a direção de atores, não eram exatamente um primor, o mesmo não se pode afirmar
em relação a sua habilidade em provocar as plateias. Isto por conta de seu
indisfarçável prazer em chocar a moral da sociedade cristã ocidental. Neste
aspecto devemos ter em mente uma particularidade do “estilo Buñuel”. Ele nunca
abriu mão do bom humor, proveniente das inusitadas (e surrealistas) situações
onde jogava seus personagens.
Descrente convicto, Luis Buñuel era
um cineasta constantemente preocupado com as questões religiosas. Não
exatamente para fazer sua apologia. Seu desejo na verdade era confrontar
constantemente os dogmas cristãos e buscar a reflexão através das contradições
éticas e morais que a religiosidade impõe aos fiéis. A exacerbação deste conflito
aproxima o cineasta espanhol do surrealismo e do nonsense. Seus filmes subvertem o status quo da sociedade colocando em cheque seu
conformismo. O cineasta não apresenta respostas. Pelo contrário, provoca as
questões mais seminais. Uma revisão histórica de seus filmes comprova que
Buñuel era um ateu atormentado por dúvidas existenciais que expiava através dos
filmes, que em sua grande maioria eram vistos como anticlericais.
Em certa medida Luis Buñuel sempre
foi um cineasta em busca de uma pátria. Descobriu o cinema na França.
Conquistou prestígio (e escândalo) com os primeiros trabalhos na Espanha.
Proibido e perseguido, foi passar uma temporada nos EUA, onde fez estágio na
MGM. Foi expulso de Hollywood e caiu no ostracismo por mais de uma década.
Passou uma temporada no México onde deu um reinício na carreira, dirigindo
produções baratas com alto teor de crítica social. Depois retornou à Espanha,
onde viveu um período e glória e consagração mundial. Nesta fase final carreira
venceu o Festival de Cannes (Viridiana)
e levou um Oscar de Filme Estrangeiro (O
Discreto Charme da Burguesia).
“Anarquista, graças a Deus”. “Ateu,
graças a Deus”. Luis Buñuel foi um cineasta não conformista, jamais abriu mão
de suas convicções. Ainda que por vezes nem ele próprio soubesse quais eram.
Seu olhar crítico incomodou a Igreja, os políticos, a sociedade, a burguesia.
Enfim, tudo que aí está. Cineasta dominado pelo sonho e a memória, Buñuel nunca
abandonou a poesia, mesmo em seus momentos mais contundentes. Filmou os
humildes e cutucou os poderosos. Colocou os mendigos na sala de jantar e jogou
os ricos no ridículo. Luis Buñuel foi um realizador que nunca escondeu suas
contradições. Pelo contrário, fez delas a matéria prima de sua obra, uma das
mais influentes do primeiro século do cinema.
(Texto originalmente publicado no
site "Papo de Cinema" em junho de 2012)
Jorge Ghiorzi
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