O Cinema já produziu inúmeros ícones
que estão incorporados ao imaginário coletivo e integram o patrimônio cultural
de diversos países. Quando se fala de Japão, por exemplo, um ícone
cinematográfico se impõe por sua tremenda popularidade que ultrapassa as fronteiras
do país. Estamos falando do gigantesco e temível Godzilla. Sua origem (na
ficção) é pré-histórica. Mas, no mundo “real” dos filmes, ele está barbarizando
Tóquio e Nova Iorque, seus alvos preferenciais, há apenas 60 anos.
Godzilla surgiu no cinema em 1954,
numa produção da Toho Film. Aliás, esta estreia ocorreu apenas no Japão. A
verdadeira face (e nome) do monstro só ganhou repercussão mundial a partir da
versão norte-americana, lançada dois anos após (1956), com o título de Godzilla, O Rei dos Monstros
(também conhecido como Godzilla,
O Monstro do Mar). Tratava-se de uma americanização do filme
japonês original, com a montagem modificada e alterações de roteiro, que
introduziram na trama um personagem americano, interpretado pelo ator Raymond
Burr, fazendo o papel de um repórter.
O Godzilla, que na versão original
japonesa se chamava “Gojira”, uma mistura de Gorila com Kujira (“baleia”, em
japonês), foi criado pelo produtor Tomoyuki Tanaka; o especialista em efeitos
especiais Eiji Tsuburaya; os roteiristas Takeo Murata e Shigeru Koyama e o
diretor Ishiro Honda, que se notabilizou pela direção de vários títulos da
série. A ideia dos produtores da Toho Film era desenvolver seu próprio “filme
de monstro gigante”, gênero conhecido no Japão como “Kaiju Eiga” (Kaiju
Movies).
Reconhecidamente a inspiração maior
para a criação do monstro foi o temor das consequências da radiação nuclear
após o uso das armas atômicas. O lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e
Nagasaki, certamente faz parte do contexto da criação de Godzilla. Mas não foi
a única fonte de inspiração. No próprio ano de 1954 (menos de uma década após o
fim da Segunda Guerra Mundial) outro episódio terrível das consequências da
radiação chamou atenção da equipe de criação da Toho. No início daquele ano um
navio pesqueiro japonês se aproximou inadvertidamente do Atol de Bikini, onde
os EUA realizavam testes com bombas nucleares. De repente, um clarão surgiu no
horizonte e, logo após, uma chuva de cinzas começou a cair sobre o barco. Sem
saberem de nada, os pescadores foram expostos a altas taxas de radiação. Logo
começaram a surgir os primeiros sintomas: enjoos, queimaduras e sangramentos.
Ao retornar para o Japão, a tripulação do navio ficou confinada em quarentena.
Porém, o peixe capturado pelos pescadores foi comercializado normalmente, o que
ocasionou a morte de algumas pessoas, além de vários pescadores. Em lembrança a
esta tragédia, a cena de abertura do primeiro filme de Godzilla mostra um barco
sendo destruído pelo monstro. Uma metáfora poderosa para os perigos do uso das
armas nucleares e suas consequências.
Uma curiosidade da saga de Godzilla no
cinema é o fato de que o monstro surgiu nos filmes como um vilão da humanidade,
sempre disposto a arrasar com as metrópoles. No entanto, com o passar do tempo,
e suas várias reencarnações, o personagem (sim, ele era o verdadeiro
protagonista das histórias) foi demonstrando um poder cada vez maior de seduzir
as plateias, especialmente os jovens e crianças, chegando ao ponto de ser
apresentado em alguns filmes como o verdadeiro herói da história. Ainda que
este herói tenha a aparência horripilante de um dinossauro mutante, com corpo
de um Tiranossauro, os braços de um Iguanodonte e barbatanas dorsais de um
Estegossauro. Com algumas variáveis aqui, outras ali, esse é o visual clássico
do Godzilla ao longo dos seus 60 anos de vida.
Olhando com os olhos de hoje, não
podemos deixar de constatar a precariedade dos efeitos especiais dos primeiros
filmes da saga. No entanto, é justamente aí que reside grande parte do charme
destes filmes que fizeram a alegria das matinés de muita gente. Antes da
chegada dos efeitos de computação gráfica (CGI), utilizados em larga escala
após a segunda metade dos anos 90, todos os filmes de Godzilla utilizaram a
velha técnica de "suitmation", que consiste em colocar um ator dentro
de uma fantasia articulada feita de látex. Para completar a magia do cinema, e
dar a verdadeira dimensão do monstro, bastava colocar no set de filmagem
pequenas maquetes reproduzindo os prédios, as pontes e os monumentos da
realidade.
Entre produções memoráveis, e outras
tantas esquecíveis, já foram produzidos cerca de 30 filmes do Godzilla. Suas
reencarnações são regulares, seja no cinema japonês, seja no norte-americano. A
novíssima versão, com os requintes da tecnologia digital 3D, está chegando às
telas com uma missão: apresentar às novas gerações, que dominam as salas de
cinema, um senhor monstro que apavora as plateias há 60 anos. Que a honra de
uma tradição seja mantida.
(Texto originalmente publicado no
portal "Facool" em maio de 2014)
Jorge Ghiorzi
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