A projeção econômica e cultural da
Coréia do Sul é um fato. Isto pode ser claramente comprovado quando lembramos
de duas fortes marcas genuinamente coreanas: a K-Pop (a música pop local), cujo
astro maior é Psy, e a gigante da tecnologia Samsung. Mas, esta invasão coreana
também se dá no campo do Cinema. É crescente a presença de filmes e cineastas
sul-coreanos nos principais festivais internacionais de cinema. O Ocidente
abriu as portas para a produção cinematográfica da Coréia do Sul, que, graças
ao talento, a criatividade e a ousadia dos seus realizadores assume a posição
invejável de bola da vez no cenário do cinema mundial. A grande visibilidade e
exposição das produções já foi captada pelo radar de Hollywood, que se
movimenta para seduzir os principais cineastas para filmar na terra do Tio Sam.
Neste típico movimento de
canibalismo de cinematografias internacionais, Hollywood importa diretores e
roteiros. Alguns dos filmes de maior êxito do cinema sul-coreano recente estão
sendo refilmados nos Estados Unidos, com elenco e diretores norte-americanos.
Um exemplo é o recente remake de Old
Boy, que foi realizado por Spike Lee. A versão original, dirigida
por Park Chan-wook, faz parte da chamada “Trilogia da Vingança”, da qual trataremos
mais logo adiante. O próprio Chan-wook já teve uma passagem recente pelos
Estados Unidos, onde dirigiu Segredos
de Sangue (Stoker), com Nicole Kidman no elenco.
Além de Park Chan-wook (talvez o
cineasta coreano mais celebrado da atualidade), outros dois realizadores
asiáticos também se aproximaram de Hollywood. Um deles é Kim Jee-woon, que
dirigiu Arnold Schwarzenegger e o brasileiro Rodrigo Santoro no filme de ação O Último Desafio (The
Last Stand). O outro é Joo-ho Bong, que realizou a ficção científica Expresso do Amanhã (Snowpiercer),
com elenco norte-americano: Jamie Bell e Chris Evans (o Capitão América).
Então, fica a questão: por que o
cinema coreano está atraindo tanta atenção e interesse? Possivelmente o ponto
de virada nessa história tenha ocorrido no Festival de Cannes de 2004. Naquele
ano o júri, presidido por Quentin Tarantino (um entusiasta do cinema asiático /
oriental), foi tomado de assalto pelo impactante Old Boy, uma visceral história de vingança
narrada com estilo, brutalidade, poesia e violência. Uma receita incomum, mas
que, quando conduzida com talento, resulta em obras de referência, que marcam
seu tempo. Agraciado com o Grande Prêmio do Júri de Cannes, Old Boy era o segundo filme da “Trilogia da
Vingança”.
Trilogia da Vingança
A cinematografia coreana dos anos
2000 seduziu público e crítica no Ocidente por sua ousadia estética e a criatividade
dos roteiros. Grande parte deste frisson foi provocada pela “Trilogia da
Vingança”, dirigida por Park Chan-wook, composta pelos filmes Mr. Vingança (Sympathy for Mr. Vengeance, 2002); Old Boy (Old Boy, 2003) e Lady Vingança (Sympathy for Lady Vengeance, 2005). Nestes
trabalhos o cineasta confirma as razões pelas quais é chamado de “Tarantino
asiático”. Cineasta de perfil cult e pop, nos três filmes Chan-wook evidencia
sua peculiar forma de contar histórias de violência e vingança, com muito estilo
e surpresas constantes no ritmo da narrativa e na trajetória dos personagens.
Os três filmes não tem relação alguma entre seus universos. São histórias
distintas, porém, com um tema comum: a vingança. De diferentes formas, por
diferentes razões e diversos personagens, a vingança é a força que move seus
protagonistas.
O apelo ao humor negro e o bizarro
por vezes marca presença, onde a violência extremamente gráfica convive com
momentos contemplativos. Tudo num ritmo que por vezes provoca estranhamento e desconforto
no espectador.
O primeiro capítulo da trilogia é Mr. Vingança que narra a história de um jovem
surdo-mudo, que cuida da irmã, que precisa de um transplante de rim. Após ser
demitido e enganado, decide sequestrar a filha do ex-patrão. Mas nem tudo sai
como o planejado. Um acidente fatal provoca uma reviravolta. No terceiro ato a
história que muda de ponto de vista, e o protagonista passa a ser o pai
(ex-patrão do jovem) que assume uma missão de vingança pessoal, que
desencadeará uma espiral de sangue e violência.
A história de Old Boy, segundo
capítulo da trilogia, inicia em 1988, quando o personagem central, casado, pai
de uma garotinha de três anos, é preso por 15 anos, por razões desconhecidas.
Inclusive por ele próprio. Sem contato com o mundo exterior, sua vida entra em
parafuso. Certo dia, de surpresa, ele é libertado. Sem rumo e desorientado, sua
única forma de entender o mundo é buscar os responsáveis por sua prisão. Nesta
busca se defrontará com uma terrível revelação.
Fechando a trilogia está Lady Vingança. Como o
próprio nome indica, desta vez a protagonista é uma mulher. No caso, uma jovem
de 19 anos que foi condenada a 13 anos de prisão pelo sequestro e assassinato
de um menino de seis anos. Após sair da cadeia ela coloca em prática seu plano de
vingança contra o verdadeiro culpado pelo assassinato da criança. Mais uma vez,
no terceiro ato do filme Park Chan-wook nos oferece um banho de sangue.
Embora os três filmes não tenham uma
relação maior entre si, o fato é que eles formam um poderoso painel da
violência que é inerente ao ser humano. Narrados com muito estilo e
criatividade, os filmes da trilogia reforçam o prestígio que o cinema da Coréia
do Sul vem conquistando nos últimos anos. Então, fica a dica: se você quer
conhecer um cinema vigoroso, que sai do lugar comum, e surpreende a cada
sequência, a Trilogia da Vingança é a indicação.
Outros destaques do cinema coreano:
Ji-woon Kim:A
Tale of Two Sisters; I
Saw the Devil; The
Good, the Bad and the Weirde; O
Gosto da Vingança (A
bittersweet life).
Kim-ki Duk: Primavera,
Verão, Outono, Inverno e Primavera; Casa Vazia; Time: O Amor Contra a Passagem do Tempo.
Chang-dong Lee: Peppermint
Candy; Oasis;
Secret Sunshine;
Poesia.
Hong-jin Na: O
Caçador (The Chaser); The
Yellow Sea.
Joon-ho Bong: Barking
Dogs Never Bite; Memórias
de um Assassino; Mother:
A Busca pela Verdade; O
Hospedeiro.
(Texto originalmente publicado no
portal "Facool" em fevereiro de 2014)
Jorge Ghiorzi
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