sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

"Capitão Phillips": Davi contra Golias em alto-mar


Em tempos de domínio absoluto das produções de super-heróis, é um alento constatar que Hollywood ainda produz filmes como Capitão Phillips, dirigido por Paul Greengrass. A produção, estrelada por um Tom Hanks, é baseada em um caso real de ataque a um cargueiro norte-americano por piratas somalis, ocorrido em 2009. Daquele ataque resultou o sequestro do comandante do navio, Richard Phillips, tomado como refém e “moeda de troca” nas negociações.
A narrativa, que parte de um caso com alta voltagem dramática, assume características de um empolgante thriller de suspense. O diretor Paul Greengrass conquistou prestígio ao dirigir filmes tensos como Voo United 93 e dois episódios da série Bourne (“Ultimato” e “Supremacia”). Sua forma ágil, nervosa e tensa de filmar fez escola (redefinindo inclusive os novos filmes de James Bond, na fase Daniel Craig) e está toda lá em Capitão Phillips. Mas o realizador vai um pouco além e nos oferece um admirável estudo sobre liberdade, sobrevivência e, sim, geopolítica.
O líder dos esquálidos e famélicos piratas somalis, em dado momento, revela as razões que justificariam os ataques aos navios. Segundo seu discurso a fome do povo da Somália é consequência da exploração capitalista exercida pelas grandes nações. Uma desculpa um tanto romântica, para não dizer ingênua, que esconde as verdadeiras motivações monetárias de um crime disfarçado de “ato político”. Na situação de guerra civil latente do país, desempregados somalis são convocados a pegar em armas para atacar navios aleatoriamente. A missão: confiscar o máximo que pudessem (dinheiro, carga, etc.). Deste embate de desigualdades revela-se uma tragédia anunciada. De um lado um grupo reduzido de “piratas” armados com velhos rifles enferrujados, de outro todo o poderio bélico e tecnológico da Marinha dos EUA. Em essência Capitão Phillips mostra um choque de forças desiguais que reflete o desequilíbrio social e político entre as nações.
Estas são questões de fundo do longa de Paul Greengrass, que, no entanto, só revela sua essência quando reduz o foco de interesse para o elemento humano. O confronto direto dos dois protagonistas, o líder dos piratas e o capitão Phillips, no apertado e claustrofóbico ambiente do bote salva-vidas, revela as verdadeiras motivações de ambos, que se desnudam diante de uma situação limite. Nestes momentos Tom Hanks, até então apenas correto, nos oferece um desempenho arrebatador que culmina na comovente sequência no pequeno ambulatório onde trata dos ferimentos do corpo e da alma. Após momentos de violenta tensão, a fortaleza emocional do personagem de Hanks desaba em cena, e com ele desabamos também todos nós. Só por estes poucos minutos de intensa entrega emocional, Tom Hanks possivelmente receba uma (merecida) indicação ao Oscar. Final digno de um belo thriller de ação com cérebro e sentimento.
(Texto originalmente publicado na revista "Voto" em novembro de 2013)
Jorge Ghiorzi

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