A chamada Era
Disco gerou pelo menos dois grandes filmes, ambos lançados no mesmo ano de
1977. O primeiro deles é um paradigma do gênero: Os Embalos de Sábado à Noite, de John Badham. O outro é À
Procura de Mr. Goodbar (Looking for Mr. Goodbar), dirigido pelo, já à
época, veterano Richard Brooks (Sementes
da Violência; Gata em Teto de Zinco
Quente; Lord Jim e A Sangue Frio). A febre das discotecas,
que pregava alegria e liberdade nas pistas de dança, é a face superficial
exibida pelos dois filmes setentistas. Ambos, no entanto, mergulham em níveis
mais profundos das inquietações de seus protagonistas. A exuberância da trilha
sonora de Os Embalos de Sábado à Noite
leva muita gente a pensar – erroneamente – apenas na mensagem hedonista
transmitida pelo personagem Tony Manero, papel que revelou John Travolta. Na
verdade há um submundo interior do personagem em constante conflito, que em
dado momento se contrapõe àquele mundo superficial. Ao fim, estamos na verdade
diante de um filme essencialmente amargo.
Em À Procura de Mr. Goodbar este mergulho
interno também está presente, mas em nível infinitamente mais profundo e
perturbador. O peso de realismo que o filme de Richard Brooks traz é decorrente
do fato de que a história é baseada em fatos verídicos, relatados em romance best-seller da época (lançado no Brasil
com o título “De Bar em Bar”), que recriou um caso real ocorrido nos anos 50. A
personagem central seria - forçando um paralelo - uma espécie de versão hard,
radical, de Tony Manero, que traz ainda, como carga adicional, toda a
complexidade feminina no contexto da década de 70, em pleno auge do movimento Women’s Lib, que pregava a libertação
das mulheres.
O nome dela é
Theresa Dunn (magnificamente interpretada por uma surpreendente Diane Keaton),
uma dedicada professora que durante o dia trabalha em uma escola para
deficientes auditivos. À noite, ela assume o outro lado da sua personalidade,
percorrendo bares, casas noturnas e discotecas de Nova Iorque em busca de
insaciáveis e inconsequentes aventuras amorosas, como se não houvesse amanhã.
Mas, no dia seguinte, às 7h30 o alarme do despertador sempre toca, avisando que
a vida real está chamando. Dividida entre dois mundos ambivalentes, Theresa
carrega uma barra pesada, construindo uma jornada decadente de autodestruição
turbinada com muita bebida, drogas e sexo.
Pérola um tanto
esquecida dos anos 70, À Procura de Mr.
Goodbar não foi exatamente um êxito em seu tempo e não encontrou aderência
do grande público. Razões para isso são facilmente identificáveis. Apesar do
ambiente descontraído das discotecas e da trilha sonora recheada de sucessos, o
filme de Richard Brooks pega pesado e joga na cara do espectador uma história que
tangencia a sordidez, cuja protagonista marcha rumo ao abismo a olhos vistos. A
desilusão é um sentimento presente em todo o filme, expressando o momento
particular do Zeitgeist – espírito do tempo – manifestado pela ressaca moral da
sociedade norte-americana, pós Guerra do Vietnã.
A tortuosa
personalidade de Theresa Dunn foi fruto de uma infância e adolescência marcada
pela doença (ela sofria de escoliose severa), fato que resultou a dolorosos
tratamentos e cirurgias que a deixaram imobilizada por longos períodos. Ou seja,
a professora era uma pessoa marcada pela dor, que deixou marcas reais na pele
(cicatrizes pelo corpo) e marcas metafóricas na psique (distúrbio de
personalidade). Após uma adolescência confinada e reclusa, quando adulta busca
uma espécie de compensação, vivendo com intensidade uma sexualidade tardia.
O vazio
existencial de Theresa é preenchido por noites solitárias em bares mal
frequentados lotados de fumaça, embalados por álcool e figuras insuspeitas, tão
perdidas quanto ela própria. Um encontro de desesperançados na iminência de um
destino trágico. Há uma afirmação feminina na atitude da professora, libertada
do controle familiar e das convenções sociais. Após o término de um relacionamento
tóxico e abusivo com seu professor, ela se descobre uma pessoa incapaz de construir
relações sólidas e duradouras. Este foi o gatilho da nova vida paralela, onde a
conquista da liberdade sexual é a única forma que encontra para aplacar a dores
da alma.
À Procura de Mr. Goodbar é doloroso na
descrição de uma personagem fragmentada. O olhar de Richard Brooks é simultaneamente
íntimo (por vezes) e amoroso (quase sempre). Um olhar furtivo e voyeur que se alterna entre os
inferninhos de Nova Iorque e o apartamento mal iluminado e depressivo de
Theresa Dunn, onde recebe seus amantes de ocasião. Compartilhamos suas
angústias e nos identificamos com sua dor, mas lamentamos a tragédia que se
desenha, passo a passo.
Impossível falar
deste filme sem destacar o desempenho visceral de Diane Keaton, que se entrega
com intensidade a um papel ousado, sem rede de proteção. Recém saída das primeiras
parcerias com Woody Allen, especialmente de Annie
Hall (realizado no mesmo ano), pelo qual recebeu o Oscar de Atriz, nada
fazia esperar que atriz fosse capaz deste mergulho em um tipo de papel
totalmente inesperado para quem estava conquistando reconhecimento em filmes de
comédia. Certamente este foi o fator que a fez aceitar o desafio de interpretar
a personagem de Theresa Dunn: fugir do estereótipo. O resultado excepcional foi
um atestado de seu talento como atriz, que a levaria para outros destinos na
carreira.
No quesito elenco,
o filme de Richard Brooks ainda apresenta um novato Richard Gere, em um de seus
primeiros papéis no cinema, vivendo um dos parceiros da protagonista. Neste
pequeno papel Gere já apresenta os trejeitos e maneirismos interpretativos que
marcaram o início da sua carreira, particularmente em Gigolô Americano e A Força de
um Amor (a refilmagem de Acossado de Godard).
À Procura de Mr. Goodbar é um filme a ser
redescoberto.
Assista ao trailer: À Procura de Mr.
Goodbar
Jorge Ghiorzi /
Membro da ACCIRS
janeladatela@gmail.com
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