Aparentemente há em curso um revival de adaptações
cinematográficas de clássicos da literatura francesa. A novidade é a origem
nacionalista destas adaptações. Por décadas Hollywood produziu inúmeras
reinterpretações de obras de grandes escritores franceses, muitas delas
permanecendo até hoje no imaginário popular como as versões definitivas. A
novidade no movimento atual é que as novas adaptações que estão chegando aos
cinemas são produzidas na própria França, assegurando desta maneira, além da
língua nativa, um olhar mais condizente com o contexto territorial da origem
das obras. Assim foi com as duas recentes adaptações de Os Três Mosqueteiros
transformados em um díptico com ares de superprodução revisionista por
respeitarem a obra original: D’Artagnan e Milady (ambos de 2023).
Parte da equipe criativa por trás destes dois
filmes está de volta com mais um projeto baseado na obra de Alexandre Dumas. A
dupla de roteiristas de D’Artagnan e Milady desta vez assume a
posição de realizadores. Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte
assinam a direção de O Conde de Monte Cristo (Le Comte de
Monte-Cristo, 2024). Retomando aquela questão das adaptações norte-americanas,
é bastante provável que a adaptação mais popular e presente na mente das
pessoas seja a versão de 2002, dirigida por Kevin Reynolds (Robin Hood: O
Príncipe dos Ladrões e Waterworld) e estrelada por Jim Caviezel, Guy
Pearce e Henry Cavill.
A versão 2024 reforça o caráter de aventura
épica que fez a fama do romance de Alexandre Dumas. O filme acompanha Edmond
Dantès (Pierre Niney) um jovem marinheiro que sofre uma trágica injustiça no
dia de seu casamento. Ele é preso devido a uma conspiração organizada pelos
seus supostos amigos, que o acusam de espião aliado a Napoleão Bonaparte. Enclausurado
no sinistro Château d’If, Edmond acaba conhecendo no cárcere, como vizinho de
cela, um abade que relata uma mirabolante narrativa a respeito de um gigantesco
tesouro escondido. Após 14 anos (cerca de uma hora de tempo de tela) Edmond
consegue escapar da prisão e parte em busca da fortuna escondida. Torna-se rico
e poderoso, porém obstinado em castigar aqueles que o traíram. Reaparece na alta
sociedade parisiense como o misterioso e magnífico Conde de Monte Cristo com um
único objetivo: vingar-se daqueles que destruíram a sua vida.
Essencialmente O Conde de Monte Cristo
é uma história de vingança que transita por três blocos narrativos: injustiça,
penitência e redenção. O roteiro bem estruturado permite uma edição dinâmica,
ainda que não existam grandes cenas de ação, fator que proporciona a fruição da
história por três horas sem grande esforço por parte do espectador. Em termos
técnicos e artísticos (fotografia, figurinos, direção de arte) o filme da dupla
Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte é um deleite para os olhos e
garante um espetáculo em alta escala.
A ardilosa trama de vingança de Edmond
relembra, com a devida ressalva, as elaboradas tramas de filmes como Missão
Impossível, que envolvem trocas de identidades com personagens dissimuladas
que não são exatamente quem parecem ser. O que efetivamente exige uma boa dose
de suspensão de descrença por parte da plateia. A diferença fundamental entre as
artimanhas de Tom Cruise e a cruzada vingadora de Edmond, além dos 180 anos que
as separam, é a elementar ausência da tecnologia. No mais, a motivação, a
sagacidade, o ardil e a capacidade de iludir são exatamente iguais.
O formato aventuresco com grandes subtramas se
explica pelo fato de que O Conde de Monte Cristo foi publicado
inicialmente no formato de folhetim ao longo de dois anos (1844 a 1846). Os
ganchos dramáticos eram uma necessidade da estrutura da obra para garantir o
interesse dos leitores ao longo do tempo. Modelo semelhante às atuais
telenovelas e séries de TV. Portanto, uma adaptação cinematográfica
necessariamente teria de abrir mão parcial ou total de algumas destas tramas
paralelas sob pena de tornar inviável dramaturgicamente uma narrativa visual em
tempo razoável. Ainda assim, esta versão de 2024 é uma das adaptações mais
fiéis da obra original ao respeitar sua essência narrativa, permitindo desta
maneira um amplo alcance da totalidade da criação literária de Alexandre Dumas.
Grande e vigoroso, O Conde de Monte Cristo
percorre o caminho obstinado da vingança de Edmond com sobriedade e seriedade,
sem momentos de alívio cômico (como as versões recentes de Os Três
Mosqueteiros) que afastem o propósito da condução da história, que em sua essência
foca sempre no destino trágico do protagonista. Bem produzida, bem interpretada
e bem dirigida esta versão captura a profundidade emocional do romance entregando
para o público contemporâneo a reinterpretação de um clássico.
Assista ao trailer: O Conde de Monte Cristo
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela