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sábado, 31 de agosto de 2024

Kill – O Massacre no Trem: passagem para a Índia

 

Em 2022 RRR: Revolta, Rebelião, Revolução estourou a bolha do mercado interno do cinema produzido na Índia e ganhou distribuição internacional. Conquistou prêmios mundo afora, inclusive o Oscar de Canção Original. Um ano depois, outra produção indiana conquista visibilidade no circuito exibidor mundial. Assim como o citado RRR, o aclamado filme de ação Kill – O Massacre no Trem (2023), de Nikhil Nagesh Bhat, também faz aquela mistura peculiar de ação e romance, uma fórmula recorrente na produção comercial audiovisual de língua hindi.

O cinema indiano, caracterizado pela grife Bollywood, é fortemente marcado pelo exagero, em variados aspectos: na interpretação, nas cores, nos clichês. Se a produção é romântica, por exemplo, pega forte e pesa a mão no tema. No entanto, se o propósito é a violência, não sobra pedra sobre pedra, a escalada é fora da curva em relação ao que o cinema ocidental costuma oferecer. Kill – O Massacre no Trem entrega tudo isso, em um filmaço de ação radical com um entrecho romântico típico de filmes da sessão da tarde.



O casal Amrit (Lakshya), soldado do exército, e Tulika (Tanya Maniktala) tem seu amor colocado à prova quando o pai da jovem escolhe um noivo para ela (conforme as tradições locais). Uma viagem de trem de Tulika e sua família para Nova Delhi é a oportunidade do casal para impedir o casamento arranjado. Mas, a viagem dos apaixonados se transforma em um inferno quando uma gangue de 40 ladrões armados com facas, liderados pelo violento Fani (Raghav Juyal), também embarca no trem para assaltar os passageiros. Então, Amrit precisa entrar em ação, para salvar a amada e sair vivo daquela perigosa armadilha sobre trilhos.

A trama básica de Kill é simples e direta. Há, no entanto, um subtexto de crítica social que expõe a tensão latente das castas indianas, que determinam papeis sociais de acordo com a origem. O confronto central no interior do trem coloca em lados opostos a elite dominante e os proletários de uma sociedade estratificada. No entanto, este aspecto não é suficientemente tratado. O roteiro passa ao largo, sem avançar na questão. A narrativa se concentra mesmo na catártica explosão de violência motivada por desejo e vingança, de ambas as partes do embate sangrento.



Os apaixonados Amrit e Tulika passam por uma provação, pois o sacrifício também faz parte do amor. O obstinado herói protagonista sofre mais das dores do amor impossível do que das dores das pancadas reais que recebe. Sua amada Tulika, apesar de se vestir como uma princesinha da Disney e fazer a figura clássica da donzela em perigo, vai um pouco além disso. Há espaço para sua personagem tomar atitudes e iniciativas que revelam sua força interior, não se deixando tomar pelo medo. Ou seja, estamos diante de uma personagem feminina que manifesta independência. Que sabe o que quer e age com autonomia, ainda que submetida às fortes tradições familiares do seu meio social.

Sabemos todos que no cinema um trem nunca é apenas um trem. É uma “personagem”. Raramente uma viagem de trem é algo corriqueiro nas telas. Há (quase) sempre um propósito de transformação, uma alteração de destino, um ponto de virada ou uma simbologia oculta. Kill, por sua ambientação, pode perfeitamente ser considerado um filme no conceito de huis clos. Uma vertigem de ação desenfreada, confinada no ambiente restrito de um trem de passageiros. Sem saída, até a resolução da trama.



Kill é um típico filme B (por sua temática e desenvolvimento simplista) produzido com recursos de blockbuster. A produção apresenta uma excelência técnica, da montagem à trilha sonora, da edição de som às criativas soluções das coreografias das lutas. Mais radical e empolgante do que o thriller de ação Trem-Bala (com Brad Pitt) e a aventura distópica Expresso do Amanhã, apenas para ficarmos com dois filmes que concentram sua ação em um trem em movimento, Kill é adrenalina pura do início ao fim.

Kill – O Massacre no Trem é vigoroso, implacável e furioso. Uma agradável surpresa, que pode, sem nenhuma concessão, ser considerado um dos melhores filmes de ação dos últimos tempos. Aqui o trem não saiu dos trilhos, mas a ação descarrilhou. Sorte nossa. A diversão é garantida.

Assista ao trailer: Kill – O Massacre no Trem


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela