Em 2022 RRR:
Revolta, Rebelião, Revolução estourou a bolha do mercado interno do cinema
produzido na Índia e ganhou distribuição internacional. Conquistou prêmios
mundo afora, inclusive o Oscar de Canção Original. Um ano depois, outra
produção indiana conquista visibilidade no circuito exibidor mundial. Assim
como o citado RRR, o aclamado filme de ação Kill – O Massacre no
Trem (2023), de Nikhil Nagesh Bhat, também faz aquela mistura peculiar
de ação e romance, uma fórmula recorrente na produção comercial audiovisual de
língua hindi.
O cinema indiano,
caracterizado pela grife Bollywood, é fortemente marcado pelo exagero, em
variados aspectos: na interpretação, nas cores, nos clichês. Se a produção é
romântica, por exemplo, pega forte e pesa a mão no tema. No entanto, se o
propósito é a violência, não sobra pedra sobre pedra, a escalada é fora da
curva em relação ao que o cinema ocidental costuma oferecer. Kill – O Massacre
no Trem entrega tudo isso, em um filmaço de ação radical com um entrecho
romântico típico de filmes da sessão da tarde.
O casal Amrit (Lakshya),
soldado do exército, e Tulika (Tanya Maniktala) tem seu amor colocado à prova
quando o pai da jovem escolhe um noivo para ela (conforme as tradições locais).
Uma viagem de trem de Tulika e sua família para Nova Delhi é a oportunidade do
casal para impedir o casamento arranjado. Mas, a viagem dos apaixonados se transforma
em um inferno quando uma gangue de 40 ladrões armados com facas, liderados pelo
violento Fani (Raghav Juyal), também embarca no trem para assaltar os
passageiros. Então, Amrit precisa entrar em ação, para salvar a amada e sair
vivo daquela perigosa armadilha sobre trilhos.
A trama básica de
Kill é simples e direta. Há, no entanto, um subtexto de crítica social
que expõe a tensão latente das castas indianas, que determinam papeis sociais
de acordo com a origem. O confronto central no interior do trem coloca em lados
opostos a elite dominante e os proletários de uma sociedade estratificada. No
entanto, este aspecto não é suficientemente tratado. O roteiro passa ao largo,
sem avançar na questão. A narrativa se concentra mesmo na catártica explosão de
violência motivada por desejo e vingança, de ambas as partes do embate
sangrento.
Os apaixonados
Amrit e Tulika passam por uma provação, pois o sacrifício também faz parte do amor.
O obstinado herói protagonista sofre mais das dores do amor impossível do que
das dores das pancadas reais que recebe. Sua amada Tulika, apesar de se vestir
como uma princesinha da Disney e fazer a figura clássica da donzela em perigo, vai
um pouco além disso. Há espaço para sua personagem tomar atitudes e iniciativas
que revelam sua força interior, não se deixando tomar pelo medo. Ou seja,
estamos diante de uma personagem feminina que manifesta independência. Que sabe
o que quer e age com autonomia, ainda que submetida às fortes tradições familiares
do seu meio social.
Sabemos todos que
no cinema um trem nunca é apenas um trem. É uma “personagem”. Raramente uma
viagem de trem é algo corriqueiro nas telas. Há (quase) sempre um propósito de
transformação, uma alteração de destino, um ponto de virada ou uma simbologia oculta.
Kill, por sua ambientação, pode perfeitamente ser considerado um filme
no conceito de huis clos. Uma vertigem de ação desenfreada, confinada no
ambiente restrito de um trem de passageiros. Sem saída, até a resolução da
trama.
Kill é um típico
filme B (por sua temática e desenvolvimento simplista) produzido com recursos
de blockbuster. A produção apresenta uma excelência técnica, da montagem à
trilha sonora, da edição de som às criativas soluções das coreografias das
lutas. Mais radical e empolgante do que o thriller de ação Trem-Bala
(com Brad Pitt) e a aventura distópica Expresso do Amanhã, apenas para
ficarmos com dois filmes que concentram sua ação em um trem em movimento, Kill
é adrenalina pura do início ao fim.
Kill – O Massacre
no Trem
é vigoroso, implacável e furioso. Uma agradável surpresa, que pode, sem nenhuma
concessão, ser considerado um dos melhores filmes de ação dos últimos tempos.
Aqui o trem não saiu dos trilhos, mas a ação descarrilhou. Sorte nossa. A diversão é garantida.
Assista ao trailer: Kill – O Massacre no Trem
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com /
jghiorzi@gmail.com
@janeladatela