Thriller de ação, sem muita ação, Caçador de Morte é um exemplar estranho
à produção dos filmes policiais produzidos por Hollywood nos anos 70. Cerebral
e contido, o filme de Walter Hill flerta abertamente com o cinema noir, ainda que a protagonista feminina não seja exatamente
uma femme fatale e os homens da trama
não pareçam especialmente envolvidos em dilemas morais.
Walter Hill vai direto ao ponto e simplifica a
narrativa, mas sem perder o senso de ritmo da trama. Os personagens principais,
por exemplo, não tem nomes. São chamados por suas funções. O protagonista é o
Motorista (Ryan O’Neal), habilidoso piloto de automóveis especializado em
dirigir carros para assaltantes e criminosos em fuga. Seu antagonista é o
Detetive (Bruce Dern), obsessivamente no rastro do piloto para capturá-lo,
custe o que custar. Completando o terceiro vértice de um triângulo está a
Jogadora (Isabelle Adjani), cúmplice e aliada do Motorista, constantemente
assediada pelo Detetive que deseja utilizá-la como isca para uma armadilha que
poderá levar o piloto para a prisão.
A presença da então jovem atriz francesa Isabelle
Adjani, absolutamente não convencional para um típico produto hollywoodiano, pode
parecer inicialmente um tanto decorativa. Porém, sua figura diáfana traz um
elemento extra de mistério e dissimulação que contribui decisivamente para o
clima estilizado à mise-en-scène
pretendida por Walter Hill. Algo que se aproximaria de uma narrativa distanciada,
associada ao que popularmente é chamado de “cinema europeu”. Há uma frieza nas
personagens, nos diálogos (com exceção, talvez, de Bruce Dern), nas interações
e no universo particular onde a trama se desenvolve. É como se tudo se passasse
dentro de uma bolha. Não há tramas paralelas, personagens secundários,
envolvimento com a cidade. Tudo é cenário para a encenação de uma clássica
história de gato e rato, enredados em seu próprio labirinto, movidos por regras
próprias, descolados do real.
Não conhecemos o passado do Motorista e do
Detetive. Não conhecemos suas verdadeiras razões. Presenciamos apenas um duelo
marcado por fortes motivações pessoais, ainda que desconhecidas do espectador.
Apenas podemos especular. Haveria um passado entre os dois? Uma vingança
pessoal? O que realmente estaria em jogo para tanta obstinação que ultrapassa
os limites da lei?
Sem dúvida estamos diante de uma relação
arquetípica com personagens simbólicos. Lembremos que o Detetive se refere ao
Motorista como o “Caubói”. Isto nos remete ao universo do Western, e nos dá
outra chave para o entendimento do alcance icônico da trama. Mudemos o cenário
da metrópole para o deserto do Grand Canyon e troquemos os cadilacs por
poderosos cavalos e estaremos diante de um clássico filme de bangue-bangue,
onde um bom duelo costuma colocar o mundo em ordem. Ou não.
Walter Hill é um diretor habilidoso, que transita
em diversos gêneros, mas sua carreira é por demais errante. Seu maior êxito de
crítica e prestígio de público é o cult Warriors
– Os Selvagens da Noite, realizado na sequência de Caçador de Morte. Dirigiu também a comédia policial 48 Horas, com Eddie Murphy, e Inferno Vermelho, com Arnold
Schwarzenegger. Atua também como roteirista, com destaque para o roteiro de Os Implacáveis, de Sam Peckinpah, e os
filmes da série Alien, dos quais
também é produtor.
Assista o trailer: Caçador de Morte
(Texto originalmente
publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em março de 2017)
Jorge Ghiorzi