“Tudo o que você precisa para fazer um filme é uma
arma e uma garota”, já dizia Jean-Luc Godard. Esta definição síntese contém os
elementos chaves que fizeram o sucesso de uma série de filmes que,
conscientemente ou não, levaram este conceito ao pé da letra. Uma arma em cena
significa conflito, disputa, ação. Uma mulher simboliza desejo, paixão,
sacrifício. Este tipo de pensamento misógino marcou a fase de ouro do chamado
“cinema noir”, que exibia na prática a receita formulada posteriormente por
Godard nos anos 60. Mais do que um gênero em si, o Noir era um estado de espírito do cinema. Um modo de ser e ver o
mundo, caracterizado pela dubiedade, dissimulação, caráter discutível e ética
flexível.
Cronologicamente produzido de forma mais regular na
metade do século XX (anos 40 e 50), o filme Noir,
de fato, sempre existiu, não se limitando, portanto, a um período específico.
Regularmente, até hoje, o cinema nos oferece obras que carregam fortemente o
espírito estético e moral daqueles filmes. Drive
(2011), de Nicolas Winding Refn, é um exemplo bem recente. Um mais antigo a ser
citado é Os Assassinos (The Killers), realizado por Donald (Don) Siegel
em 1964. Inspirado em um pequeno conto de Ernest Hemingway, esta produção é o
que se poderia chamar de “noir de raiz”, que substitui a magia do preto e
branco pelas cores vibrantes do Technicolor.
Em síntese o conto de Hemingway conta a história de
um homem, envolvido num assalto, que sabe que vai ser morto por assassinos de
aluguel, mas não tenta fugir. Nesta adaptação para o cinema, que é uma
refilmagem (em 1946 Robert Siodmark dirigiu uma primeira versão), o diretor Don
Siegel optou, acertadamente, em contar a história do ponto de vista dos
assassinos. Esta opção narrativa necessariamente desloca a ação e acrescenta
elementos de mistério e suspense, na medida em que os matadores (e nós também)
não sabem as razões do crime e não entendem a resignação passiva da vítima. A
descoberta da verdadeira história por trás de um crime comum passa a ser uma
obsessão dos assassinos, que vislumbram a possibilidade de ficar com o dinheiro
do assalto.
Tudo começa quando a dupla de matadores de aluguel,
interpretados por Lee Marvin e Clu Gulager (ambos excelentes em seus papéis),
invade uma escola para cegos com o objetivo de executar um professor (John
Cassavetes). Cumprem a missão com facilidade, pois o alvo não esboça qualquer
intenção de escapar. Isto intriga os matadores que decidem investigar a fundo a
história, que envolve um passado secreto do executado e seu algoz, o contratante
dos assassinos (Ronald Reagan, sim, o futuro presidente dos EUA). Esta busca
pelo passado mostra uma série de flashbacks
que vão desvendando as razões daquela morte. Personagens e histórias vão
surgindo em cena, esclarecendo pequenas partes de um intrincado quebra cabeças.
E, como todo noir que se preze, temos
também uma femme fatale, interpretada
por uma sedutora Angie Dickinson. Tudo não passava de um assalto a um caminhão
de transporte de valores que acabou em traição no grupo. A morte encomendada era
portanto apenas um acerto de contas. Mas, nada é tão simples como parece. Há
uma complexidade nas relações do trio John Cassavetes - Ronald Reagan - Angie
Dickinson, que remete para um desfecho inesperado.
Em Os
Assassinos já encontramos traços do estilo de Don Siegel que seriam uma constante nos filmes que
dirigiu ao longo dos anos (Meu Nome é Coogan; Os Abutres também tem Fome; O Estranho que Nós Amamos; Perseguidor Implacável; O Homem que Enganou a Máfia; O Telefone; Alcatraz, Fuga Impossível): economia de planos, precisão do
corte, diálogos curtos. Nada em excesso. Tudo funcional e preciso. O pupilo e
herdeiro Clint Eastwood, que muito filmou com Siegel, em sua carreira como
diretor segue a mesma cartilha do velho mestre, e costuma se dar muito bem.
A dupla de assassinos (Lee Marvin e Clu Gulager),
antes e depois do crime, conversam bastante, são irônicos, durões, dizem
banalidades, fazem coisas triviais do dia a dia. Enfim, até parecem gente bem
bacana. Isso por acaso lembra outra dupla famosa de assassinos? Que tal John
Travolta e Samuel L. Jackson em Pulp
Fiction? E mais, não seria nenhuma surpresa se a estrutura de flashback /
presente do mesmo Pulp Fiction fosse
uma inspiração de Quentin Tarantino a partir dos retrocessos e avanços da
narrativa de Os Assassinos.
Assista o trailer: Os Assassinos
(Texto originalmente
publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em fevereiro de 2017)
Jorge Ghiorzi
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