terça-feira, 1 de maio de 2018

“Arabesque”: mistério e bom humor


Os anos 60 foram o paraíso para as histórias de espionagem na ficção, seja na literatura ou no cinema. Nada a estranhar, afinal, vivia-se àquela época o auge da Guerra Fria entre as grandes potências, EUA e URSS. Aqueles foram tempos de surgimento e afirmação de autores célebres como Ian Fleming (“007”) e John Le Carré, cujas obras foram rapidamente adaptadas para o cinema. Sabidamente o mais celebrado dos espiões da ficção foi, e continua sendo, James Bond, verdadeiro ícone e inspiração para histórias do gênero há mais de 50 anos. O estrondoso sucesso dos filmes com as aventuras de 007 mostraram um caminho a ser seguido e serviram de modelo para uma séria de outras produções.

Um dos títulos que seguiu à risca este caminho foi a comédia de suspense Arabesque (Arabesque, 1966), dirigida pelo versátil Stanley Donen, responsável por clássicos estimados como Cantando na Chuva (1952) e Sete Noivas para Sete Irmãos (1954), e fracassos como Os Aventureiros do Lucky Lady (1975) e Feitiço do Rio (1984), seu último trabalho, parcialmente filmado no Rio de Janeiro.


Arabesque é sim um filhote dos filmes de James Bond, e para não deixar dúvidas sobre qual foi a fonte de inspiração, o longa de Stanley Donen já abre com créditos animados muito semelhantes, para não dizer iguais, aos dos filmes de 007. E isto tem uma explicação: o próprio criador das aberturas das aventuras do agente, o artista gráfico e designer Maurice Binder, foi convidado para animar também a abertura de Arabesque.

Mas, além de alguns outros aspectos básicos de uma narrativa de suspense tradicional, as semelhanças acabam por aí. A destacar a diferença fundamental do perfil do protagonista. Enquanto James Bond é um cara destemido, sedutor, bom de briga e obstinado, o herói de Arabesque é um sujeito pacato, desencanado, vacilante e um pouco atrapalhado, que acaba jogado no meio de uma conspiração internacional.

Este herói involuntário é o professor David Pollock (Gregory Peck), um especialista em hieróglifos arábicos da Universidade de Oxford. Graças a esta habilidade ele é recrutado pelo primeiro-ministro de um país do Oriente Médio para decifrar uma mensagem que pode revelar uma trama de assassinato. Para cumprir a missão, que aceita a contragosto, Pollock se infiltra na organização de um oponente do primeiro-ministro. Lá conhece a bela Yasmin Azir (Sophia Loren), que também parece interessada em resolver o mistério, que acaba se tornando sua aliada. Juntos precisam decifrar o enigma, escapar dos inimigos e evitar um atentado ao primeiro-ministro.


O professor Pollock encarna uma espécie de precursor do futuro professor especialista em simbologia Robert Langdon, criação do escritor Dan Brown (“Anjos e Demônios” e “O Código Da Vinci”). Com muito mais charme e bom humor, diga-se de passagem. E aqui está um dos destaques do filme de Stanley Donen. O encantador desempenho de Gregory Peck não deixa nada a desejar a um Gary Grant, por exemplo, especialista em papéis que exigem equilíbrio entre simpatia, elegância e descontração. E, claro, não podemos esquecer da parceira de Gregory Peck. A italiana Sophia Loren, esbanjando a beleza e sedução, também não deixa a desejar em seu papel de espiã / agente duplo dissimulada, digna das femmes fatales do cinema noir. A bela Yasmin Azir faz a cabeça e tira do prumo a fleuma britânica do professor Pollock, constantemente em dúvida sobre as verdadeiras intenções e objetivos de sua companheira de aventura. Em dado momento ele questiona: “Por que é sempre tão difícil acreditar em você?”.

A trama de Arabesque se movimenta a partir do clássico artifício de um “MacGuffin” (aquele objeto que todos desejam e deve ser encontrado a qualquer custo), que no caso é um pequeno pedaço de papel com a mensagem cifrada. Mas o que vale mesmo são as perseguições, fugas e ameaças que colocam em risco os heroicos protagonistas que agem apenas para que a justiça seja feita e os maus sejam punidos. A história, que inicia como uma clássica narrativa de suspense, tipo Hitchcock, logo muda de tom e se assume abertamente como uma comédia, que em alguns momentos chega a flertar com o gênero pastelão. A cereja do bolo são os diálogos elegantes, criativos, inteligentes e cheios de segundas intenções.


Arabesque foi realizado por Stanley Donen apenas três anos após Charada, também uma comédia de suspense e mistério, estrelada por outra charmosa dupla: Cary Grant e Audrey Hepburn. Donen acertou a mão nos dois filmes, títulos bastante representativos do cinema de entretenimento dos anos 60. Ambos são filmes que se assiste com prazer e deleite, não ofendendo a inteligência do espectador. Então, apague a luz e dê o play. E não esqueça do balde de pipocas.

Assista o trailer: Arabesque

(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em abril de 2017)

Jorge Ghiorzi

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