Os anos 60 foram o paraíso para as histórias de
espionagem na ficção, seja na literatura ou no cinema. Nada a estranhar,
afinal, vivia-se àquela época o auge da Guerra Fria entre as grandes potências,
EUA e URSS. Aqueles foram tempos de surgimento e afirmação de autores célebres
como Ian Fleming (“007”) e John Le Carré, cujas obras foram rapidamente
adaptadas para o cinema. Sabidamente o mais celebrado dos espiões da ficção
foi, e continua sendo, James Bond, verdadeiro ícone e inspiração para histórias
do gênero há mais de 50 anos. O estrondoso sucesso dos filmes com as aventuras
de 007 mostraram um caminho a ser seguido e serviram de modelo para uma séria
de outras produções.
Um dos títulos que seguiu à risca este caminho foi
a comédia de suspense Arabesque (Arabesque, 1966), dirigida
pelo versátil Stanley Donen, responsável por clássicos estimados como Cantando na Chuva (1952) e Sete Noivas para Sete Irmãos (1954), e
fracassos como Os Aventureiros do Lucky
Lady (1975) e Feitiço do Rio
(1984), seu último trabalho, parcialmente filmado no Rio de Janeiro.
Arabesque é sim um filhote dos filmes de James Bond, e para
não deixar dúvidas sobre qual foi a fonte de inspiração, o longa de Stanley
Donen já abre com créditos animados muito semelhantes, para não dizer iguais,
aos dos filmes de 007. E isto tem uma explicação: o próprio criador das
aberturas das aventuras do agente, o artista gráfico e designer Maurice Binder,
foi convidado para animar também a abertura de Arabesque.
Mas, além de alguns outros aspectos básicos de uma narrativa
de suspense tradicional, as semelhanças acabam por aí. A destacar a diferença
fundamental do perfil do protagonista. Enquanto James Bond é um cara destemido,
sedutor, bom de briga e obstinado, o herói de Arabesque é um sujeito pacato, desencanado, vacilante e um pouco atrapalhado,
que acaba jogado no meio de uma conspiração internacional.
Este herói involuntário é o professor David Pollock
(Gregory Peck), um especialista em hieróglifos arábicos da Universidade de
Oxford. Graças a esta habilidade ele é recrutado pelo primeiro-ministro de um
país do Oriente Médio para decifrar uma mensagem que pode revelar uma trama de
assassinato. Para cumprir a missão, que aceita a contragosto, Pollock se
infiltra na organização de um oponente do primeiro-ministro. Lá conhece a bela
Yasmin Azir (Sophia Loren), que também parece interessada em resolver o
mistério, que acaba se tornando sua aliada. Juntos precisam decifrar o enigma,
escapar dos inimigos e evitar um atentado ao primeiro-ministro.
O professor Pollock encarna uma espécie de
precursor do futuro professor especialista em simbologia Robert Langdon,
criação do escritor Dan Brown (“Anjos e Demônios” e “O Código Da Vinci”). Com
muito mais charme e bom humor, diga-se de passagem. E aqui está um dos
destaques do filme de Stanley Donen. O encantador desempenho de Gregory Peck
não deixa nada a desejar a um Gary Grant, por exemplo, especialista em papéis
que exigem equilíbrio entre simpatia, elegância e descontração. E, claro, não
podemos esquecer da parceira de Gregory Peck. A italiana Sophia Loren,
esbanjando a beleza e sedução, também não deixa a desejar em seu papel de espiã
/ agente duplo dissimulada, digna das femmes
fatales do cinema noir. A bela
Yasmin Azir faz a cabeça e tira do prumo a fleuma britânica do professor
Pollock, constantemente em dúvida sobre as verdadeiras intenções e objetivos de
sua companheira de aventura. Em dado momento ele questiona: “Por que é sempre tão difícil acreditar em
você?”.
A trama de Arabesque
se movimenta a partir do clássico artifício de um “MacGuffin” (aquele objeto
que todos desejam e deve ser encontrado a qualquer custo), que no caso é um
pequeno pedaço de papel com a mensagem cifrada. Mas o que vale mesmo são as
perseguições, fugas e ameaças que colocam em risco os heroicos protagonistas que
agem apenas para que a justiça seja feita e os maus sejam punidos. A história,
que inicia como uma clássica narrativa de suspense, tipo Hitchcock, logo muda
de tom e se assume abertamente como uma comédia, que em alguns momentos chega a
flertar com o gênero pastelão. A cereja do bolo são os diálogos elegantes,
criativos, inteligentes e cheios de segundas intenções.
Arabesque foi realizado por Stanley Donen apenas três anos
após Charada, também uma comédia de
suspense e mistério, estrelada por outra charmosa dupla: Cary Grant e Audrey
Hepburn. Donen acertou a mão nos dois filmes, títulos bastante representativos
do cinema de entretenimento dos anos 60. Ambos são filmes que se assiste com
prazer e deleite, não ofendendo a inteligência do espectador. Então, apague a
luz e dê o play. E não esqueça do balde de pipocas.
Assista o trailer: Arabesque
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em abril de 2017)
Jorge Ghiorzi
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