quarta-feira, 21 de novembro de 2018

“Corrida Silenciosa”: jardins do espaço


Em tempos de discussões sobre escassez de recursos naturais que assegurem a sustentabilidade da vida humana no planeta Terra é oportuno o exercício de olhar um pouco para o passado. Mais precisamente para 45 anos atrás. Naquela época foi lançado um filme de ficção científica cuja revisão faz total sentido nos dias de hoje. Em 1972 o longa Corrida Silenciosa (Silent Running) chegou aos cinemas num período muito emblemático. Vivia-se um período de pré-Crise do Petróleo (que estouraria pra valer um ano depois), com acalorados debates sobre fontes alternativas de energia que fossem sustentáveis com o meio ambiente. Foi nesse tempo que a consciência ecológica começou a ser difundida e incorporada pelas grandes massas, além dos ambientes acadêmicos e científicos.

Corrida Silenciosa, primeiro trabalho de direção de Douglas Trumbull, é um produto típico daquele momento. Escrito (entre outros roteiristas) por Michael Cimino (creditado como Mike), o filme é uma fábula ecológica que abraça a causa com paixão, idealismo e poesia.

Num futuro incerto, mas absolutamente plausível, as florestas e a vida selvagem foram extintas na Terra, vítimas dos efeitos climáticos combinados com a ação devastadora da exploração humana dos recursos naturais não renováveis. Os problemas de fome, desemprego e doenças estavam resolvidos. Porém, o fim do nosso bioma era uma questão de tempo. Para preservar o pouco do que ainda resta da flora e fauna uma frota de naves cargueiro carrega para o espaço os últimos exemplares de plantas, árvores e alguns poucos pequenos animais silvestres, confinados em gigantescas estufas com ambiente controlado. Uma espécie de Arca de Noé com florestas nativas. Um Éden bíblico.


A bordo de uma destas naves, chamada Valley Forge, está uma tripulação de quatro pessoas. Um deles é o botânico Freeman Lowell (Bruce Dern), um apaixonado pela natureza e grande entusiasta da missão espacial. Idealista, sonhador e cheio de boas intenções, Lowell está em constante atrito com seus companheiros de viagem. Indiferentes aos objetivos nobres do projeto, eles só pensam em acabar a missão e voltar logo para casa. E este momento chega quando o comando da missão na Terra decide abortar o projeto (por razões não esclarecidas) e ordena a destruição das cúpulas com os espécimes vegetais e animais preservados. Inconformado com o fim do projeto Lowell se rebela e decide agir por conta própria para salvar o que resta do seu sonho.

Corrida Silenciosa é um libelo ecológico que ainda faz total sentido nos dias de hoje. Aliás, muito mais sentido do que 45 anos atrás. Seu recado é claro e objetivo, ainda que por vezes demonstre alguma ingenuidade de propósitos. Como estrutura narrativa o filme de Douglas Trumbull se recente de uma trama mais elaborada e o conflito do protagonista, que se estende do início ao fim sem grandes questionamentos, deixa pouco espaço para explorar suas reais motivações. Nada sabemos de sua história, seu passado ou relações. Apenas somos apresentados à sua utopia, e com ela embarcamos em sua jornada pessoal. Vale atentar para o significado metafórico que se esconde sob o nome do personagem principal, Freeman, o “homem livre”.


Normalmente os filmes de ficção científica privilegiam a frieza dos cenários e a eficiência da tecnologia, quase sempre apresentando robôs e androides como personagens duros e sem emoção. Pois Corrida Silenciosa quebra esta regra. A bordo da Valley Forge, além dos quatro tripulantes, também há três pequenos robozinhos, responsáveis por pequenas tarefas de manutenção e reforma da nave. O detalhe é que esses simpáticos robozinhos são muito amigáveis com os seres humanos. Demonstram sentimentos e empatia por vezes até comoventes com seus “donos”. Criativos pelo design e convincentes em ação, os robozinhos são resultado de uma bem sucedida experiência de utilizar atores reais amputados (sem as pernas) para manipular e dar “vida” às máquinas.

Com sua mensagem explicitamente ecológica Corrida Silenciosa carrega ecos do espírito do movimento hippie que pregava (entre outras coisas) um retorno dos homens às coisas básicas da natureza. Este espírito meio “hiponga” se manifesta tanto pelos discursos de Lowell quanto por seu figurino. Mas o grande vínculo com o “flower-power”, sem dúvida, são as canções de Joan Baez que pontuam a narrativa em momentos chave.


Ao ser lançada em 1968, a ópera espacial 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, resgatou o interesse da ficção científica no cinema ao apontar as imensas potencialidades do gênero para além de uma mera aventura de entretenimento, como era usual até então. A ficção científica podia sim tratar de temas mais profundos, questionando a humanidade frente aos desafios de sua própria sobrevivência como espécie, sempre sob uma perspectiva filosófica. Corrida Silenciosa, lançado quatro anos após, é fruto direto da obra de Kubrick. Não apenas por tratar também de assuntos de fundo existencial, mas por uma outra questão mais objetiva. O supervisor dos inovadores efeitos especiais e fotográficos de 2001, Douglas Trumbull, estreou na direção de longas-metragens com esta produção que conquistou, ao longo dos anos, o status de filme cult.

Nunca é demais falar de ecologia. E o cinema sabe muito bem disso. Volta e meia os filmes de ficção científica voltam ao tema. Vale lembrar que em 2009 foi lançado Avatar, de James Cameron, que também tinha essa pegada ecológica, provando que o tema segue sempre atual e oportuno.

Assista o trailer: Corrida Silenciosa

      (Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em julho de 2017)

Jorge Ghiorzi

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