O movimento hippie,
quem diria, já é um cinquentão. O “verão do amor”, marco da proposta de mudança
de comportamentos apregoada pela juventude, aconteceu no distante ano de 1967
na icônica cidade de São Francisco, na Califórnia (EUA). A contestação aos
padrões sociais estabelecidos ganhava força através da cultura que conquistou
os corações e mentes dos jovens com um fortíssimo aliado: o rock. A liberdade
absoluta era um direito a ser exercido na plenitude. Sem limites. E de
preferência com flores (e algo mais) na cabeça. O cinema, é claro, não podia
ficar de fora daquela nova onda. Naquele período em particular surgiram muitos
filmes explorando aquele universo social e suas ideias. Ora tratando o tema com
interesse genuinamente sociológico, ora com algum caráter de exploração
gratuita ou cômica, ou ainda, na maior parte das vezes, apenas incluindo
personagens hippies na história para aproveitar o modismo e atrair público.
Um dos filmes mais
significativos e simbólicos daquele período foi realizado tardiamente, apenas
em 1971, por um diretor europeu, portanto, com um olhar estrangeiro, crítico e
não comprometido com aquele ambiente social dos Estados Unidos. O realizador
foi o checo (hoje naturalizado norte-americano) Milos Forman e o filme em
questão é Procura Insaciável (Taking Off). Esta foi sua primeira
realização em terras americanas, com a qual ganhou o Prêmio Especial do Júri do
Festival de Cinema de Cannes daquele ano. O projeto inicial de Forman ao viajar
para a América era filmar a peça “Hair”, de grande sucesso na época, mas o
projeto acabou sendo adiado, só concretizando-se oito anos depois, no final da
década de 70. Partindo de um roteiro original, escrito em parceria com
Jean-Claude Carrière, Milos Forman aborda em Procura Insaciável temas semelhantes e afins com Hair. Substancialmente o que diferencia
os dois filmes é a mudança de foco narrativo. Em Hair acompanhamos a trama pela ótica dos jovens, já em Procura Insaciável o eixo de interesse
se dá sob a perspectiva dos adultos, no caso, os pais da jovem influenciada
pelo universo da contracultura.
O modo de vida
hippie é envolvente e sedutor para os adolescentes presos às tradições sociais
das famílias conservadoras. É esta promessa de um mundo de liberdade que faz a
cabeça da jovem aspirante à cantora Jeannie Tyne (Linnea Heacock). Ao
participar, sem avisar aos pais, de uma audição para o elenco de uma produção
teatral (uma longa sequência inicial) a jovem fica fora de casa por muitas
horas. A ausência da filha faz os pais imaginarem que ela decidiu fugir de casa
para viver com os hippies. Ou, quem sabe, ela foi sequestrada por um bando
deles. Decididos a descobrir o paradeiro da filha, o casal Larry (Buck Henry) e
Lynn (Lynn Carlin) decide que eles próprios devem procurar por ela. Nesta busca
por bares e ruas da cidade conhecem outros pais em situação semelhante e se
envolvem numa viagem de descobertas pessoais que superam inclusive o desejo de encontrar
a própria filha.
Procura Insaciável retrata uma
espécie de ressaca do movimento hippie no início dos anos 70. O fim de um tempo
de utopia se aproximava e o movimento chegava num impasse por não propor
caminhos viáveis para alcançar resultados concretos e objetivos. Mas que deu
uma sacudida na sociedade ocidental, disso não há dúvida. Ao forçar os limites
comportamentais provocou reflexões mais do que oportunas. E a família
tradicional nunca mais foi a mesma. Milos Forman faz um retrato deste tempo de
mudanças e troca da guarda. O filme, que na essência mostra o choque de
gerações e suas respectivas visões de mundo, se constitui hoje num preciso
documento histórico.
A procura dos pais
pela filha os tira de um estado de letargia. Viver o mundo real além das
paredes confortáveis do lar seguro possibilita que eles “vejam” o mundo com
outros olhos. Mais do que isto na verdade. Permite que eles experimentem novos
desejos e sensações que estavam adormecidas, ou domesticadas em nome dos bons
modos de uma sociedade repressora e careta. Na prática eles descobrem um mundo
de liberdades que eles próprios reprimiam em sua filha. Milos Forman é
sarcástico e implacável com esta hipocrisia. O resultado é um riso amargo no
rosto do espectador.
Impossível ficar
impassível diante da impagável sequência de um grupo de pais tendo aulas de
como fumar um cigarrinho de maconha, ministrada por um expert no assunto, um
interno com problemas de dependência química. Rico em detalhes de como preparar
o baseado, passando pelos atos de acender e tragar a fumaça, a experiência
deveria ser importante para os pais realmente entenderem seus filhos. Se
entenderam realmente não se tem certeza, mas que o experimento foi um barato,
não resta dúvida.
Procura Insaciável é um registro histórico
também por mostrar na sequência inicial (da audição musical) duas artistas que
ganhariam notoriedade anos depois: a atriz Kathy Bates e a cantora Carly Simon.
Consta que a cantora Madonna (então com cerca de 10 anos de idade) disputou sem
sucesso um papel para participar desta sequência. E mais: Tina Turner aparece se
apresentando num show real filmado numa casa de espetáculos.
(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em julho de 2017)
Jorge Ghiorzi
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