domingo, 9 de setembro de 2018

“Mulheres Apaixonadas”: ciranda de amores e desamores


O escritor inglês D. H. Lawrence (1885 – 1930) é reconhecido por uma obra marcada essencialmente pela contundência de uma crítica social que, ao mesmo tempo em que contesta a hipocrisia moral da elite inglesa, aborda abertamente e sem pudor temas relacionados ao sexo e erotismo como um caminho de prazer rumo à libertação pessoal. Seu livro mais conhecido é o polêmico “O Amante de Lady Chatterley”, escrito em 1928. Acusado de pornográfico, o livro ficou proibido na Grã-Bretanha até os anos 60. E foi também apenas no final desta década que a obra do autor ganhou repercussão no cinema com a adaptação cinematográfica do livro “Mulheres Apaixonadas”, seu quarto romance.

Lançado em 1969, Mulheres Apaixonadas (Women in Love) foi dirigido pelo não menos polêmico cineasta inglês Ken Russell, provocativo e estiloso realizador de filmes como o drama religioso Os Demônios (1971); a ópera-rock Tommy (1975); as cinebiografias Lisztomania (1975) e Valentino (1977) e o sexo-thriller Crimes de Paixão (1984). A combinação entre D. H. Lawrence e Ken Russell tinha tudo para ser explosiva. E foi mesmo. Mulheres Apaixonadas foi imediatamente reconhecida como uma da mais fiéis transposições da literatura para o cinema. Mas o que mais chamou atenção de verdade, fonte de escândalo nos círculos mais conservadores, foi a franqueza da abordagem dos temas sexuais e relacionamentos amorosos. O tratamento aberto, ousado e despudorado, em níveis nunca vistos até então em produções de grande porte com estrelas de primeira grandeza no elenco, marcou época, chocou puritanos e rendeu discussões acaloradas na imprensa.


A época é os anos 20. O cenário é cidade mineira de Beldover, na Inglaterra. Os protagonistas são dois casais formados por pessoas de personalidades, temperamentos e objetivos de vida distintos. As mulheres são as irmãs Brangwen. Gudrun (Glenda Jackson), identificada com as artes e a cultura, é independente e crítica das regras sociais. Ursula (Jennie Linden) é uma jovem inocente e apaixonada, a procura de um príncipe encantado para viver a sonhada grande paixão. Elas são bem diferentes, mas algo as une: ambas estão em busca do amor, cada uma a sua maneira. Gudrun se envolve com o rico proprietário de minas de carvão, Gerald Crinch (Oliver Reed), um homem arrogante que considera o casamento apenas outra forma de exercer o seu desejo de poder e dominação. Ursula, por sua vez, acaba se relacionando com Rupert Birkin (Alan Bates), um inspetor escolar, sonhador, poético e admirador das belezas que a vida oferece. E amigo de Gerald.

Mesmo sendo um filme de época, em certa medida Mulheres Apaixonadas representa o espírito de efervescência cultural e contestação da época em que a produção foi filmada, a agitada swing London do final dos anos 60. O que, aliás, apenas reforça a ideia de que a obra de D. H. Lawrence, escrita há quase um século, estava à frente de seu tempo no que refere a comportamentos individuais mais libertários. O rompimento com as convenções sociais, um tema caro na obra do escritor, está presente com grande força na adaptação de Ken Russell. A proposta é quebrar as barreiras, incluindo as de classe. E isto fica muito bem representado pela “mobilidade social” das irmãs. Provenientes da classe proletária, as duas transitam livremente, e com muita naturalidade, diga-se, entre os dois mundos, o dos ricos da elite e o dos trabalhadores e operários de uma Inglaterra que vivia a industrialização das grandes cidades.


“Tente me amar um pouco mais e me querer um pouco menos”

Gudrun e Ursula são duas mulheres em busca de seu lugar no mundo, mas não a qualquer custo. Não cedem facilmente às convenções familiares, nem às expectativas do papel social que lhes parecia reservado na comunidade onde viviam. O comportamento livre que adotam, ao mesmo que afronta, atrai os homens a sua volta. “Eles” comandam, mas “Elas” é que conduzem o jogo da vida.

Aqui, vale um comentário para os homens da trama. Gerald e Rupert são dois personagens que na superfície parecem ser donos de seus destinos, mas frente às armadilhas do coração e da paixão revelam fragilidades internas. Certezas transformam-se em incertezas. Desnudam-se exibindo seus mais profundos sentimentos refreados. Ken Russell explicita esta situação com a polêmica (e famosa) sequência que mostra os dois nus praticando uma amigável luta livre sobre os tapetes de uma sala aquecida por uma lareira. Esta sequência em especial, mas em outras passagens também, parece indicar, com um grau de liberdade inesperado e inédito para a época, que haveria alguma paixão reprimida entre eles. As relações de Gerald e Rupert com suas respectivas mulheres sugerem então que não passariam de um artifício para afastá-los de uma homossexualidade latente e não consumada.


Mulheres Apaixonadas foi um filme moderno em seu tempo. Ainda hoje resiste como uma obra significativa e importante com seus questionamentos das convenções sociais e apresentação do sexo com uma fonte de prazer. Na ciranda de amores e desamores, o filme de Ken Russell se apresenta como uma espécie de “quatrilho à inglesa”, ora contestando a opressão moral que as sociedades exercem, ora se entregando aos prazeres carnais sem nenhum resquício de culpa católica. Mulheres Apaixonadas é provocativo na forma e romântico no conteúdo.

Assista o trailer: Mulheres Apaixonadas


(Texto originalmente publicado na coluna “Cinefilia” do DVD Magazine em junho de 2017)

Jorge Ghiorzi

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