A representação
da morte já teve muitas faces no cinema. Ingmar Bergman a exibiu com o aspecto
de mago medieval em O Sétimo Selo. Nas comédias, Woody Allen e Monty
Python optaram pela clássica figura fantasmagórica portando uma apavorante
foice. Já no drama Encontro Marcado o chamado Anjo da Morte é representado
pela loirice platinada de Brad Pitt. Uma inusitada nova face da morte é
apresentada no drama fantástico Tuesday – O Último Abraço
(Tuesday, 2023) dirigido pela cineasta croata Daina Oniunas-Pusic. O nome mais
destacado do elenco é Julia Louis-Dreyfus, a inesquecível Elaine Benes da sitcom
Seinfeld, aqui em um registro dramático completamente diferente das
comédias que marcam sua carreira.
Um magnífico
pássaro falante é a personificação da morte que surge para levar ao destino
final a jovem Tuesday (Lola Petticrew), portadora de doença terminal. A
inevitabilidade da morte afeta profundamente o comportamento da mãe (Julia Louis-Dreyfus)
que se afasta do drama da filha e passa os dias a vagar sem rumo pela cidade, dividida
entre a incapacidade de ação e a amargura pela situação que não pode controlar.
A chegada do pássaro da morte provoca a reaproximação entre mãe e filha, que
passam por um doloroso processo de acerto de contas mediado pela entidade
fantástica.
Tuesady se configura
como uma fábula que se propõe a problematizar os fatos essenciais da vida que
são confrontados no momento final da existência. O pretexto para esta discussão
é o relacionamento profundamente conflituoso entre mãe e filha, ainda que na
aparência se mostre amoroso e terno. Ambas vivem um
impasse emocional, marcado por dores reprimidas e emoções contidas. Na hora
decisiva, simbolicamente representada pela chegada da “morte alada”, acontece a
explosão dos sentimentos negados no colapsado relacionamento marcado por culpa
e remorso.
O filme é um drama, porém muito distante de uma narrativa realista
convencional, habitualmente presente em produções padrão “sessão da tarde” que buscam
lágrimas fáceis a qualquer custo com histórias semelhantes. Comovente e
profundo, Tuesday se constitui como uma narrativa que transita livremente
do onírico ao fantástico, com um forte viés surrealista. Neste aspecto o filme
da realizadora croata arrisca por novos caminhos, sem receio de apostar na
ousadia e criatividade. Quem aceitar o convite para mergulhar nesta experiência
radical será recompensado por uma viagem marcada por momentos da mais profunda
sensibilidade.
A jornada das personagens centrais – mãe e filha – em seu ritual de
despedida desafiam o espectador a revisitar suas próprias emoções, lidando com
temas essenciais como os cinco estágios da morte: negação, raiva, barganha,
depressão e aceitação. Os aspectos alegóricos e fantasiosos de Tuesday
abrem caminho para um experimentalismo simbólico que remete ao cinema mais
inventivo de realizadores como Spike Jonze e David Lynch, e, possivelmente,
também ao pai de todos eles, o espanhol Luis Buñuel.
Deus existe? Há
vida após a morte? Estas são questões primordiais que assombram o ser humano. Tuesday,
um estudo sobre o luto em vida, no desfecho indica algumas chaves de
compreensão – e aceitação – para possíveis respostas.
Assista ao trailer: Tuesday – O Último Abraço
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato: janeladatela@gmail.com / jghiorzi@gmail.com
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