terça-feira, 28 de janeiro de 2025

A Verdadeira Dor: jornada interior


O poder da memória e sua capacidade de moldar a trajetória das nossas vidas é a chave que deflagra o processo transformador dos personagens centrais de A Verdadeira Dor (A Real Pain, 2024). O filme vem sendo apontado (com toda justiça) como o melhor trabalho de Jesse Eisenberg como roteirista e diretor, com direito a duas indicações ao Oscar 2025: Roteiro e Ator coadjuvante. Mais conhecido do grande público em sua faceta ator, com papéis marcantes como Mark Zuckerberg, em A Rede Social, e Lex Luthor, em Batman vs. Superman: O Origem da Justiça, Jesse Eisenberg conquista, com este filme, um novo status como artista autoral na nova formatação da indústria de Hollywood. 

O elemento catalisador da narrativa é o Holocausto, evocado pela memória da recentemente falecida avó dos primos David (Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin). Para reverenciar a figura da avó, uma sobrevivente dos campos de extermínio da Segunda Guerra Mundial, os dois partem em uma excursão para a Polônia. Lá visitam marcos históricos da guerra, pontos turísticos relacionados à sua ascendência familiar, um campo de concentração e também conhecem a casa onde a avó havia morado no passado distante, o principal objetivo da viagem da dupla.


A Verdadeira Dor se configura como um clássico road movie, o filme de estrada, de viagem, repleto de experiências sensoriais e psicológicas que funcionam como gatilho para a modificação da visão de mundo dos personagens. Filmes desta natureza ficam essencialmente amparados no arco narrativo e na jornada interior, exatamente os processos que levam David e Benji a questionarem seu passado e as perspectivas de futuro. Deslocados em terra estranha os dois se confrontam com suas inquietações interiores e revelam abertamente que possuem personalidades antagônicas que se complementam. David é o cara metódico, pai de família, com perfil retraído que não demonstra seus sentimentos. Benji é completamente o oposto. Ele é o cara extrovertido, envolvente, sem freios na língua, sem medo de expressar o que pensa e sente, aquele tipo de pessoa que “preenche” um ambiente com a simples presença. Ou seja, ambos são as duas faces de uma mesma moeda, que anseiam recuperar as conexões que já tiveram no passado.


A viagem à Polônia conscientiza David e Benji a respeito do verdadeiro papel que ocupam no mundo: dois jovens judeus, brancos e privilegiados. Nesta condição mostram-se a princípio anestesiados para as verdadeiras dores do mundo. E que dor coletiva maior haveria além do Holocausto? Este é o fantasma que assombra o passado dos protagonistas, descendentes diretos da tragédia. Apesar desta abordagem, não espere um drama pesado. Surpreenda-se com A Verdadeira Dor que trata do assunto com muita sensibilidade, alguma irreverencia e um pouco de humor. Os personagens centrais são desfuncionais, cada um a sua maneira. Além da parceria e cumplicidade, o principal sentimento que realmente compartilham é o da culpa que carregam por um passado que realmente não viveram ou sequer presenciaram, mas determinante para o que são hoje. Um trauma recriado apenas pela lembrança. 

Além do roteiro muito bem construído, com diálogos espirituosos, que fogem da melancolia barata, o maior destaque de A Verdadeira Dor é o desempenho de Kieran Culkin, nada menos que exuberante e cativante. Seu personagem, com segredos e dores profundas, é extremamente verossímil e realista apesar das complexidades que traz dentro de si.


A Verdadeira Dor é aquele tipo de filme adulto médio – não pelas qualidades, mas pelo alcance da sua visibilidade – que a indústria de Hollywood parece ter esquecido de incentivar. Há dois anos Os Rejeitados de Alexandre Payne ocupou este posto. O filme de Jesse Eisenberg possui uma superfície de simplicidade, mas o que efetivamente entrega é uma história profunda de luto e redenção. Uma joia rara que você começa a assistir com um sorriso no rosto e encerra com um nó na garganta.

Assista ao trailer: A Verdadeira Dor


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com

@janeladatela

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