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segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Folhas de Outono: um encontro de solidões

 

O amor, como manifestação romântica exacerbada, é uma construção histórica e social. Assim como a literatura romântica, surgida no século XVIII, que valorizava as emoções e o sentimentalismo exagerado, o cinema, desde os primórdios, se apropriou desta narrativa idealizada. Gerações e gerações de espectadores foram expostas e moldadas em massa nas salas de exibição por este modelo padronizado disseminado pelos filmes. Particularmente por Hollywood, desde o período mudo.

Ainda que em síntese seja fruto deste modelo, Folhas de Outono (Kuolleet lehfet / Fallen leaves) desde os primeiros minutos quebra expectativas quando subverte as regras de uma história romântica tradicional ao lapidar quaisquer resquícios de sentimentalismo excessivo que não façam sentido ao efeito minimalista pretendido pelo realizador finlandês Aki Kaurismaki. Folhas de Outono é poético no título, mas não se engane, é duro, sem concessões fáceis, mesmo que se proponha a ser uma comédia.


Dois solitários da classe trabalhadora. Ela, Ansa, estoquista de supermercado. Ele, Holappa, operário da construção civil. Duas engrenagens de uma máquina capitalista que impessoaliza e massacra sonhos. Dois seres invisíveis da grande Helsinki. Um encontro acidental em um bar de karaokê muda o destino de ambos. Nasce uma atração, que se transforma em paixão, até se estabelecer como necessidade. Um relacionamento improvável, mas indispensável. Um ato de sobrevivência que cura a solidão existencial.


O filme de Kaurismaki não paga tributo ao cinema clássico romântico. É mais ambicioso neste ponto. Paga tributo ao cinema como um todo. A relação de Ansa e Holappa é mediada pela sétima arte em diversos momentos. No primeiro encontro o programa escolhido é uma sessão de cinema. No escurinho da sala, no silêncio da sessão, suas sensibilidades encontram a conexão desejada. A fachada do prédio, repleto de cartazes de filmes, faz cenário para uma “história de cinema” da vida real. E o final, ah o final. O tributo definitivo ao gênio da comédia cinematográfica: Charlie Chaplin. Uma joia de sensibilidade em estado bruto.


O amor um tanto melancólico do casal é tratado com delicadeza, afeto e ternura. Com poucas palavras e muito sentimento. Há frescor e verdade em uma história de encontros e desencontros, que teima em apresentar obstáculos à plena realização passional de Ansa e Holappa. O destino parece conspirar contra a relação do casal, mas as dificuldades momentâneas são apenas um mero detalhe. A felicidade está logo ali, na próxima esquina. Basta seguir o caminho.

Assista ao trailer: Folhas de Outono


Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul

 

Contato: janeladatela@gmail.com