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quarta-feira, 10 de julho de 2024

Como Vender a Lua: propaganda é a alma do negócio

 


No dia 4 de outubro de 1957 a União Soviética lançou ao espaço o Sputnik, primeiro satélite espacial. Aquele momento, em plena Guerra Fria, marcou o início da corrida espacial entre os Estados Unidos e URSS. Além do desenvolvimento dos avanços tecnológicos, o que realmente estava em jogo era a supremacia ideológica entre os dois blocos que dominavam o planeta. É neste contexto histórico que transcorre a comédia Como Vender a Lua (Fly me to the moon, 2024) dirigida por Greg Berlanti, de Com Amor, Simon (2018), e produtor de muitas séries de TV como Você, Titãs, Flash, Superman e Lois, Riverdale, e o recente longa Atlas, da Netflix, estrelado por Jennifer Lopez.

Inspirada em eventos reais, como a missão espacial que levou o homem à Lua em 1969 (antes do final da década, conforme discurso célebre do presidente John F. Kennedy, em 1962), a trama ficcional de Como Vender a Lua traz a especialista em Relações Públicas e Marketing, Kelly Jones (Scarlett Johansson), que é convocada pela Casa Branca para consertar a imagem pública da NASA, que vivia um período de descrença popular e sob constante risco do corte de verbas do Congresso. A missão de Kelly é “vender” a missão Apollo como algo de valor afetivo para os cidadãos norte-americanos. A Lua é pop, portanto, deveria ser consumida como qualquer produto mercadológico, tipo cereais, automóveis, relógios ou sucos. Tudo seria perfeito, não fosse a descrença do diretor de lançamento da missão Apollo 11, Cole Davis (Channing Tatum), contrário aos apelos da publicidade. A missão de Kelly, no entanto, é tão importante que ela é instruída a encenar em estúdio, secretamente, um pouso falso na Lua para ser utilizado como plano B, caso o pouso real sofresse alguma falha. O importante era manter a moral da nação em alta.



Aquele final de década de 60 era um período que mesclava cinismo e pessimismo, além de fortemente marcado pelos efeitos da ressaca ética e moral da Guerra do Vietnã. A criação de narrativas, neste contexto, é uma arma midiática poderosa para a conquista das consciências. A história contada vale mais do que o fato real. Prática bastante recorrente nestes tempos digitais, não é verdade? Como bem diz a ardilosa marqueteira encarnada por Scarlett Johansson, a publicidade é a maneira lícita, portanto aceitável, de contar mentiras. Este é o papel eticamente questionável ao qual sua personagem se submete. Inicialmente com orgulho, para logo adiante se transformar em culpa e arrependimento em sua jornada moral.


Como Vender a Lua inicia no tom de guerra dos sexos, contrapondo homens e mulheres, com seus vícios e virtudes. Mas esta não é propriamente agenda do filme. O romance e a comédia logo entram em cena, assumem o controle da narrativa e dão o tom definitivo. O tom farsesco e dissimulado da personagem de Scarlett Johansson domina o embate em oposição à figura contida e emocionalmente fragilizada – por episódio traumático do passado – do diretor da NASA interpretado por Channing Tatum.  

Há mais de 50 anos circula uma teoria da conspiração que afirma que o pouso na superfície lunar é fake, pois teria sido simulada em estúdio, com suposta direção de Stanley Kubrick. Esta teoria já foi tratada de maneira dramática em Capricórnio Um (1977). Mas aqui a pegada é outra. É tratada como farsa, inclusive propondo uma resolução bastante criativa e divertida para o desfecho do episódio. Por sua vez, em termos de produção, as sequências de lançamento do foguete Apollo 11 e da tensão na sala de controle na comédia Como Vender a Lua não fazem feio a nenhuma reconstituição já vista em produções dramáticas que contaram aquele período histórico da conquista espacial.


Na posição de produtora e protagonista do longa, Scarlett Johansson dá conta do papel com graça e desenvoltura, dando mostras que também funciona satisfatoriamente em comédias. Seu parceiro de elenco, Channing Tatum, por sua vez, está mais contido em cena, distante dos personagens extrovertidos e confiantes que costuma interpretar com mais frequência. Em benefício de Como Vender a Lua vale ressaltar que funciona muito bem a química entre Scarlett e Channing. O contraponto protagonista do casal romântico está na figura do “homem de preto”, Moe Berkus, um representante misterioso dos subterrâneos da Casa Branca, interpretado pelo sempre competente Woody Harrelson, com um cinismo em potência máxima.

Sem avançar em demasia para uma discussão entre as noções de verdade e mentira na grande mídia, Como Vender a Lua trata o assunto com a leveza esperada por uma comédia destinada às grandes massas, particularmente as audiências adultas. É uma grande brincadeira contada sobre um pano de fundo de eventos verídicos, inclusive abrindo espaço para uma reinterpretação maliciosa da teoria da conspiração que acompanha a epopeia da chega do homem na Lua em 1969.


O longa de Greg Berlanti apresenta, aqui e ali, um pouco de crítica aos apelos do marketing agressivo, ao poder das grandes corporações, na salvaguarda dos poderosos no poder, mas efetivamente não é esta a proposta e muito menos o desejo do longa-metragem. Fala mais alto o puro e autêntico entretenimento. Como Vender a Lua é leve, descomprometido e despretensioso. Uma comédia que remete, com a devida vênia, às produções de um Frank Capra, por exemplo, o diretor que melhor representou o sonho americano em suas comédias dos anos 30 e 40.

Assista ao trailer: Como Vender a Lua


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com