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quarta-feira, 23 de março de 2022

“Ambulância – Um Dia de Crime”: motorista sem limites

 


Abram caminho no trânsito. Lá vem a ambulância. A bordo, um policial ferido e uma socorrista. No volante, dois assaltantes em fuga. No comando, um cineasta movido à adrenalina aditivada: Michael Bay. Esta poderia ser uma sinopse minimalista de Ambulância – Um Dia de Crime (Ambulance), a eletrizante versão estadunidense de um filme de ação dinamarquês lançado em 2005. Porém, de minimalista não temos nada. Tudo é over e superlativo, afinal, estamos falando de Michael Bay.

E é justamente pela visão do realizador que se inicia a análise deste vertiginoso thriller de assalto a banco. Há ali, de maneira flagrante, uma assinatura, um estilo de filmar, um modo de injetar vertigem na narrativa, sem dar trégua ao espectador. Não se trata de uma forma esporádica de filmar. É uma tradição recorrente que se reafirma, filme após filme, desde Os Bad Boys, A Rocha e Armageddon, nos anos 90, até Transformers, Sem Dor, Sem Ganho e 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi, nos anos 2000. Então, sim, para Michael Bay a forma se impõe decisivamente sobre o conteúdo.


Posto isso, vamos ao que interessa. O “rei das explosões” está de volta, desta vez com uma veloz e furiosa Ambulância como uma das “personagens”, que entra por azar no centro de um malogrado assalto a banco. Os autores do roubo são dois irmãos (um deles adotivo). Danny (Jake Gyllenhaal) é um criminoso profissional, reconhecido pela ousadia e inteligência. Will Sharp (Yahya Abdul-Mateen, do recente Matrix Ressurectons), seu irmão, é um ex-combatente do Exército norte-americano, em dificuldades financeiras para bancar a cirurgia da esposa. Ao pedir ajuda ao irmão, Will é convencido por Danny a participar do grupo que vai assaltar um banco em busca de 32 milhões de dólares (isso, dinheiro físico, cédulas). O roubo, que parecia fácil, dá errado e a dupla escapa da cena do crime sequestrando uma ambulância que está no local para atender os feridos do intenso tiroteio.

Em se tratando de filme de Michael Bay, a formatação clássica dos três Atos sofre uma sensível distorção dos cânones hollywoodianos. Temos dez minutos expositivos no primeiro Ato, seguidos de frenéticos 90 minutos no segundo Ato, e por fim rápidos três minutos de desfecho no terceiro Ato. É papo reto.


Diferente de Velocidade Máxima (1994), com o qual guarda alguma semelhança pelo mote da perseguição implacável, com alguma surpresa podemos identificar que em Ambulância – Um Dia de Crime o diretor vai um pouquinho além (bem pouco, diga-se) demonstrando alguns sinais vitais em seus personagens principais. Isso mesmo, há vidas reais por trás daqueles personagens, mas nada que roube a cena a ponto de distrair a plateia para a essência da caçada motorizada pelos subúrbios da ensolarada Los Angeles. Neste aspecto se destaca a socorrista Cam Thompson, vivida pela mexicana Eiza Gonzáles (Em Ritmo de Fuga e Velozes & Furiosos: Hobbs & Shaw), que apresenta um arco de personagem que a transforma ao longo da narrativa. A Cam Thompson do inicio do filme não é a mesma do final, após o desfecho do episódio da perseguição. O coração do filme está em suas mãos, no sentido figurado e literal. O cinema da testosterona de Bay dá ainda sinais que se atualiza aos novos tempos de diversidade: um dos agentes do FBI tem um relacionamento homoafetivo.


A natureza nos impõe algumas leis irrevogáveis, mas não para Michael Bay. Para ele a Lei da Gravidade simplesmente não existe. Além disso, a energia cinética dos seus veículos em movimento parece desafiar a Física que se conhece. Tudo em nome do espetáculo, e que espetáculo! Algumas das sequências ensandecidas das perseguições (e dos tiroteios também) são no mais das vezes empolgantes. A utilização de drones nas tomadas está cada vez mais desenvolvida, e o diretor faz um excelente trabalho utilizando esta técnica de captação do movimento real.

A edição frenética e a câmera instável também estão presentes, um cacoete que Michael Bay trouxe dos diversos videoclipes musicais que dirigiu antes de entrar para a carreira de diretor de cinema. Nestes aspectos visuais Bay traz alguns traços de semelhança com o trabalho do precocemente morto Tony Scott, que tinha o hábito (amuleto?) de utilizar um surrado boné rosado durante as filmagens. Curioso que em Ambulância um dos personagens (líder da equipe do FBI) utiliza também um surrado boné com esta cor. Caso tenha sido uma homenagem intencional, foi bem-vinda.


Ambulância – Um Dia de Crime não reinventa a roda, mas dá fôlego para um gênero de filme de ação que parecia não empolgar mais as plateias pela repetição ad infinitum da fórmula (está aí a franquia Velozes & Furiosos, testando os limites da paciência do público). Aqui estão, lado a lado, o melhor e o pior de Michael Bay. Ao equilibrar-se entre a megalomania e a pieguice, ele até se permite a fazer piadinhas autorreferentes com dois de seus maiores sucessos, A Rocha e Os Bad Boys. Agora, vamos aguardar seu novo projeto, uma ficção científica chamada Robopocalypse.

Assista ao trailer: Ambulância – Um Dia de Crime


Jorge Ghiorzi

Membro da ACCIRS