De modo geral o
Giallo italiano produziu “ótimos filmes, com finais péssimos”. Esta máxima, com
alguma liberdade, pode ser também aplicada a muitos filmes de terror. Aqui mais
uma vez a regra de ouro se aplica. Ainda que, a bem da verdade, Longlegs
– Vínculo Mortal (Longlegs, 2024), não seja exatamente um filme de
terror, ao menos não no padrão clássico do gênero. O longa está mais para um
thriller psicológico de investigação criminal que, sim, traz elementos do
universo das histórias de terror. Já vimos isto em O Silêncio dos Inocentes,
que vem sendo com toda justiça citado como uma forte referêncial do filme de Osgood
Perkins. Este sobrenome nos remete a um certo ator de um certo filme chamado Psicose.
Que, olhem só que coincidência, é um thriller de investigação criminal que
flerta abertamente com o terror.
Algumas palavras
sobre Osgood Perkins. Filho de Anthony Perkins, o diretor, roteirista
e ator, que iniciou na direção com dois filmes de horror, A Enviada do Mal
(2015) e O Último Capítulo (2016), também possui uma carreira como ator,
em filmes como Psicose 2 (1983), onde interpretou o jovem Norman Bates,
as comédias Legalmente Loira (2001) e Não É Mais um Besteirol
Americano (2001) e o horror sci-fi Não, Não Olhe! (2022), além de
séries como Alias e Além da Imaginação, onde costuma ser
creditado como Oz Perkins.
Longlegs (esqueça o
péssimo subtítulo brasileiro) mostra uma agente do FBI, Lee Harker (Maika
Monroe), escalada para investigar uma série de assassinatos em massa, ocorridos
em diversas famílias sem nenhuma ligação entre si. Os indícios apontam para um
suspeito misterioso que, apesar das evidências, nunca está presente no local
dos crimes. Mas os assassinatos seguem ocorrendo. Durante as investigações
Harker descobre que pode haver uma conexão pessoal com o assassino.
Um dos aspectos
mais destacados de Longlegs é a presença de Nicolas Cage, em um registro
completamente diverso de tudo que já havia feito. A figura ambígua, bizarra e
andrógina interpretada por ele é sinistra e ameaçadora, assombrando totalmente
a narrativa, esteja ele em cena ou não. Seu espírito maligno paira como uma
sombra sobre todos. Além da pesada maquiagem e caracterização de figurino,
contribui decisivamente para a construção do Mal em pessoa o desempenho de
larga amplitude dramática de Cage, que transita do histriônico ao contido com
grande efeito catártico. Um ótimo trabalho de expressão corporal e inflexão de
voz completam a composição da figura que ocupa um lugar na galeria dos mais
ameaçadores assassinos seriais já vistos no cinema, ao lado de ninguém menos
que o celebrado Hannibal Lecter.
A oponente do
vilão Longlegs é a investigadora Haker (ótimo desempenho de Maika Monroe), uma
personagem fragilizada por episódios traumáticos do passado. Fatos que
repercutem em seu comportamento no presente e podem estar conectados com
elementos que contribuem para a solução do mistério. O comportamento da
personagem, marcado por um permanente desconforto com o mundo a sua volta,
denota uma estranheza para aqueles com quem convive. Apesar da carência de
habilidades sociais, a investigadora é reconhecida por uma inegável capacidade
dedutiva e intuitiva. Sua jornada de investigação da identidade do assassino
faz um espelhamento com sua jornada interior de rememoração de fatos marcantes
de sua vida quando criança, que resultaram na relação conflituosa e distante da
mãe.
O final apressado
e urgente de Longlegs compromete o envolvente clima tenso e sombrio
construído eficientemente ao longo dos dois primeiros atos da trama. Alguns
pontos ficaram sem respostas razoáveis, ainda que seja bastante expositivo em
algumas passagens. As mensagens cifradas do serial killer, por exemplo, no estilo assassino
do Zodíaco, escritas com símbolos misteriosos, não se justificam a contento, a
não ser como artifício de criar um enigma secundário para sustentar a trama.
O background do
assassino – bem como a origem do nome - é desconsiderado, criando lacunas que
apenas a imaginação do espectador deve preencher. Isto, em si, não é necessariamente
um problema. O mecanismo do suspense funciona com maior efeito justamente quando
informações estratégicas são sonegadas à plateia. No entanto, o contexto
narrativo deve indicar minimamente as chaves para a premissa. Longlegs
fica devendo nesse capítulo.
O thriller de
horror psicológico de Osgood Perkins funciona como uma peça de resgate
nostálgico de um passado analógico, anterior à era digital. Em termos de
cenografia, ambientação e sonoridade, Longless no leva a um clima de
anos 70, pela utilização marcante da música de Marc Bolan e sua banda T-Rex
(identificado em um poster na casa do assassino). Já o estilo estético,
fotografia e decupagem referem claramente ao estilo dos filmes criminais dos
anos 90. Além do já citado O Silêncio dos Inocentes, Longlegs
emula produções do período como Seven, O Colecionador de Ossos e Copycat,
entre outros.
Longlegs é misterioso e
envolvente, com uma premissa interessante e um assassino serial memorável. A
mistura de suspense e terror lida com ideias e contextos de grande potencial.
As personagens, centrais e secundárias, conduzem com interesse uma narrativa
que cativa a plateia até os momentos que precedem o desfecho da trama. Neste
ponto Longlegs perde um tanto de sua força e se conclui aquém das
expectativas geradas até então.
Assista ao trailer: Longlegs – Vínculo Mortal
Jorge Ghiorzi
Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de
Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do
Sul)
Contato:
janeladatela@gmail.com / jghiorzi@gmail.com