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terça-feira, 27 de agosto de 2024

Longlegs – Vínculo Mortal: sinistro e perturbador

De modo geral o Giallo italiano produziu “ótimos filmes, com finais péssimos”. Esta máxima, com alguma liberdade, pode ser também aplicada a muitos filmes de terror. Aqui mais uma vez a regra de ouro se aplica. Ainda que, a bem da verdade, Longlegs – Vínculo Mortal (Longlegs, 2024), não seja exatamente um filme de terror, ao menos não no padrão clássico do gênero. O longa está mais para um thriller psicológico de investigação criminal que, sim, traz elementos do universo das histórias de terror. Já vimos isto em O Silêncio dos Inocentes, que vem sendo com toda justiça citado como uma forte referêncial do filme de Osgood Perkins. Este sobrenome nos remete a um certo ator de um certo filme chamado Psicose. Que, olhem só que coincidência, é um thriller de investigação criminal que flerta abertamente com o terror. 


Algumas palavras sobre Osgood Perkins. Filho de Anthony Perkins, o diretor, roteirista e ator, que iniciou na direção com dois filmes de horror, A Enviada do Mal (2015) e O Último Capítulo (2016), também possui uma carreira como ator, em filmes como Psicose 2 (1983), onde interpretou o jovem Norman Bates, as comédias Legalmente Loira (2001) e Não É Mais um Besteirol Americano (2001) e o horror sci-fi Não, Não Olhe! (2022), além de séries como Alias e Além da Imaginação, onde costuma ser creditado como Oz Perkins.


Longlegs (esqueça o péssimo subtítulo brasileiro) mostra uma agente do FBI, Lee Harker (Maika Monroe), escalada para investigar uma série de assassinatos em massa, ocorridos em diversas famílias sem nenhuma ligação entre si. Os indícios apontam para um suspeito misterioso que, apesar das evidências, nunca está presente no local dos crimes. Mas os assassinatos seguem ocorrendo. Durante as investigações Harker descobre que pode haver uma conexão pessoal com o assassino. 

Um dos aspectos mais destacados de Longlegs é a presença de Nicolas Cage, em um registro completamente diverso de tudo que já havia feito. A figura ambígua, bizarra e andrógina interpretada por ele é sinistra e ameaçadora, assombrando totalmente a narrativa, esteja ele em cena ou não. Seu espírito maligno paira como uma sombra sobre todos. Além da pesada maquiagem e caracterização de figurino, contribui decisivamente para a construção do Mal em pessoa o desempenho de larga amplitude dramática de Cage, que transita do histriônico ao contido com grande efeito catártico. Um ótimo trabalho de expressão corporal e inflexão de voz completam a composição da figura que ocupa um lugar na galeria dos mais ameaçadores assassinos seriais já vistos no cinema, ao lado de ninguém menos que o celebrado Hannibal Lecter.


A oponente do vilão Longlegs é a investigadora Haker (ótimo desempenho de Maika Monroe), uma personagem fragilizada por episódios traumáticos do passado. Fatos que repercutem em seu comportamento no presente e podem estar conectados com elementos que contribuem para a solução do mistério. O comportamento da personagem, marcado por um permanente desconforto com o mundo a sua volta, denota uma estranheza para aqueles com quem convive. Apesar da carência de habilidades sociais, a investigadora é reconhecida por uma inegável capacidade dedutiva e intuitiva. Sua jornada de investigação da identidade do assassino faz um espelhamento com sua jornada interior de rememoração de fatos marcantes de sua vida quando criança, que resultaram na relação conflituosa e distante da mãe.

O final apressado e urgente de Longlegs compromete o envolvente clima tenso e sombrio construído eficientemente ao longo dos dois primeiros atos da trama. Alguns pontos ficaram sem respostas razoáveis, ainda que seja bastante expositivo em algumas passagens. As mensagens cifradas do serial killer, por exemplo, no estilo assassino do Zodíaco, escritas com símbolos misteriosos, não se justificam a contento, a não ser como artifício de criar um enigma secundário para sustentar a trama.


O background do assassino – bem como a origem do nome - é desconsiderado, criando lacunas que apenas a imaginação do espectador deve preencher. Isto, em si, não é necessariamente um problema. O mecanismo do suspense funciona com maior efeito justamente quando informações estratégicas são sonegadas à plateia. No entanto, o contexto narrativo deve indicar minimamente as chaves para a premissa. Longlegs fica devendo nesse capítulo.

O thriller de horror psicológico de Osgood Perkins funciona como uma peça de resgate nostálgico de um passado analógico, anterior à era digital. Em termos de cenografia, ambientação e sonoridade, Longless no leva a um clima de anos 70, pela utilização marcante da música de Marc Bolan e sua banda T-Rex (identificado em um poster na casa do assassino). Já o estilo estético, fotografia e decupagem referem claramente ao estilo dos filmes criminais dos anos 90. Além do já citado O Silêncio dos Inocentes, Longlegs emula produções do período como Seven, O Colecionador de Ossos e Copycat, entre outros.


Longlegs é misterioso e envolvente, com uma premissa interessante e um assassino serial memorável. A mistura de suspense e terror lida com ideias e contextos de grande potencial. As personagens, centrais e secundárias, conduzem com interesse uma narrativa que cativa a plateia até os momentos que precedem o desfecho da trama. Neste ponto Longlegs perde um tanto de sua força e se conclui aquém das expectativas geradas até então.

Assista ao trailer: Longlegs – Vínculo Mortal


Jorge Ghiorzi

Membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul)

Contato: janeladatela@gmail.com  /  jghiorzi@gmail.com